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"Eu pedia a Deus para engravidar só depois de me livrar do silicone"

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Barbara Ferragini em depoimento a Marcelle Souza

Colaboração para Universa

19/01/2021 04h00Atualizada em 19/01/2021 12h47

"Há quase 11 anos, coloquei próteses de silicone porque queria me ver mais bonita no vestido de formatura. Eu achava meu corpo esteticamente bonito, mas faltava peito. Já no pós-operatório, começou a sentir muitas dores, mas o médico dizia que estava tudo bem. Ele falava que eu tinha que ir ao psicólogo.

Um ano depois, troquei as próteses, mas tudo continuou igual. Com o tempo, passei a sentir também dores nas pernas e uma sensação de congelamento nos seios. Descobri que os sintomas eram comuns a outras mulheres, e podiam ser sinal da doença do silicone, síndrome que afeta o sistema autoimune e que recentemente passou a ser estudada pelos médicos.

Eu sempre quis colocar silicone, porque achava que meus seios eram muito pequenos e separados, não gostava quando vestia um decote. Eu achava meu corpo esteticamente bonito, mas faltava peito. Em 2009, depois que uma amiga colocou silicone, vi que tinha ficado bom e decidi pôr também, para a minha festa da formatura.

Na época, eu coloquei as próteses mais modernas, feitas de gel coesivo. A propaganda era que, se você cortasse a prótese em quatro pedaços, não ia vazar nada. Meu médico foi muito recomendado, um professor universitário. Ele me dizia que o tamanho ia ficar bom e eu confiei. Coloquei 230 ml em um seio e 260 ml no outro, porque tinham tamanhos diferentes antes da cirurgia e o médico falou que com essa quantidade ia ficar mais harmônico.

'Eu olhava no espelho e não me reconhecia'

Quando eu me vi com a prótese, achei que eles ficaram gigantes e muito próximos um do outro. Mesmo depois de diminuir o inchaço, eu me olhava no espelho e não me reconhecia. O meu pós-operatório foi péssimo. Embora eu tenha cicatrização muito boa e rápida, dormi uma semana em uma cadeira, com os braços amarrados, porque ele dizia que não podia levantá-los de jeito nenhum. Eu não conseguia me deitar na cama, até para respirar eu sentia dor e tomei remédio tarja preta. Nas consultas, eu reclamava de muita dor e ele dizia "calma, o seu corpo está se acostumando".

A cicatrização do corte ficou perfeita, mas eu senti que os seios não diminuíram, tinham ficado muito artificiais para mim. E aí comecei a sentir mais dor no direito. Toda vez que eu tirava o sutiã, parecia que ele ia cair.

Depois de seis meses indo ao consultório e reclamando, o médico falou: 'Se der um ano e você ainda estiver reclamando de dor, a gente pode tirar, mas o ultrassom não deu nada a ressonância magnética também não'.

Depois de um ano com dor, o médico resolveu trocar as próteses. Eu confesso que, depois da cirurgia, falei: 'Mãe, acho que ele nem fez nada'. Fiquei com essa sensação porque nada mudou, passaram semanas e a dor no seio direito era exatamente igual. Parei de me consultar com ele, porque me dizia que eu não tinha mais o que fazer, que era para procurar um terapeuta. Fui me acostumando com essa dor e vivi oito anos com a segunda prótese. Esse mal estar começou a ficar comum para mim.

'As próteses me aproximavam de relacionamentos tóxicos'

A dor nunca afetou a minha vida sexual, mas sinto que atrapalhava o toque. Embora eu não tivesse perdido toda a sensibilidade, era diferente. Sinto que elas me aproximavam de relacionamentos tóxicos, com homens que me viam apenas como um corpo. Eu me sentia vazia nesses momentos.

Barbara Ferragini  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
Barbara Ferragini  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

A gota d'água foi em 2016. Eu estava no Peru e, um dia, tirando a blusa, ouvi um "plaft", como se fosse um plástico lá dentro, um líquido. Foi horrível. Eu encostava na mama e ouvia esse barulho. Achei muito estranho.

Além disso, todas as vezes que eu viajava para algum lugar muito frio, parecia que a minha mama estava congelada. Era uma sensação muito ruim, que depois eu soube que é comum às mulheres que têm essa doença do silicone. Foi aí que eu percebi que tinha uma coisa errada.

Quando eu voltei ao Brasil, fiz um novo ultrassom e apareceram ondinhas na borda do silicone. Perguntei ao técnico se era normal e ele disse que eu deveria trocar a prótese, porque aquilo era sinal de maior risco de dor e ruptura. O meu médico havia dito que as mais modernas eram vitalícias e, para ele, estava tudo normal. Fiquei com aquilo na cabeça.

'De repente, tinham milhares de mulheres relatando a doença'

Eu fui para os Estados Unidos no ano seguinte e vi no Instagram uma atriz que tinha saído na Playboy há alguns anos e ela dizia que quase morreu por conta dessa doença, e que assim que retirou a prótese de silicone sua saúde tinha voltado ao normal.

