Hospitais vão notificar violência doméstica; especialistas avaliam medida
O Ministério da Saúde publicou portaria no último dia 19 em que dá orientações para a notificação compulsória à polícia nos casos de violência contra a mulher atendidos em serviços de saúde públicos e privados. Segundo a pasta, as diretrizes são fundamentais para a organização dos serviços de saúde "visando garantir o acesso das vítimas às medidas de prevenção da violência em tempo oportuno e com resolutividade".
No ano passado, entrou em vigor a lei em que os casos de violência contra a mulher devem ser notificados em até 24 horas à autoridade policial. A medida, porém, provocou discussões. De um lado, congressistas defenderam que a medida tornaria mais eficiente o combate à violência doméstica. De outro, grupos de defesa dos direitos da mulher avaliaram que o projeto deixaria a vítima ainda mais exposta a riscos.
A portaria publicada neste mês detalha como será feita a notificação, e entre as normas estabelecidas, a comunicação de crime não deve conter dados que identifiquem a vítima e o profissional de saúde que enviar as informações. Desse documento deve constar, entre outros dados, o município e idade da vítima; raça/cor, bairro onde mora (para municípios com população acima de 100 mil habitantes) e local de ocorrência da violência.
O objetivo da portaria, explica o Ministério através de nota enviada a Universa, é criar dados para apoiar políticas de enfrentamento à violência contra a mulher.
"Com as notificações realizadas resguardando o sigilo da vítima e do notificador, e em casos excepcionais, com o consentimento da vítima, espera-se que não sejam produzidas barreiras para o acesso aos serviços de saúde, uma vez que ficam preservadas a segurança da vítima e do profissional em atendimento. Desta forma, ficam garantidos o atendimento à saúde da mulher, bem como, mecanismos legais de enfrentamento à violência contra a mulher", diz a nota.
Avaliação de especialistas
Especialistas em saúde e em segurança avaliam o impacto da portaria. Para a coordenadora científica de obstetrícia da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), Silvana Maria Quintana, os serviços de saúde já notificam casos de violência contra a mulher para o Sistema de Vigilância de Violência Interpessoal e Autoprovocada, ligado ao Sistema de Informações de Agravos e Informações, do Ministério da Saúde. São esses dados que embasam pesquisas e dados sobre o tema.
"No meu entendimento, a portaria me parece razoável porque preserva a equipe de saúde e a paciente. Mas se o foco é identificar e prender, precisamos melhorar o sistema de identificação. Se não vai ter nome da vítima nem do suspeito, e já enviamos notificação para a Vigilância, não acho que isso agrega", diz ela.
Silvana pondera ainda que o ato de enviar essas informações à polícia pode afastar a vítima do serviço de saúde. "Ainda hoje muitas pacientes não denunciam por medo, vergonha, e o agressor na sua maioria é conhecido. Se na prática essas mulheres começarem a perceber que os casos serão denunciados, mesmo sem identificação, elas se afastarão do serviço de saúde, e isso é ruim porque elas precisam dessa primeira assistência para a redução de danos como não engravidar nem contrair ISTs. Tomara que eu esteja enganada", diz.
Para a presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, Raquel Kobashi Gallinati, "sem identificação da vítima fica inviável para a polícia prevenir crimes".
"A identificação da vítima é fundamental para que o delegado de polícia possa iniciar a investigação e adotar inclusive medidas protetivas de urgência, se forem necessárias. Sem isso, fica inviável impedir que aquela agressão evolua para um feminicídio. Então essa notificação passa a ser somente um controle estatístico dos casos de violência doméstica", avalia.
Vítima pode ser identificada em casos excepcionais
Mas o documento também traz a possibilidade de identificação, se assim a vítima quiser, e em caráter excepcional, quando há risco à comunidade ou à mulher, e esse critério fica a cargo da autoridade da saúde.
Só que a delegada também enxerga a medida com preocupação. Primeiro porque, na avaliação dela, a mulher pode deixar de buscar o atendimento justamente para que o caso não entre na esfera policial. Ela argumenta que não cabe ao funcionário da saúde analisar se a vítima corre ou não risco. "Essa avaliação é do delegado de polícia. O agente da saúde não tem a formação necessária para caracterizar se um caso configura ou não crime grave."
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