Sem abraços e estrutura de limpeza: professoras falam sobre volta às aulas
Professora do ensino infantil há 19 anos, Vanusa Maganha, 40, sabe que olhar a carinha de seus alunos é algo que faz parte do processo de aprendizado. Essa cumplicidade no olhar a ajuda a entender se suas mensagens estão sendo captadas e também a decifrar, por exemplo, as possíveis dificuldades que as crianças estejam tendo.
Mesmo com o retorno das aulas presenciais, ela ainda não vê os rostinhos de metade da sua turma do 3º ano do ensino fundamental 1 do colégio Anglo Chácara Santo Antônio, em São Paulo, que continua tendo aulas online —já que há um revezamento de crianças em sala por causa do distanciamento social. Ela também sente falta dos abraços dos alunos e fica com o coração partido ao vê-los no recreio sem poder interagir.
"Hoje posso dizer que carrego essa experiência de interrupção brusca de uma rotina que vinha sendo construída com a turma. Antes da pandemia, a gente vivia no paraíso", diz Vanusa.
Para saber como está sendo o retorno às salas de aulas após quase um ano, Universa conversou com quatro professoras que contam suas vivências da pandemia e como estão se virando para seguir exercendo o ofício.
"No início foi punk, deu insegurança"
"A criança tem necessidade das experiências. Ano passado, não retomamos as aulas presenciais nem com pouca gente. O resultado foi o melhor que pude oferecer, mas não dá para fazer tudo online. Fizemos somente encontros para recreação e atividades extracurriculares que funcionaram como um rito de passagem, de encerramento do ano. Agora o ensino retornou de maneira híbrida. Estamos fazendo revezamento com os alunos em sala de aula, mas os pais de quatro deles resolveram continuar somente com o ensino remoto.
No primeiro dia de retorno, passei pelo portão e foi uma alegria a volta, marcante. Pisei na escola e agradeci por estar de volta, por estar todo mundo com saúde. Depois pensei 'e agora?'. Veio aquela insegurança de como seria a aula presencial com apenas metade da sala ali. Foi punk, depois as coisas se ajeitaram e pegamos o jeito.
Para mim e para meus alunos, está sendo uma adaptação. Não tem interação, não tem brinquedo. Ficamos sem ver o rosto das crianças por causa da máscara. O corpo fala, mas a expressão facial é algo de grande importância no processo de educação. Não tem abraço, no recreio eles não podem conversar.
Sou professora há 19 anos e nunca tinha passado por uma situação dessas. Hoje posso dizer que carrego essa experiência de interrupção brusca de uma rotina que vinha sendo construída com a turma. Antes da pandemia, a gente vivia no paraíso." - Vanusa Maganha, professora do colégio Anglo Chácara Santo Antônio, de São Paulo, SP
"Aderi à greve e só volto vacinada"
"As aulas nas escolas estaduais do Rio de Janeiro estão previstas para começar em março, de maneira online, por meio de um aplicativo, e não há cobrança para o retorno da presencial. Quem não puder estudar de maneira remota, consegue retirar o material impresso na escola. Esta opção deverá ser a mais usada pelos meus alunos, a maioria deles da comunidade, para quem ter computador é um luxo.
No ano passado, durante as aulas online, só consegui engajamento, porque, por minha própria conta, decidi manter uma relação com meus alunos via WhatsApp. Em casa, eu preparava a aula um dia antes para revezar o computador com meu filho adolescente e postava tudo no dispositivo fornecido. No resto do dia, eu tirava as dúvidas pelo celular.
