Grupo ocupa casa abandonada em SP para ajudar mulheres vítimas de violência
Em três anos, entre 2016 e 2019, os casos de violência doméstica aumentaram 64% na cidade de São Paulo. Segundo a pesquisa Mapa da Desigualdade, divulgada no final de 2020 pela ONG Rede Nossa SP, os bairros do centro da capital paulista apresentam o maior número de registros.
Foi no centro de São Paulo que o Movimento de Mulheres Olga Benário, grupo que atua há dez anos prestando auxílio a trabalhadoras de classes mais vulneráveis, decidiu ocupar um imóvel abandonado para criar um centro de referência para receber vítimas de violência doméstica. "Estamos cumprindo um papel que o estado deveria cumprir, mas não o faz", afirma a coordenadora do movimento, a economista Rafaela Carvalho, 31.
A casa foi ocupada na madrugada de quarta-feira (27), e já há 50 mulheres dedicadas agora, a limpar o local e deixá-lo pronto para receber vítimas que precisem de ajuda. A ideia é começar a funcionar na segunda-feira (1º), já com o nome de Casa de Referência da Mulher Laudelina de Campos Melo. A reportagem não localizou o proprietário do imóvel, que fica na rua Padre Vieira, no Canindé.
"Já temos experiência com centros de referência, sempre em casas ocupadas. Criamos unidades em Belo Horizonte, Porto Alegre e Mauá, na região metropolitana de São Paulo. E víamos a necessidade de realizar esse trabalho na região central", diz Rafaela.
Ela conta que o grupo, que também ajuda mulheres com questões que vão de busca por emprego a vagas em creches, sempre recebe demandas relacionadas à violência doméstica.
"O problema fundamental é que uma vítima não tem para onde ir. Existem casas-abrigo e outros serviços públicos, mas não são suficientes. Além disso, em muitos deles é obrigatório que ela apresente boletim de ocorrência, e nem sempre a mulher vai a uma delegacia antes. Vemos que depende muito da profissional que as recebe", explica.
Batida policial e ameaça de "porrada"
Rafaela conta que, após a ocupação, a polícia foi até o local para fazer um boletim de ocorrência ontem, o que, segundo ela, costuma acontecer nas ocupações.
"Mais tarde, vieram três homens que se reivindicaram donos do imóvel, querendo bater nas meninas que estavam na porta. Quando viram que tinha muito mais gente, recuaram, disseram que iam chamar a polícia e que íamos 'sair na porrada'", conta. Estar sempre em um grupo grande é uma das medidas de proteção das voluntárias.
Fora as ameaças, diz que a recepção dos vizinhos tem sido a melhor possível. "Já doaram alimentos, água, produtos de limpeza. A comunidade no entorno tem dado apoio."
Pandemia reforçou necessidade de ajudar mulheres
A preocupação com a quarentena e o fato de que a convivência com o agressor pode agravar o risco de violência às mulheres foram os pontos fundamentais para que o grupo decidisse ocupar a casa e criar agora um espaço de ajuda.
"Passávamos sempre na frente desse imóvel, víamos que estava parado. Quando tivemos a ideia de abrir um novo centro, pensamos nele. Na região há muita mulher precisando de auxílio para pouco serviço disponível. Fomos pesquisar e vimos que estava abandonado havia mais de 20 anos e que acumula muitas dívidas", conta Rafaela.
"Se um imóvel parado há tanto tempo, com tanta dívida, que não cumpre sua função social, porque não pode ser lugar para atender mulheres, cumprindo um papel do estado?", diz.
Os serviços oferecidos na casa serão feitos pelas mulheres do grupo, todas voluntárias, que incluem psicólogas, advogadas e assistentes sociais. Também haverá atividades culturais, rodas de conversa, espaços de formação e oficinas de arte. "Fazemos um trabalho para mostrar que a culpa pela violência não é dela", diz.
O nome da casa homenageia Laudelina de Campos Melo (1904-1991), fundadora do primeiro sindicato de empregadas domésticas do Brasil, em 1936. Mineira, foi defensora dos direitos das mulheres, militante do movimento negro e filiada ao PCB (Partido Comunista Brasileiro).
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