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Casa, Caetano e Chico: o que os sonhos das mulheres revelaram na pandemia

Capa do álbum "Chico Buarque de Hollanda", de 1996, em versão meme das redes sociais. - Reprodução
Capa do álbum "Chico Buarque de Hollanda", de 1996, em versão meme das redes sociais. Imagem: Reprodução

Diana Cortez

Colaboração para Universa

08/03/2021 04h00

Uma compilação de sonhos de mulheres brasileiras durante a pandemia revelou que, a grande maioria deles, refletiu desejos e conflitos sofridos por elas no dia a dia ao longo do isolamento social. E que, para a mulher, sonhar é uma maneira de criar e conquistar mais espaço dentro de uma sociedade em que predomina a desigualdade de gênero.

Isso porque a quarentena as colocou em uma posição muito dedicada à família, segundo Carla Rodrigues, professora de filosofia e pesquisadora de teoria feminista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que analisou o recorte sobre os sonhos femininos dentro do estudo "Sonhos em Tempos de Pandemia". Outras quatro universidades participaram desta pesquisa: USP (Universidade de São Paulo), UFRS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

O levantamento, que coletou espontaneamente cerca de 1.300 sonhos por meio de um formulário disponibilizado no perfil do Instagram @SonhosConfinados, contou com quase 80% de participação do público feminino. Os voluntários tinham a opção de deixar seus dados à disposição para que os psicanalistas pudessem entrar em contato e realizar uma análise clínica mais profunda dos elementos dessas imagens.

Para Rodrigues, a maior disposição das mulheres a falar sobre essas mensagens do inconsciente em comparação aos homens, vem da necessidade de ressignificarem seu espaço na sociedade.

Sonhos mais recorrentes: com a mãe e a casa

Na pandemia, as mulheres que trabalhavam fora de casa se viram de volta às atividades domésticas, que até então eram delegadas para outras pessoas. Outras precisaram assumir os cuidados com pessoas idosas e crianças pequenas.

Por isso, as palavras mais recorrentes recolhidas com a análise de seus sonhos foram "mãe" e "casa" — as mesmas que ficaram em destaque entre os homens.

De acordo com Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de psicologia da USP (Universidade de São Paulo), o elemento "mãe" no sonho denota a ideia de segurança, proteção, daquela que cuida. Mas, no contexto da pandemia, pode demonstrar a preocupação da matriarca em perigo por conta da idade e de que ela precisa ser cuidada para não ficar doente. "Representa ainda o amor, o sacrifício ou aquela que se sacrifica."

Já a palavra "casa" aparece diante da necessidade da população fazer o isolamento social em seus lares. Também é a busca por aquele lugar onde a gente se conforta. "Não é um lugar físico e definido, mas psíquico", acrescenta Dunker, que também é colunista do UOL.

Outras palavras recorrentes foram "amiga (o)" e "rua", que também refletem a situação que a pandemia nos colocou: "distante das amizades e limitados a ficar em casa, e mostra um forte desejo de voltar ao estado em que vivíamos anteriormente", diz Gilson Iannini, professor de psicanálise da UFMG, que também participou da pesquisa e coordenou o livro "Sonhos Confinados" (editora Autêntica), a ser lançado.

Dormindo ou acordada? Estresse provoca confusão

O estudo "Sonhos em Tempos de Pandemia" também verificou que, principalmente no início da pandemia, as pessoas sonharam mais e profundamente. Isso aconteceu pela maior disponibilidade de tempo proporcionado pelo isolamento social, mas também por conta da necessidade da mente reformular a nova realidade.

"A função psíquica do sonho foi convocada para nos ajudar a lidar com a mudança brutal de vida e a enfrentar traumas, luto e incertezas, que é um dos seus papéis", explica Dunker.

As imagens também traziam pontos de hipernitidez e eram tão bonitas que se confundiam com a realidade. Além disso, os sonhos se tornaram mais extensos, como verdadeiros filmes, características que, segundo o psicanalista, são comuns em situações traumáticas por conta de um forte desejo que se concretizassem.

Na análise geral, ainda foram recolhidas e encontradas recorrentes alusões a sonhos com perseguição e envenenamento, reflexo de como as pessoas perceberam a condução da pandemia pelos políticos do país.

Os sonhos pandêmicos também contaram com a participação de artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso, que se posicionam de forma crítica ao governo; nas imagens, eles apareciam como "protetores", criando uma afinidade com essas pessoas.