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Homem registrou sumiço da mulher, mas acabou preso suspeito de feminicídio

Ana Márcia Santiago desapareceu em 2 de novembro - Arquivo Pessoal
Ana Márcia Santiago desapareceu em 2 de novembro Imagem: Arquivo Pessoal

Abinoan Santiago

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

23/02/2021 16h52

A Polícia Civil de Minas Gerais concluiu hoje o inquérito do desaparecimento da frentista Ana Márcia Gomes Santiago, de 41 anos. Ela sumiu em 2 de novembro de 2020, em Belo Horizonte, segundo o Boletim de Ocorrência registrado pelo marido, um motorista de aplicativo de 42 anos.

A investigação apontou que o companheiro mentiu ao procurar ajuda. Ele teria matado a própria esposa e arremessado o corpo em um rio.

O homem está preso suspeito de feminicídio desde 12 de fevereiro, após a Justiça expedir um mandado de prisão preventiva. Segundo a Polícia Civil, a versão apresentada no boletim de ocorrências pelo marido não se sustentou. Ele chegou a dar entrevistas à imprensa dias após o sumiço da mulher, lamentando a falta de notícias da companheira.

"Fui à padaria, comprei o pão e retornei para casa. Me despedi e ela não disse que iria sair para lugar nenhum", afirmou o homem, em uma entrevista sobre o caso à RecordTV Minas, em 13 de novembro.

A investigação considerava ele como eventual autor do crime desde o início do inquérito por causa do relacionamento conturbado de nove anos. Ambos tinham uma filha de 8 anos que estava na casa da avó materna no momento do crime.

A Polícia Civil descobriu a farsa do marido após o resultado da perícia realizada no quarto do casal, que morava no bairro Serrano, em Belo Horizonte. Os exames apontaram vestígios de sangue com data compatível ao desaparecimento da frentista.

O suspeito procurou a Divisão de Referência da Pessoa Desaparecida (DRPD) para registrar o fato em 4 de novembro, mas o inquérito aponta que Ana Márcia morreu dois dias antes. A principal suspeita de motivação aponta para ciúmes por parte do marido.

Ao ser novamente interrogado depois da perícia, o homem caiu em contradição. De acordo com a Polícia Civil, ele disse que o casal discutiu e que Ana Márcia morreu ao cair e bater a cabeça ao chão. Desesperado, pegou o corpo, o transportou no porta-malas e o arremessou no rio Paraopeba.

A investigação acredita em morte violenta em razão da quantidade de sangue no quarto. A delegada-chefe da DRPD, Maria Alice Faria, afirmou que o suspeito alterou a cena do crime para despistar a investigação.

"Foi encontrado muito sangue no quarto onde Ana Márcia dormia e o local foi todo desfigurado, paredes raspadas, o chão muito lavado. Ele mesmo disse que lavou o chão com material abrasivo, que pudesse retirar qualquer vestígio, mas ainda assim foi possível a constatação de sangue nesse quarto", contou.

Polícia Civil divulgou nesta terça-feira (23) que concluiu inquérito do desaparecimento de Ana Márcia - Divulgação/Polícia Civil-MG - Divulgação/Polícia Civil-MG
Polícia Civil divulgou nesta terça-feira (23) que concluiu inquérito do desaparecimento de Ana Márcia
Imagem: Divulgação/Polícia Civil-MG

Marido se passou por esposa em contato com enteada

Depois de matar e ocultar o corpo, segundo a Polícia Civil, o homem se passou pela esposa em um contato realizado por mensagens de texto com a enteada, que não morava com o casal. A mensagem dizia que não era para ela preocupar porque estaria com uma amiga.

O conteúdo levantou a suspeita da filha sobre a possibilidade de que algo estaria errado no desaparecimento, pois as frases estavam com diversos erros de português — a mãe tinha gosto pela leitura. A reportagem de Universa entrou em contato com a filha da vítima pelas redes sociais, mas ela ainda não respondeu ao contato.

A frieza do suspeito após o crime chamou atenção dos investigadores. "Ele é muito dissimulado. Esteve na imprensa e chorou para jornalistas. Digo isso para você ter noção da dificuldade de arrancar algo de uma pessoa assim. Ele alega uma versão de que a morte aconteceu após uma discussão e que jogou o corpo no rio. Apenas isso", disse subinspetor da DRPD, Fabiano Assis.

O inquérito denunciou o homem pelos crimes de feminicídio, ocultação de cadáver e fraude processual. Ele ainda não constituiu advogado.

As buscas pelo cadáver de Ana Márcia continuam pelos bombeiros no limite entre os municípios de Betim e Juatuba, perímetro onde o corpo teria sido arremessado.

Feminicídio

O feminicídio é o assassinato de uma mulher pelo fato de ela ser mulher. É um crime motivado por ódio, desprezo ou sentimento de perda do controle e da "posse" que o agressor acredita ter sob a vítima.

Nem todo assassinato de mulher é um feminicídio, pois há aqueles que acontecem durante um assalto, por exemplo. Por isso, quando se destaca um feminicídio não é o fato apenas de uma mulher ter sido assassinada, mas sim nas circunstâncias descritas no Código Penal. A pena para feminicídio é maior, de 12 a 30 anos de prisão para o autor, como nos homicídios qualificados. Nos casos de homicídio simples a pena é de seis a 20 anos de prisão.

Geralmente, a mulher perde a vida em uma situação de violência doméstica, mas o crime também pode acontecer em espaços públicos. Esta definição consta na Lei do Feminicídio, sancionada em 2015, que passou a determinar a pena específica para esse crime.

Em 2019, foram registrados 1.326 casos de feminicídio no Brasil, e em 90% desses homicídios o autor foi um companheiro ou ex-companheiro da vítima. E quase 60% de todos esses crimes aconteceram dentro de casa. No primeiro semestre de 2020, o número de feminicídios chegou a 648, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Como denunciar

Já sofreu uma agressão e quer denunciar? Registre um Boletim de Ocorrência por violência doméstica em qualquer delegacia. Se puder, procure uma delegacia da mulher, especializada neste tipo de caso.

Conhece uma mulher em situação de perigo? Ligue para 180. O canal do governo federal funciona 24 horas, incluindo sábados, domingos e feriados. A ligação é anônima e a central dá orientações jurídicas, psicológicas e encaminha o pedido de investigação a órgãos de defesa à mulher, como o Ministério Público.

Em casos de emergência, é possível telefonar para 190 e acionar a polícia.