"Retomada de mulher ao trabalho vai custar anos", diz executiva do LinkedIn
Quase um ano depois do início da pandemia de coronavírus no Brasil, os efeitos sobre a vida profissional das mulheres é bem visível: no terceiro trimestre de 2020, a taxa de participação feminina na força de trabalho ficou em 45,8%, segundo pesquisa do Pnad, do IBGE, o que representa uma queda de 14% em relação ao mesmo período em 2019. Em números absolutos, são 8,5 milhões de mulheres que deixaram o mercado de trabalho.
Diante das incertezas sobre a recuperação do emprego, uma pesquisa feita pelo LinkedIn pode ajudar a fazer projeções de como será a vida profissional dos brasileiros, especialmente, das mulheres neste ano. Segundo o relatório, as áreas de saúde e as relacionadas ao ambiente digital terão mais abertura de vagas — mas, enquanto na primeira, a participação feminina é majoritária (84% dos cargos relacionados à saúde mental foram preenchidos por mulheres em 2020), na segunda, há ainda estereótipos de gênero que afastam as candidatas desse perfil de ocupação.
Universa conversou com a executiva de Soluções de Talentos no LinkedIn Brasil, Ana Claudia Plihal, para analisar esses e outros reflexos da pandemia na vida profissional das mulheres. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
UNIVERSA: Como a pandemia agravou a desigualdade de gênero no mercado de trabalho?
ANA CLAUDIA PLIHAL: Infelizmente houve queda na participação da mulher no mercado de trabalho. E isso é reflexo de uma questão histórica. Na hora que uma família com filhos pequenos não tem o apoio da creche ou da escola, tem que se fazer a escolha de quem vai cuidar deles, e acaba sendo a mulher. O que me preocupa em relação ao futuro é o regresso dessa mulher no trabalho. A retomada vai custar alguns anos.
A pesquisa feita pelo LinkedIn aponta como tendência para 2021 uma ampliação de oportunidade nas áreas de saúde e relacionadas à internet, como especialista em marketing digital. Quais absorvem mais mão de obra feminina?
A pior porcentagem de participação das mulheres é na função de desenvolvedor web; 92% das contratações são de homens. As carreiras voltadas a exatas são desestimuladas para meninas. O discurso sobre isso ficou mais forte e mais consciente agora, onde não tem isso de coisa para menino e para menina.
Mas tenho minha experiência pessoal. Me formei em engenharia da computação em uma geração que não era muito comum ter mulheres. Sou privilegiada, porque tenho duas irmãs e a comparação era só entre mulheres, além de meu pai incentivar muito a gente. Digo que caí na área porque ninguém disse que eu não podia. Mas temos essa deficiência na área de tecnologia e não é um cenário só da pandemia.
Já quando falamos da área que mais contratou mulheres, a da psicologia clínica e a voltada à saúde, tem mais oferta. E as empresas têm mais consciência de que se precisa equilibrar a participação de homens e mulheres no quadro de funcionários.
O que falta para quebrar estereótipos de gênero relacionados a essas ocupações?
Já vejo um movimento de quebra. Antes da pandemia, a gente já trabalhava nisso. Fizemos um estudo em 2018 no LinkedIn sobre comportamento de gênero, analisando milhões de contratações, e o que chamou atenção era que os perfis femininos têm 13% menos propensão de serem abertos pelos recrutadores; abrem mais perfis masculinos. E 73% dos recrutadores eram mulheres. Ou seja, mulheres que não abrem o perfil de mulheres. Foi um susto. Mas isso é o inconsciente, que faz com que a gente perpetue estereótipos no mercado de trabalho. Fazer esses estudos é legal porque questionamos as empresas, e o movimento de reação é muito rápido.
Vemos durante a pandemia que as mulheres têm papel fundamental na área de saúde. Elas são pouco valorizadas?
Se depois de passar por essa pandemia, o mundo continuar o mesmo, vai ser uma decepção muito grande. Porque a valorização da enfermeira, da médica, dos profissionais de saúde extrapola a questão de empatia.
Além disso, começamos a dar valor a outras tarefas que as mulheres desempenhavam. Quantos homens tiveram o impacto de cuidar de filho, fazer comida, comprar comida, coisas que não faziam antes? Isso pode ter acontecido em qualquer domicílio brasileiro.
Fora a questão da empatia com aquela mulher que está fazendo home office, com filho de 2 anos, que a criança berra. Ou que tem pais com idade avançada e precisou cuidar deles. Na minha experiência do dia a dia, percebi que as empresas que retomaram mais rápido os resultados foram as que tinham gerências mais empáticas, humanas, direcionadas a essa realidade.
