"Criei uma ONG para ajudar mulheres a fazer fertilização in vitro pelo SUS"
"Sempre quis ser mãe e, assim que me casei, senti que o sonho logo se realizaria. Mas esperamos 1 ano e nada. Começamos então a procurar médicos e a agonia foi aumentando. Só depois de 3 anos, entre idas e vindas, exames e consultas, é que descobrimos que eu tinha endometriose.
Sem muitos rodeios, o médico já disse que eu teria que fazer Fertilização in Vitro (FIV) - é um dos tratamentos mais indicados para casos de infertilidade e de idade avançada - apesar de eu estar com apenas 33 anos na época. E aí começou nossa batalha para que, no fim, eu conseguisse fazer minha FIV pelo plano de saúde, sem custos adicionais.
O preço de um sonho
Sentamos, fizemos as contas e se juntássemos todas nossas economias, daria para pagar o tratamento, (os custos variam de 7 mil a 9 mil reais. Hormônios e medicamentos - de 3 a 5 mil reais. É o valor da fertilização in vitro clássica, somado ao procedimento de injeção do espermatozoide dentro do óvulo, que custa entre 800 a 2.500 reais. Mas pensamos também em várias possibilidades: de não dar certo e a frustração aumentar e ainda sem dinheiro para tentar novamente.
Eu tinha plano de saúde e estava com uma doença, a endometriose. Então meu marido, que é advogado, sugeriu que o convênio arcasse com o tratamento, afinal, era por questão de saúde.
Assim iniciava então uma outra luta.
Batalha na justiça
Dia 4 de outubro de 2016 entramos com uma ação na justiça para que o plano de saúde pagasse meu tratamento.
O pedido na justiça foi analisado em 24 horas e, depois dessa espera, recebemos uma autorização para que o plano pagasse o tratamento. Pensamos então que tudo estaria resolvido. Porém, na época, 2016, a minha ação foi uma das primeiras do Paraná e o plano alegava que não sabia como "cumprir". Porque em teoria, esses tratamentos não são cobertos pelos convênios.
Aí tivemos outro desgaste, pois eles recorreram à justiça. No recurso, a desembargadora suspendeu a liminar e aí teríamos que aguardar o julgamento. Foram 6 meses de luta na justiça para, enfim, o plano liberar meu tratamento somente no final de abril de 2017, mas iniciei apenas em maio.
Engravidei logo na primeira tentativa. Estava esperando gêmeos, meninos. Nosso coração transbordava de tanto alívio, alegria e ansiedade. Antônio e Joaquim nasceram em 13 de dezembro de 2017. Foi parto cesárea. Lindos e perfeitos pesando 2070 kg e 1720 kg e medindo 43cm e 42cm. Um parecido com o pai, o outro comigo.
Mesmo depois do nosso sonho realizado, meu coração ainda pedia algo. Não estava satisfeita. Sentia que precisava ajudar outras mulheres a realizar o sonho de se tornarem mães. E ainda que elas não passassem todo o desgaste que passei.
Oportunidade para todas
Depois que tive meus filhos, muitas pessoas começaram a me procurar para terem o mesmo sucesso. Ajudamos alguns casais, através de ações na justiça, a conquistarem também esse direito. Uns conseguiram, outros não.
Foi então que decidi criar a ONG Gestar, em novembro do ano passado. Com esse trabalho, temos o objetivo de dar visibilidade e atenção para esse problema, que a meu ver, é social. Com menos de um mês de atuação, já tínhamos mais de 20 casais associados.
Dificuldade de engravidar é um assunto pouco debatido. Muitos casais se sentem fragilizados em contar suas histórias e lutas. Conheço alguns que não contam nem para a família que estão nesse processo. Eu mesma cansei de ouvir frases do tipo: "ah, mas você pode adotar também"; "relaxa que consegue". E não é uma questão simples assim.
A ONG tem também esse objetivo de levar informação com especialistas sobre o assunto: causas da infertilidade, direitos e um espaço para casais poderem conversar a respeito. Nós passamos por todos os processos e entendemos o que eles sentem.