Aí surgiram milhares de mulheres mundo afora falando da doença do silicone, que afeta a imunidade e tem vários sintomas. Eu vi que tinha muitos deles. Sentia dores estranhas e sem motivo nas pernas e nos pés, tinha artrite, além de sentir esse congelamento nos seios. Isso me motivou a buscar uma saída. Procurei um médico que era especialista e retirei as próteses em maio de 2018, quando ainda estava nos Estados Unidos.

Essa é uma cirurgia delicada, que retira toda a cápsula, não só a prótese, porque ela pode se romper lá dentro. A cápsula é uma pele que se forma ao redor da prótese após seis meses da cirurgia, é uma defesa do organismo, uma proteção do nosso corpo. Muitas mulheres que retiraram as próteses perceberam que elas estavam derretidas, como uma gelatina. As minhas, segundo o médico, estavam íntegras. Mas hoje já se sabe que elas soltam nanopartículas do silicone todos os dias, o que é absorvido pelo nosso corpo, um material tóxico.

Eu achava que estava fazendo a cirurgia no melhor lugar do mundo, mas tive uma hemorragia. Saí do hospital, fui para a casa e o meu seio esquerdo inchou muito. Voltei imediatamente para o centro cirúrgico e lá o médico tirou 300 ml de sangue, o equivalente a um copo. Ele falou que não sabia o que tinha acontecido, que quando me suturou estava tudo bem. Então a minha recuperação foi bem difícil, porque eu tive anemia, fiquei muito fraca, mas em duas semanas já me sentia melhor.

'Tive medo de não conseguir amamentar'

Quando eu me vi no espelho, embora os seios estivessem bem pequenininhos, eu me reconheci muito mais do que com as próteses. Só que foi todo um período de adaptação, porque de uma semana para a outra o seio mudava muito, o formato, o inchaço, o bico. Muitas mulheres, quando tiram a prótese, já fazem uma cirurgia de redução junto, com medo de sobrar pele. Eu confiei que meu corpo ia dar conta, que ia se regenerar, e foi o que aconteceu. Talvez agora esteja um pouco menor do que antes, mas eu me acostumei, e ele só aumentou quando engravidei, o que não foi planejado.

Quando eu fiquei sabendo que estava gestante, pensei: ainda bem que eu me livrei das próteses. Porque sempre pedia a Deus que se um dia eu engravidasse, que fosse quando eu não tivesse mais as próteses. Apesar de cientificamente não ser comprovado que a amamentar faz mal, alguns estudos mostram que as substâncias químicas do silicone passam através do leite materno. Isso a medicina vai demorar muitos anos para admitir, porque tem uma indústria do silicone, da cirurgia plástica, que rende bilhões de dólares.

Os médicos falam que dificilmente uma mulher com prótese vai ter problema para amamentar, mas isso pode acontecer se algum dos ductos mamários tiver sido afetado, se houve pressão nas glândulas. Então eu tive medo sim, mesmo já tendo retirado as próteses.

Contratei uma consultora de amamentação no pré-parto para analisar os meus seios e me ensinar algumas técnicas. Ela me disse que a gente só ia saber se eu ia ter leite ou se ia conseguir amamentar quando o neném nascesse.
O Gael nasceu no dia 15 de dezembro de 2020 e, graças a Deus, estou conseguindo amamentar.

Barbara Ferragini  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

'Amamentar não é instintivo'

Meu problema foi que, por mais que eu tivesse feito a consultoria de amamentação, tive muitas fissuras. No começo, ele acordava faminto e nem sempre eu tinha tempo de fazer massagem, preparar o bico do seio antes. Então ele me abocanhou algumas vezes de madrugada no escuro e eu tive várias fissuras com sangue. Foi bem difícil, toda vez eu chorava. Até o seio calejar, é muita dor.

Amamentação não é instintivo, o que é instintivo é o neném pôr a boca, mas tem toda uma pega correta para não machucar e para garantir que ele esteja se alimentando de fato. Agora a gente está pegando o jeito, sempre com apoio, mas estou nesse processo.

'Tirar as próteses foi um renascimento'

Pode parecer exagerado, mas tirar as próteses foi um renascimento enquanto mulher. A gente coloca silicone como uma necessidade de autoafirmação, de querer ser uma mulher perfeita perante a sociedade, ter um corpo harmônico.
Quando eu retirei as próteses, foi um processo de aceitar o meu corpo como ele é, que tudo bem ter seios menores com mais corpo, que tinha beleza nisso também.

Em um momento de falta de informação e de ignorância mesmo, aceitei colocar um corpo estranho dentro do meu, sem saber dos riscos. Certamente se eu tivesse sido informada de tudo isso, não teria colocado.

Desde então, mudou muito a minha relação com os meus seios. Hoje eu me sinto mais mulher com seios menores, muito mais do que quando eu tinha prótese, que eu achava artificial, que não era eu. Eu acho que a época em que eles estiveram mais bonitos foi durante a gestação. Estava mais plena, iluminada em todos os sentidos, cabelo, pele, corpo. Os seios ficaram maiores, mas, sem silicone, estavam mais naturais.

É engraçado que, depois que eu coloquei silicone, não conseguia usar decote, porque atraía olhares que eu não queria, comentários vulgares. Então, quando eu não tinha prótese, eu queria ter e mostrar; quando eu tinha, escondia."