É possível prever como será a carreira das mulheres que são mães e principalmente, mães solo, em 2021? As empresas estão aprendendo a ter mais acolhimento?
As empresas estão sendo mais flexíveis, a oferta de trabalho remoto neste período aumentou 20%. Não posso dizer que os postos vão ser 100% remotos, mas terá outro modelo, certamente. Porque tiveram benefícios para os dois lados, e isso faz parte da transformação digital das empresas, que foram empurradas para isso. O maior bloqueio em relação a isso, que era a mentalidade da gestão sobre o tema, se quebrou. Ainda se tem o benefício de poder ampliar as opções de profissionais, de diversidade. Uma empresa não precisa só procurar talentos em São Paulo, pode considerar cidades do interior, por exemplo.
Se fala muito em ampliar a diversidade nas empresas, mas elas estão realmente repensando as contratações femininas?
Sim, desde agosto de 2020, 90% das reuniões que faço para lideranças é para falar de diversidade. Tivemos ainda o movimento da Magazine Luiza [com a oferta de trainee exclusiva para pessoas negras], da XP Investimentos, que está trabalhando a questão de gênero. Isso tem um efeito colateral: até os próprios funcionários passam a exigir de outras empresas o posicionamento delas em relação à diversidade.
Mesmo falando tanto sobre isso, ainda temos apenas 16% dos cargos de liderança ocupados por negros. A porcentagem cai para 8% no caso de mulheres negras. O que falta para mais equidade de raça e gênero?
Não é só ter vontade de ter equidade. Infelizmente, as mulheres negras não foram privilegiadas para se desenvolverem profissionalmente. O que existe são investimentos para que em três, cinco anos, haja essa oferta de profissionais e que ela seja legítima. Há o reconhecimento de que existe uma lacuna e uma vontade de que a recuperação seja mais acelerada. É preciso fazer um esforço grande para isso, com programas específicos voltados para mulheres negras que garantam que elas tenham apoio. As empresas estão dispostas a isso, mas não que tenham encontrado a fórmula.
A conversa sobre gênero já é mais madura; a de gênero e raça, nem tanto. Mas o que percebo é que as grandes corporações se movem mais devagar, startups que já querem começar certas. E não só para ficar bonitas na foto, mas para ter mudanças reais.
Tivemos alguns casos de assédio no ambiente de trabalho expostos e, 2020. O que acha que aprendemos com eles?
Em 2016, em um relatório do LinkedIn, os candidatos diziam que um dos elementos diferenciais na contratação era a empresa ter uma política anti-assédio. A busca por um ambiente seguro onde a mulher possa provar o valor profissional sem correr o risco de viver uma violência que a atinge exclusivamente não é de hoje. Quando fizemos esse estudo e levamos para o mercado corporativo que 50% das mulheres já passaram por um caso, a questão ganhou voz. A liderança masculina ouve sobre isso e se assusta. Porque não dá para acreditar que a outra metade esteja apenas em uma empresa, que não tenha casos lá.
As empresas estão mais conscientes das próprias responsabilidades nestes casos?
Tem um impacto na marca, no nome da empresa, e se sabe que uma situação específica pode arranhá-lo. Há essa consciência de que se tem um papel ali, porque, no passado, a culpa era da mulher. Falavam 'porque ela ficou mais tarde no escritório', 'porque usou roupa curta'. Ou então se dizia que o homem é que não sabia se comportar. É a personificação do problema.
As empresas saíram da postura acusativa para a educativa, corporações sabem que a responsabilidade é dizer o que pode e o que não pode. E é claro que é importante ter canais de denúncia, mas o objetivo é não ter que usá-los, que eles não existam mais. Quando fizemos o estudo sobre assédio, chamou atenção que as mulheres entendem o assédio como o cara agarrar; mas é preciso ver todas as nuances, comentários, violências que são consideradas pequenas, mas que impedem seu crescimento na empresa.
Ainda sofremos com síndrome da impostora, como medo de se candidatar a vagas de destaque. O que você recomenda para superar?
O primeiro passo é entender que a síndrome de imposta existe e, na hora que tiver comportamento de autossabotagem, se fortalecer. Eu já me perguntei: "Será que faço esse comentário na reunião?". Se fosse um homem, já teria feito. No cenário da pandemia, é se perguntar como trabalhar com um olhar menos crítico sobre si mesma, se desenvolvendo e se lançando muito mais. Na ferramenta de pedido de referências do LinkedIn, 60% dos que chegam para mim são feitos por homens. As mulheres me procuram falando que pensaram muito sobre pedir essa recomendação. Isso é reflexo da nossa autocrítica. Mas acho que as mulheres estão explorando mais o tema, e somos nós que vamos mudar isso.
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