A cada 2 h, Brasil recebe uma denúncia de estupro de meninas até 14 anos
Em 2020, os canais oficiais Ligue 180 e Disque 100 receberam juntos 4.686 denúncias de estupro de meninas até 14 anos, segundo novo painel de dados lançado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no último domingo (7). Os números indicam que, considerando apenas o registro feito nesses canais, uma menina é violentada a cada duas horas no país. No total, foram 5.679 denúncias de estupro contra crianças e adolescentes até 14 anos em 2020. Algumas vítimas não tiveram o gênero revelado.
Os dados confirmam um cenário já visto em outras bases de dados, que trazem um número estarrecedor de meninas sendo violentadas de todas as formas no Brasil. Os meninos até 14 anos também foram vítimas deste crime, com 856 denúncias recebidas. Segundo a pasta, comandada pela ministra Damares Alves, todas as denúncias feitas nesses canais são encaminhadas às autoridades policiais para investigação.
Em nota, o Ministério diz que "os dados reforçam a necessidade primordial de absoluta prioridade e proteção integral de crianças e adolescentes brasileiras. Por isso, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos tem desenvolvido inúmeras ações para o enfrentamento do abuso e exploração sexual contra o público infanto-juvenil".
Na avaliação da juíza do Setor de Atendimento de Crimes da Violência Contra o Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de Tráfico Interno de Pessoas do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), Ana Carolina Della Latta Camargo Belmudes, os dados deixam muito claro a questão de cultura patriarcal, em que de um lado o corpo feminino é objetivado, e de outro lado, a masculinidade é imposta como um lugar de força, poder, de superioridade.
"A maioria [dos criminosos] nega [o estupro], e uma parte coloca como uma situação consensual, olham para a vítima como um objeto de desejo. Por vezes, se colocam até na posição de 'seduzido'", ela afirma.
"Mas minha percepção é que o número de meninas vítimas de abuso sexual é maior que o de meninos, principalmente na faixa etária acima dos 10 anos de idade, quando começam a entrar na puberdade. O agressor olha aquele corpo não mais como criança, mas uma menina grande. Nesses casos, a atração é pelo corpo feminino, o olhar não é para um corpo de criança."
Maioria das vítimas de estupro é criança
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado no ano passado com casos já registrados na polícia, mostra que das 66.123 ocorrências de violência sexual contabilizadas pelas secretarias de segurança dos Estados brasileiros entre 2018 e 2019, 70,5% foram estupros de vulnerável -quando a vítima é menor de 14 anos ou não consegue oferecer resistência ao ato, porque está alcoolizada ou por uma enfermidade, por exemplo.
E a faixa etária das vítimas de estupro e estupro de vulnerável indica que 57,9% delas tinham no máximo 13 anos. Ou seja: mais da metade das vítimas de estupro no país tem até 13 anos.
Em 2020, Universa revelou o caso de uma adolescente de 13 anos que foi estuprada dos nove aos 12 anos pelo próprio pai, na casa onde vivia com ele, a mãe e mais duas irmãs em Mombuca, a 136 quilômetros de São Paulo.
A vítima confirmou as agressões na delegacia, e seu depoimento ajudou a polícia de Capivari a prender o criminoso. Mas ao ser acolhida por um pastor evangélico, que atuava como Guarda Municipal, ela foi novamente estuprada. Sua mãe descobriu o crime e a menina confirmou.
Informação é prevenção
A juíza Ana Carolina Belmudes diz que levar informação às garotas auxilia no combate à violência: "A geração de meninas, adolescentes e jovens está mais informada. Atitudes que no passado eram suportadas pelas mulheres, hoje não são mais. Muitas meninas não ficam mais caladas diante de um abuso", indica.
"Precisamos olhar para a linguagem, a educação, precisamos olhar para as meninas e mulheres, mas também para os meninos de hoje, na esperança de que se tornem homens mais doces, mais respeitosos, só assim construiremos uma sociedade mais igualitária", diz.
No Manual Universa, há informações sobre serviços de denúncia e acolhimento à mulheres vítimas de violência
doméstica. Entre eles tem o Ligue 190, que é o número de emergência indicado para quem estiver presenciando uma situação de agressão.
Já o Ligue 180, canal criado para mulheres que estão passando por situações de violência, e que funciona em todo o país e também no exterior, 24 horas por dia. Também é possível acionar esse serviço pelo Whatsapp. Nesse caso, acesse o (61) 99656-5008. Por fim, o Disque 100 também funciona 24 ora por dia e recebe todo tipo de denúncia contra os direitos humanos.
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