Eu aderi à Greve pela Vida e a escola está avisada que só volto depois de ser vacinada. É muito perigoso para nós e para os alunos, usamos transporte público. Se voltarmos e perdermos um professor, um aluno, será uma tragédia. Optei também por não mandar meu filho para a escola. Tenho muito medo, não sei se é um medo racional ou exagerado, mas prefiro não arriscar." - Liliane Marques de Oliveira, professora do 1º e 2º ano do ensino médio do colégio estadual Professor Murilo Braga, São João de Meriti, RJ
"As crianças querem abraçar os amiguinhos e a gente"
"Sou professora de horticultura em um colégio montessoriano. As aulas voltaram de maneira presencial em outubro do ano passado. Dar esse tipo de aula ser ter a terra para mexer, para compartilhar as experiências, é bem complicado. Fui pesquisando coisas diferentes, de outros países como a Austrália, e achei muita coisa legal. Nem todo mundo tem terra por perto e fica difícil manuseá-la ao lado do computador, então ensinei a plantar no algodão, na água, no papel...
Como trabalho o tempo todo ao ar livre foi muito complicado não ter esse espaço, ainda mais porque eu morava em um apartamento — acabei me mudando na pandemia para um lugar em que eu pudesse trabalhar com horta e ensinar melhor.
Na volta à escola, tivemos 35% dos alunos presenciais. Agora, estamos com muito mais. Nós, professores, questionamos [a direção] se não estava um número muito alto de alunos nas salas, e colocaram mais turmas para dividi-los. Para as aulas eu uso um face shield, máscara e agora as crianças passaram a ter um pedacinho de terra delimitado para cada uma delas. As aulas são em um local aberto e bem ventilado.
As crianças pequenas, de 4 anos, chegaram querendo muito abraçar os amiguinhos e a gente. Às vezes vem um abraçar a minha barriga, o avental. Não tem mais pazinha para compartilhar, nenhum material desses, no máximo palitinhos que dão para descartar.
No retorno neste início do ano, fiquei mais receosa, pois não fizemos os testes para Covid novamente. O ideal seria fazer testagens periódicas. Também me preocupa quando algum aluno conta que viajou. Tento me proteger ao máximo, mas sempre bate uma insegurança.
Tenho que pensar que estamos fazendo o possível para ir tudo bem e que as crianças precisam desse contato, sentem muita falta. Os alunos falam que não aguentavam mais o computador. No começo todo mundo estava mais apreensivo, agora estamos relaxando aos poucos. A gente vai se cuidando e tocando a vida, pois tem que trabalhar." - Isabela Morosini, 49, professora do Colégio Moraes Rêgo, de Brasília, DF
"Falta funcionários e limpeza; trabalho com medo"
"Nosso trabalho desde o início da pandemia foi difícil, pois só ficávamos sabendo das decisões [sobre as aulas] pelos decretos, pela televisão. Até hoje continua assim.
Armamos um dia de acolhimento para as famílias, na área externa, para informar sobre os protocolos de prevenção à Covid e contar como estávamos trabalhando. Explicamos que para fazer tudo o que era recomendado precisaríamos de mais funcionários e que aquilo não era possível. Alguns querem mandar as crianças para a escola, outros não. Quem não quiser, há aula online com orientações das atividades para fazer com a criança em casa. Quem não puder tiver acesso à internet tem a opção de ir à escola retirar o material.
No primeiro dia de aula foram duas crianças na minha sala e três na da outra professora do jardim. A gente juntou as duas para ter um número maior, pois apesar de não poder ter interação, ela é fundamental para o ensino.
O que mais me deixa insegura é a questão do número de alunos, que deve aumentar nas próximas semanas. Temos uma equipe com três funcionários de limpeza para o dia todo e a escola é grande.
São nove salas, refeitório e cinco banheiros. Entre as trocas de turno, eles precisam higienizar a sala toda, os corrimãos, os banheiros, e isso não está acontecendo.
Fora isso, as salas não têm janelas amplas, só vitrôs. Nas salas de estudos dos professores fica todo mundo bem perto. Estou fazendo meu trabalho, mas com medo." - R.R., 41, professora de uma Emei (Escola Municipal de Educação Infantil) da zona sul de São Paulo
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