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"Perdi minha sogra por falta de oxigênio e hoje ajudo famílias de Manaus"

Thalita com a filha, o sogro e a sogra, Maria Auxiliadora - Arquivo pessoal
Thalita com a filha, o sogro e a sogra, Maria Auxiliadora Imagem: Arquivo pessoal

Depoimento de Thalita Rocha a Luiza Souto

De Universa

20/01/2021 04h00

Moro em Manaus e muita gente na minha família contraiu a covid-19. Eu, meu marido e nossos filhos pegamos antes, e conseguimos administrar a doença.

No Natal, vieram os irmãos da minha sogra, de Boa Vista, e todo mundo que estava na reunião pegou. Os cunhados, os tios do meu marido. Meu sogro foi primeiro a ser internado. Ele ainda está intubado, em estado grave. Minha sogra foi internada em seguida, no dia 8 de janeiro. Ela não resistiu. Uma tia do meu marido faleceu essa semana também. E um outro tio está em condição gravíssima.

Minha sogra manteve-se lúcida a todo instante enquanto esteve no hospital, infelizmente. O ideal era intubar, mas como, sem disponibilidade de leito? Ela repetia: 'eu não vou desistir, eu vou voltar, eu estou respirando'. E respondia: 'sogra, respira devagar'.

Infelizmente, ela não resistiu à falta de oxigênio e logo após conseguir uma vaga na UTI, ela se foi. Tinha 67 anos, e vem de uma história muito bonita de superação de um câncer. Era enfermeira aposentada, foi diretora do Coren (Conselho Regional de Enfermagem). Tinha uma vida inteira pela frente.

'A gente conta com a misericórdia de Deus'

Agora estamos no movimento de ajudar as pessoas. Decidi de alguma maneira não ficar parada, e colaborar com as necessidades dos hospitais, principalmente das famílias que ainda não conseguiram leitos e estão em casa.

Atendemos a várias pessoas, desde levar alimento nos hospitais até a troca de cilindro. Corremos atrás de oxigênio, fazemos contatos. Mas é uma batalha. Você liga para 500 pessoas e não consegue falar com ninguém. No meio de tudo isso, penso que o caminho da minha cura é ajudar outras pessoas a não morrerem.

Quem tem resiliência está conseguindo, de alguma forma, passar por essa batalha. A gente conta com a misericórdia de Deus.

Infelizmente, tive outras partidas e sei um pouco como lidar com a morte, apesar de a gente nunca se acostumar com isso. Tenho 37 anos, e meu pai faleceu quando eu tinha 21. Em seguida foi meu padrasto e depois minha mãe. Então não me vejo parada, prostrada, chorando. O movimento é olhar para a luz e ouvir as necessidades das pessoas. Mas lógico que dói muito ainda. A gente sofre muito, chora, sente a dor.

A gente está ressignificando toda nossa dor. Para gente, é reconfortante deitar a cabeça no travesseiro e pensar: 'Hoje a gente deixou um lanche para um pai, levou uma fralda para uma família'.

Não podemos ficar de braços cruzados nem fechar os olhos sabendo que tem um monte de gente precisando de oxigênio."