Grávida ofendida por médica no litoral de SP será indenizada por Prefeitura
"Você é velha demais para ter filhos."
"Seu filho vai nascer mongolóide."
"Você e o seu marido deveriam se capar para não terem mais filhos."
Essas foram algumas das ofensas ditas por uma médica que trabalha no pronto-socorro do Jardim Quietude, na Praia Grande (SP), ao atender a ajudante geral Cecília da Conceição em 23 de fevereiro de 2018.
Grávida de quatro meses, Cecília havia procurado o PS para buscar alívio para as dores que sentia nos braços e nas pernas e foi maltratada pela profissional. Na semana passada, Cecília ganhou uma ação de indenização contra a Prefeitura da cidade no litoral paulista por danos morais, pelos maus tratos da médica, em segunda instância. Cabe à Prefeitura agora ajuizar recurso no STJ (Supremo Tribunal de Justiça) ou no STF (Supremo Tribunal Federal).
No último dia 22, a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento a recurso apresentado pela Prefeitura e manteve sentença que condenou a Prefeitura de Praia Grande a indenizar em R$ 10 mil Cecília e seu filho, Fabiano, por danos morais. Fabiano teria tentado defender a mãe das agressões verbais a que estava sendo submetida pela médica do PS e também foi ofendido.
"Fica quieto! Seu burro, retardado. Quem estudou aqui fui eu", gritava a médica.
Na peça processual, redigida pelo escritório da advogada Alessandra Katucha Galli, consta que a médica começou a assustar Cecília, alegando que as dores que sentia eram decorrentes de um aborto que estaria sofrendo naquele momento.
"Esse bebê está saindo de você, você está velha demais para ter filhos", continuava a médica, ao referir-se à idade de Cecília — 41 anos à época.
"Quando ouvi as palavras da médica, eu me desesperei", conta a ajudante geral, que já havia dado à luz a outros oito filhos. "Há quatro anos perdi minha menina e meu outro menino desapareceu no mar há três anos. Não seria capaz de suportar a perda de mais um filho", desabafa, lembrando que a médica chegou a sugerir que ela e o marido "se capassem" ao saber que aquele seria o nono filho do casal.
Nesse momento, Cecília desatou a chorar.
Como a porta do consultório estava aberta no momento das agressões, outras pessoas presentes ouviram os insultos da médica. E ofereceram-se como testemunhas. Cecília conta ainda que ela e o filho procuraram a direção do PS do Jardim Quietude, mas não encontraram amparo. Por conta do tumulto que se iniciou no local, a Polícia Militar foi acionada e registrou um boletim de ocorrência que consta do processo.
A advogada Alessandra Katucha Galli relata que, na primeira instância, o município foi condenado ao pagamento de indenização por danos morais em R$ 10 mil. "O juiz considerou válidos os diversos informes documentais e testemunhais a indicar claramente a ocorrência dos fatos e as lesões emocionais suportadas pelos meus clientes."
O município, por sua vez, apelou da decisão alegando que na ficha do atendimento médico prestado ficou consignado que o acompanhante da paciente estava agressivo e ofendeu a médica verbalmente após os autores terem sido orientados sobre os riscos de gestação aos 41 anos.
Porém, o relator do recurso, desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, afirmou que os documentos apresentados nos autos — provas testemunhais e boletim de ocorrência — comprovaram as agressões verbais. "Assim, bem configurada a má prestação do serviço, a justificar a responsabilização, sendo presumido o dano moral decorrente das ofensas verbais, com o constrangimento causados por injusta agressão", descreveu.
Aguilar Cortez destacou, também, que o artigo 37, § 6º da Constituição Federal "responsabiliza os entes públicos pelos danos gerados pelos agentes públicos a eles vinculados".
"Diante do dano e nexo causal entre a conduta do agente público e o dano suportado pelos autores, inegável a responsabilidade e correspondente dever de indenizar/compensar, o que implica na manutenção da condenação do Município", concluiu.
O que fazer em casos assim
Cecília, já com o filho Luiz Miguel nos braços, um saudável menino de dois anos de idade, não gosta nem de lembrar o que aconteceu. Ela ainda chora toda vez que a fazem recontar a história.
"Tudo o que ela me disse, que o Luiz Miguel ia nascer 'mongolóide', tudo isso me deixou muito mal. Eu já tive um dos meus filhos que requer atenção especial. Como poderia cuidar de mais uma criança especial? Não desejo isso para ninguém. Pensei várias vezes em suicídio. Só não fiz por causa do apoio da minha família. Nós somos seres humanos, não temos que ser tratados como animais. Não sou bicho para ser capada."
Alessandra Katucha Galli, a advogada, disse para Universa que casos como o de Cecília, de maus tratos por parte de atendentes do serviço público, são muito comuns. E que, muitas vezes, as pessoas agredidas são muito humildes e desconhecem seus direitos e o que podem fazer para se proteger.
"Se um dia você se ver numa situação como a da minha cliente, a primeira coisa a fazer é pegar os contatos de testemunhas que tenham presenciado a agressão — nome, telefone, RG, e-mail, endereço. A segunda coisa é registrar um Boletim de Ocorrência junto à polícia. E o terceiro passo é procurar um advogado. Se houver oportunidade de gravar tudo em vídeo com o celular, melhor ainda. Atualmente, doutrina e jurisprudência autorizam a gravação dos fatos se quem efetua as gravações for uma das partes envolvidas", listou.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura da Praia Grande disse em nota que ainda não foi notificada oficialmente a respeito da decisão. "Desta forma, a cidade aguarda essa comunicação para avaliar as próximas medidas que serão tomadas."
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