Com o trabalho da ONG, queremos que as mulheres conquistem a reprodução assistida pelo plano de saúde sem precisar entrar com uma ação na justiça. Meu outro sonho é fazer com que todas as capitais brasileiras tenham um hospital que forneça reprodução assistida pelo SUS, é um desejo difícil, mas não impossível.
Vamos dar voz para essas pessoas e para essa causa. A sociedade e o governo precisam olhar para esses casais, é um problema social.
STJ deve decidir em breve
Em breve, o Superior Tribunal de Justiça irá tomar uma decisão definitiva sobre o assunto e, um dos meus objetivos de vida é que a justiça admita que se trata de uma questão de saúde ao reconhecer o direito que todos temos de gerar filhos.
É um assunto que está em discussão pelo STJ desde 2012, quando entendeu-se que não era obrigação do estado oferecer o tratamento. Mas em outubro de 2020 todas as ações que falavam sobre FIV no Brasil foram suspensas para esperar uma decisão definitiva. Foram anos de campanha para reverter a decisão. Estamos aguardando um resultado favorável, com muita expectativa.
Por enquanto, a Gestar age em duas frentes: no sistema privado, tentando parceiras que ofereçam descontos no tratamento. Já no SUS, a luta é que estenda esse tratamento, gratuitamente, em todas as capitais do Brasil. Atualmente, existem 16 clínicas que oferecem o serviço de FIV pelo SUS ou com um preço razoável.
Outra ideia da Gestar é fazer convênios com médicos e clínicas para que possamos oferecer serviços aos associados e com isso conseguir valores acessíveis, além claro de trazer informações sobre o assunto.
Enquanto ajudo outras mulheres a engravidar, meu marido e eu decidimos usar os três embriões congelados que ainda tínhamos. Fiz uma FIV em novembro que não deu certo. E agora em dezembro transferimos os outros dois e deu certo! Estou grávida! Dessa vez pagamos o procedimento. Mas já entramos com o reembolso no plano de saúde.
Muitas mulheres querem gerar uma vida e não conseguem e sofrendo por isso. A luta da Gestar, que nasceu no meu coração há muito tempo e agora existe fisicamente, é que todas as mulheres que desejam engravidar consigam realizar esse sonho, como eu consegui.
O que diz a lei atualmente
De acordo com o advogado da ONG Gestar, Luís Gustavo Guimarães, atualmente, a totalidade de contratos das operadoras de planos de saúde faz constar uma cláusula que expressamente exclui da cobertura o tratamento de inseminação artificial e, apesar de serem procedimentos diferentes, os planos de saúde insistem em negar a cobertura da fertilização in vitro alegando se tratarem de sinônimos. Ocorre que, em sentido oposto, a Constituição Federal e a Lei nº 9.263/96, chamada de Lei do Planejamento Familiar, asseguram ao casal o direito de decidir de maneira livre e responsável sobre questões ligadas ao planejamento familiar, garantindo ainda os meios para o exercício dos direitos ligados a reprodução. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor garante que "as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor". Por isso, nesse contexto, a ONG defende que as operadoras têm a obrigação de cobrir a fertilização in vitro quando houver indicação médica.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) esclarece que vários procedimentos que possibilitam diagnosticar e tratar a infertilidade em homens e mulheres - entre eles exames hormonais, ultrassom, histeroscopia, laparoscopia, cirurgias e exames de esperma - constam no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, que é a lista de coberturas obrigatórias dos planos de saúde. O Rol é válido para os planos de saúde contratados a partir de 02 de janeiro de 1999, os chamados planos novos, e para os planos contratados antes dessa data, mas que foram adaptados à Lei dos Planos de Saúde, de acordo com a segmentação assistencial.
- O procedimento de inseminação artificial - seja por fertilização in vivo ou in vitro - não se encontra listado no Rol e, portanto, não possui cobertura em caráter obrigatório. A não obrigatoriedade de cobertura decorre do disposto no Artigo 10, inciso III da Lei Federal nº 9656/98.
- Você pode consultar os estabelecimentos de saúde que realizam procedimentos de atenção à Reprodução Humana Assistida, no âmbito do SUS, incluindo fertilização in vitro e/ou injeção intracitoplasmática de espermatozoides aqui.
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