Vítima de comentário abusivo em comanda: "Comecei a tremer, senti vergonha"
A primeira reação da gerente de loja Patricia Melo, 42, ao se dar conta de que na comanda do restaurante em que almoçou há duas semanas ela tinha sido identificada como "moça do peitão" foi não acreditar que aquilo estivesse acontecendo. "Quando peguei o papel, fiquei lendo, relendo, me tremia toda, me senti envergonhada. Tinha pessoas na mesa, duas íntimas e outras não. Fui exposta para todos verem", diz, em conversa com Universa.
"A primeira sensação foi uma vontade de me esconder. Quando a gente sofre uma agressão, de qualquer tipo, perde a ação. Me deu vontade de chorar e depois veio na minha cabeça que eu deveria fazer alguma coisa", conta. "Eu já tinha sido exposta ao ridículo, virado chacota. Mas, se me calasse, aquilo ia fazer eu me sentir muito mal."
A decisão foi de chamar o gerente do estabelecimento - a Cervejaria Bohemia, em Petrópolis (RJ), que, segundo Patricia, pediu desculpa e afirmou ser comum identificar os clientes por características físicas.
"Ele só ficou sem graça porque a gente reclamou. Eu sou loira, meu braço é fechado de tatuagem, poderiam usar qualquer característica minha. Por que os meus seios chamaram a atenção? O que mais me incomodou foi o cunho sexual do estereótipo. Eu não dei essa liberdade, independentemente da roupa que estivesse usando."
"Há julgamento como se a vítima estivesse errada"
Patricia diz que a vergonha e a vontade de se esconder que surgiram em um primeiro momento vêm da reação que muitas pessoas têm a relatos de mulheres que, de alguma forma, se sentem ofendidas em um ataque machista.
"Quando você é agredida, fica com vergonha e não quer expor porque, às vezes, a vítima passa a ser a errada. Ou parece que você está querendo aparecer. Isso faz a gente se sentir mal. Tem gente que disse que é mimimi, outros falaram que foi por causa do meu decote. Querem que entube isso e fique quieta. Então a gente não sabe se vai ter apoio ou não", conta.
O ímpeto de levar sua reclamação adiante veio após a amiga que testemunhou a cena postar uma foto da comanda nas redes sociais, contando o que aconteceu e questionando os amigos se o estabelecimento poderia ser processado.
"Eu repostei o que ela publicou e comecei a receber várias mensagens de pessoas perguntando como eu estava, me apoiando. Já no carro, voltando para casa, eu estava chorando e recebi uma mensagem do meu advogado dizendo que sofri uma agressão."
A ficha foi caindo aos poucos e, segundo Patricia, a mensagem do advogado a fez ter ainda mais certeza de que não deveria sentir vergonha alguma, pelo contrário: havia sido vítima. "Eu disse para mim mesma: estava no lugar, sem fazer mal nenhum a ninguém, e virei chacota. Outros clientes viram, ficaram rindo. E aí decidi denunciar."
"Recebi muitas de mensagens de mulheres me apoiando"
O advogado procurou uma delegacia da mulher, mas foi orientado a ir a uma delegacia do consumidor, onde foi possível fazer o registro da ocorrência. Na sequência, abriu um processo contra a Cervejaria Bohemia. "Pedi que façam uma retração se desculpando publicamente. Até para que não aconteça de novo em outros lugares", diz Patricia.
Após postar um vídeo na internet em que contava o que acontece, ficou surpresa com as várias mensagens de apoio que recebeu. "As pessoas se solidarizaram, e eu vi que não só eu sofri essa agressão mas muitas mulheres me procuraram para contar situações em que foram vítimas de comentários abusivos", diz.
"Eu mesma já escutei muita coisa na rua por causa de roupas que uso. Dá medo de ser julgada. No geral, a gente engole, deixa para lá, se sente culpada. Machistas fazem a gente se sentir mal."
Patricia conta que 85% das mensagens que tem recebido são de mulheres se identificando com o que ela viveu. "Muitas me agradecem por ter tido coragem de falar, dizem que muitas mulheres passam por isso, que estão ao meu lado, que com ações como a minha veem que temos voz. E também contam situações de machismo muito íntimas que já viveram", afirma.
"Estou tentando seguir a vida após perder um filho"
Ir ao restaurante naquele domingo foi uma maneira que Patricia encontrou para espairecer depois de trabalhar dezembro todo, praticamente sem folga. Também foi mais um passo contra a depressão que a acometeu durante o ano de 2020, após perder um filho em um trágico acidente.
Em 26 de dezembro de 2019, o filho mais velho de Patricia, de 26 anos, teve o pescoço cortado por uma linha de pipa com cerol enquanto andava de moto em uma via pública do Rio de Janeiro.
"Foi a maior tragédia da minha vida. Fiquei muito mal. Depois tive que juntar esses pedaços. Meu marido caiu também. Foi quando percebi que precisava tomar as rédeas da minha família, que não podia perdê-la, meu filho não ia querer que isso acontecesse." Ela também é mãe de um rapaz de 20 anos.
"Aí, nesse momento em que estou tentando seguir em frente, eu saio de casa para ficar melhor e acontece isso. As mulheres precisam ser tratadas com mais respeito."
Outro lado
Em matéria de Universa publicada na quinta-feira (21), a empresa Ambev, responsável pelo restaurante, afirmou lamentar o ocorrido. Disse que tomará as medidas cabíveis contra os funcionários envolvidos e acrescentou que o comportamento dos funcionários envolvidos não reflete os valores da empresa. Afirmou, ainda, que reforçará o treinamento com toda a equipe para que casos do tipo não voltem a acontecer.
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