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Pesquisadora usou Linkedin para mudar carreira e hoje trabalha com cannabis

Adriana Grosso - Arquivo pessoal
Adriana Grosso Imagem: Arquivo pessoal

Marcelle Souza

Colaboração para Universa

11/03/2021 04h00

Adriana Grosso, 54, já trabalhava com gestão e coordenação de estudos clínicos em um hospital de São Paulo quando começou a pesquisar e a escrever publicações sobre o uso da cannabis medicinal em seu perfil no LinkedIn. O ano era 2018, o setor ainda era novo no Brasil e ela viu na rede social uma forma de mostrar ao mercado que tinha capacidade e queria fazer uma mudança em sua carreira.

"Vi no LinkedIn uma possibilidade de network. Comecei então a me apresentar como pesquisadora e a mostrar o potencial da cannabis medicinal, escrevendo artigos e traduzindo estudos que eram publicados em revistas acadêmicas internacionais", diz.

Em outra frente, ela buscou pessoas que já estavam nessa área para saber como estava o mercado de trabalho e quais eram as possibilidades de crescimento no Brasil. "Tive um retorno bem positivo e, como estava com mais de 50, não era tão jovem, vi ali a oportunidade de começar uma nova carreira. Era algo que eu já estava pesquisando e vi que era possível me inserir", conta.

Para pesquisadora, o momento pessoal também parecia oportuno para uma mudança. "A minha filha já era adolescente e eu sentia uma liberdade maior para reprogramar a minha carreira."

Demonstrar interesse em mudar de carreira fez diferença

No LinkedIn, Adriana tentou mostrar que estava por dentro das últimas pesquisas sobre o tema e que tinha a capacidade de analisar e traduzir as novidades científicas para um público qualificado.

Além de trabalhar na gestão e na coordenação de pesquisas clínicas no Incor (Instituto do Coração), do Hospital das Clínicas em São Paulo, ela acumulava 20 anos como professora em cursos de graduação da área da saúde, como farmácia, medicina, enfermagem e fisioterapia.

A estratégia de se vender na rede social funcionou, e no fim de 2019 um dos supervisores da HempMeds, uma empresa que dá cursos e suporte em processos de autorização e importação de cannabis medicinal no Brasil, viu o perfil de Adriana na rede e a chamou para uma entrevista. A vaga era para ser MSL (Medical Science Liasion), uma espécie de consultora científica, que faz a ponte entre a indústria e profissionais de saúde.

"A nossa equipe trata diretamente com médicos e pacientes, levando informação de qualidade. Então temos um perfil bem técnico, com doutorado, porque precisamos entender de pesquisa científica", afirma.

A função pode ser exercida por médicos, biólogos, farmacêuticos, entre outros profissionais da saúde. Para ocupar o cargo é preciso entender como são feitos os estudos clínicos (aqueles realizados com seres humanos) na pesquisa com medicamentos. Por isso, uma das exigências é ter concluído ao menos um curso de mestrado na área da saúde.

Ela identificou oportunidade em um mercado em expansão

Produtos medicinais derivados da cannabis são usados para diminuir a incidência dos espasmos e melhorar a qualidade de vida das crianças com epilepsia grave. Eles também podem ser indicados para pacientes com dores crônicas e outras enfermidades graves, como câncer e fibromialgia.

Em 2014, a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) passou a autorizar a importação de remédios feitos a partir da matéria prima. Mas a pesquisa, a produção e a venda de remédios no país por parte da indústria farmacêutica, por sua vez, só foram regulamentadas pela agência em dezembro de 2019, embora as plantas ainda precisem ser trazidas do exterior.

As normativas e decisões judiciais fizeram o número de autorizações concedidas a pacientes para o uso da cannabis medicinal saltar de 850 em 2015 para 18.850 no ano passado, segundo o Ministério da Saúde. "Essa é uma área que tende a atrair mais profissionais da área acadêmica, e é uma opção bastante interessante para quem está começando, porque há um grande potencial de crescimento", diz a pesquisadora.

Desmistificar e combater o preconceito

O interesse de Adriana pelo tema começou em 2012, quando ela passou a observar o aumento das pesquisas médicas com derivados da planta. "Nesse momento, eu percebi que o potencial medicinal, vi que a ideia era boa e os resultados eram positivos, o que acabou aumentando o meu interesse pela área."

Ela tinha concluído o doutorado em cardiologia da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo e trabalhava no Incor, ligado à USP. Foi ali que ela teve contato com uma pesquisa com um medicamento para o tratamento da obesidade feito com o produto.

Desde que começou a pesquisar o assunto, Adriana disse que nunca teve problemas ao contar para amigos ou familiares que trabalhava com cannabis medicinal. "Hoje até brinco dizendo que tenho uma barraquinha de maconha no shopping", ri, ao se referir ao escritório da Hemp, que fica em um conjunto comercial de um shopping de São Paulo.

A maior barreira, diz, são os médicos, que respondem pela prescrição do medicamento. "Ainda existe uma ideia da cannabis ligada à maconha, algo que faz sentido, mas não é disso que estamos falando quando se trata da parte medicinal", diz. "E só dá para combater o preconceito com informação de qualidade, séria e precisa."