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"Nasci surda, mas rompi preconceito e me tornei modelo internacional"

A modelo Brenda Costa - Arquivo Pessoal
A modelo Brenda Costa Imagem: Arquivo Pessoal

Brenda Costa em depoimento a Renata Turbiani

Colaboração para Universa

08/01/2021 04h00Atualizada em 08/01/2021 16h12

Sou de Ipanema, no Rio de Janeiro, e nasci surda. Desde o começo, meus pais aceitaram a minha dificuldade e tiveram um pensamento inclusivo, para que eu levasse uma vida normal, como qualquer criança. O objetivo deles sempre foi o de que eu me tonasse independente. Por isso, não me colocaram em escolas especiais e nem para estudar a linguagem dos sinais.

Eles acreditavam que eu poderia aprender a falar, até porque o meu problema é apenas de audição, e, se fosse para uma escola dessas, não me esforçaria tanto. Então, fizeram de tudo para que primeiro eu me comunicasse oralmente. E eu também passei a desejar isso.

Ainda bem novinha, comecei as sessões de fonoaudiologia e terapia - e continuo o tratamento até hoje. Inicialmente, tive dificuldade em pronunciar 'rr' e para entender o som do 'h'. Hoje, falo como qualquer pessoa, às vezes um pouco fora do tom, pelo fato de não ouvir, mas tento manter a voz baixa. Depois, estudei leitura labial e, mais tarde, libras. Me comunico, além do português, em francês, italiano e inglês.

Brenda Costa - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

'Foi difícil perceber que eu não ouvia'

Na infância, eu era a única aluna surda do colégio e cheguei a sofrer preconceito. Mas, como sempre fui muito determinada, ao invés de ficar chorando, decidi mostrar para os outros que eu não era diferente Tinha sim uma deficiência, mas era - e sou - capaz de realizar qualquer coisa, assim como eles.

Fora da escola também houve momentos difíceis, especialmente quando me dei conta de que não ouvia. Eu tinha uns quatro anos quando isso aconteceu e não conseguia entender o motivo. Aos poucos, meus pais e parentes foram me ensinando a conviver e aceitar essa condição e, com o tempo, me adaptei a ela e criei caminhos para facilitar a minha vida.

Eu sabia que nunca iria conseguir escutar as outras pessoas ao telefone, as crianças gritando, as músicas tocando..., mas não me revoltei. Escolhi outro caminho. Graças a Deus, sempre fui positiva e recebi muito amor. Posso garantir que a deficiência não me impediu de alcançar meus objetivos e nunca me privou de nada. Pelo contrário, ela me deu foi mais forças para alcançar os objetivos.

'Desde criança, sonhava em ser modelo'

Na adolescência, quando ainda morava no Rio, entrei para o mundo da moda e foi muito especial. Desde criança, meu desejo era ser modelo. Minha mãe foi sócia de uma loja Wrangler, em Salvador, e o fato de ela já trabalhar com esse universo foi um incentivo. Eu adorava pegar as revistas dela para olhar os looks.

Com 14 anos, juntas resolvemos que eu iria trabalhar fora do Brasil, onde tivesse menos preconceito, e só tenho a agradecer, pois fui recebida com muito respeito e carinho. Construí uma carreira brilhante, ganhei espaço e conquistei o respeito de todos. Nunca perdi trabalhos por ser surda.

A profissão me levou a morar em Nova York e Paris - atualmente, vivo em Londres. Nestes anos todos já fiz trabalhos para marcas como MAC, Guess, Guerlain, L'Oreal, Wolford e Valisere, Valentino, Sergio Rossi, Calzedonia, Harrod's, Marks & Spencer, Lenny Niemeyer, Salinas, Natura, Le Lis Blanc, Victor Dzenk, Hering, Carlos Miele e Mara Mac, e fui capa de várias revistas, como Allure, Cosmopolitan USA, GQ e outras.

'Trabalhando em Paris, conheci meu marido, também surdo'

Também foi graças ao trabalho que conheci meu marido [Brenda é casada com o egípcio Karim Al-Fayed, filho do bilionário Mohamed Al-Fayed e irmão do falecido empresário Dodi Al-Fayed, que namorou a princesa Diana e morreu de forma trágica ao seu lado em um acidente de carro em 1997]. Nos encontramos em Paris, em uma campanha na qual ele era o fotógrafo. Nos apaixonados e casamos.

Mesmo nós dois sendo deficientes auditivos [ele ficou surdo na infância, após contrair meningite], quando decidimos ter filhos, não tive medo. O amor incondicional falou mais alto e eu sabia como as coisas seriam caso eles viessem a nascer surdos, afinal, foi o que vivi.

Brenda Costa - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Brenda Costa - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

A Antônia, de 12 anos, e o Gabriel, de 5 anos, nasceram escutando perfeitamente e se comunicam muito bem comigo e com meu marido. Os dois aprenderam desde cedo que, para falar conosco, temos que estar de frente para lermos os lábios, e isso se tornou normal para eles.

O fato de eu não escutar não me impede de cuidar deles normalmente. Durante o dia, essa tarefa é minha, faço questão, mas à noite preciso da ajuda de uma babá, porque, se acontecer alguma coisa, ela é os meus ouvidos.

Depois que coloquei um implante coclear, antes mesmo de engravidar, até consigo ouvir alguns sons, mas poucos. De toda forma, a cirurgia possibilitou uma das maiores emoções da vida: escutar o choro dos meus filhos. Outra ocasião marcante foi quando, durante uma sessão de fotos em uma montanha na África, escutei o vento forte. Chorei muito e até hoje me emociono quando lembro.

'Quero ajudar surdos e contar minha história'

Em 2007, lancei um livro, o "Belle du Silence". Nele, conto a minha história, pois quero que as pessoas vejam que não existe o impossível, e eu sou um exemplo disso: do quanto somos capazes de realizar os nossos sonhos.

Há dois anos, também montei um canal, com o mesmo nome, no Youtube, para ajudar surdos e mudos, incentivar e ensiná-los a conviver com parentes e amigos, já que muitos ainda não têm experiência. Essa é mais uma forma de mostrar que podemos ter vida normal e obter conquistas. A possibilidade é igual para todos, apenas o esforço e o caminho são diferentes.

Agora, estou trabalhando no segundo livro, só não consegui concluir ainda por conta da pandemia. Dessa vez, vou abordar as necessidades e as carências de quem tem deficiência auditiva.

A minha condição me ensinou a lutar pelos meus sonhos, a ser mais confiante. Ela traz muitos desafios, claro, mas também nos obriga a ter amor ao próximo e a respeitar as pessoas como elas são.

Eu consegui o meu espaço com muita determinação e confiança e tudo o que quero é que não haja mais preconceito. Estou com 38 anos e vou seguir trabalhando para que todos os deficientes tenham os mesmos direitos e igualdade.