Pandemia agrava desemprego entre mulheres e aumenta desigualdade de gênero
A pandemia causou um strike nos empregos femininos, derrubando a participação de mulheres no mercado de trabalho a 45,8% no terceiro trimestre de 2020, o nível mais baixo desde 1990, segundo dados mais recentes divulgados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
"Além do diferencial histórico entre a empregabilidade de homens e mulheres, em que elas ficam sempre uns 20% abaixo deles, a pandemia afetou setores exercidos por mulheres, como os de serviços, alojamento e doméstico", explica Joana Costa, pesquisadora do Ipea e uma das responsáveis pelo estudo.
As categorias em que há mais mulheres trabalhando foram as que mais perderam população ocupada, indica Joana. Em alojamento e alimentação, categoria em que 58% dos profissionais são mulheres, a queda foi de 51%. Nos serviços domésticos, em que 86% dos profissionais ocupados são mulheres, a queda foi de 46%. Em educação, saúde e serviços sociais, a queda foi de 33% -áreas em que 76% dos profissionais são mulheres.
O fechamento de escolas e creches também afetou mais fortemente as mulheres. "Elas foram atingidas de forma diferenciada nessa crise devido à ausência de atividades escolares presenciais e ao aumento das atividades domésticas e de cuidado", avalia Joana.
Menos trabalho remunerado fora, mais trabalho doméstico em casa
Segundo a pesquisa do Datafolha "Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia", divulgada em agosto de 2020, 57% das mulheres que passaram a trabalhar remotamente disseram ter acumulado a maior parte dos cuidados domésticos.
Regina Madalozzo, 50, professora e coordenadora do núcleo Mulheres e Território do Insper, avalia que a pandemia agravou uma situação de desigualdade que já existia, mas era privada, cada mulher lidava com isso a seu modo, como a necessidade de conciliar vida pessoal e trabalho.
"Quanto menos renda e menos estudo, pior a situação de vulnerabilidade. Muitas mulheres estavam em serviços que não podem ser feitos remotamente, como manicures, domésticas, diaristas ou vendedoras", diz a professora. "Muitas passaram a costurar máscaras, cozinhar pra fora, como forma de obter renda."
Além de estarem em setores mais afetados, a histórica divisão desigual de serviços domésticos e cuidados com os filhos também aumentou a carga para as mulheres. Para Regina, a situação não deve melhorar antes que se caminhe mais para o fim da pandemia. "Abrir as escolas com 35% da capacidade, por exemplo, não resolve o problema de trabalho das mulheres", indica.
Universa revê duas mulheres que perderam emprego há um ano
A Pnad Contínua mostrou que 7 milhões de mulheres deixaram o mercado de trabalho na segunda quinzena de março de 2020, logo no começo da pandemia. Engrossando as estatísticas estava Janaina Barbara Moura Martins, 33, a Jane, moradora de Hortolândia, no interior de São Paulo.
Em março de 2020, em conversa com o Universa, Jane contou que havia sido demitida de uma fábrica de embalagens em Sumaré (SP). Mãe de duas crianças, de 7 e 3 anos, ela recebe pensão do pai do filho mais velho e mora de aluguel.
"Tenho esperança de ser contratada", diz Jane
"Tive ajuda dos colegas da igreja, de amigos, da família e recebi 3 parcelas do auxílio emergencial", revela. Desde abril de 2020, os filhos não tiveram mais aulas, tornando ainda mais difícil seu retorno ao mercado de trabalho. Mas em outubro ela conseguiu um emprego.
"Fizeram um contrato de três meses, renovaram por mais três, então até abril vou ficar. Tenho esperança de ser contratada, mas já falaram que é só temporário mesmo", diz Jane, que trabalha na faxina de um restaurante e pede para não ter seu sobrenome publicado. Ela paga uma pessoa para olhar seus filhos, que ainda não voltaram às aulas.
Ao comparar o terceiro trimestre de 2020 com o mesmo período de 2019, a queda na parcela de mulheres que estavam no mercado de trabalho foi de 7,5 pontos percentuais (de 53,3% para 45,8%). O retrocesso foi menor entre os homens, de 6,1 pontos percentuais (de 71,8% para 65,7%).
Na Pnad de novembro, que mostrava os cenários da pandemia, a taxa de desocupação entre as mulheres era de 17,2%, maior que a dos homens, de 11,9%. Além disso, 3,6% das mulheres ocupadas estavam afastadas de seu trabalho por causa do distanciamento social, enquanto para os homens esse percentual ficou em 1,7% em novembro. E o percentual de mulheres que trabalharam remotamente foi de 12,9%, quase o dobro do dos homens (6,5%).
"Depois de quase um ano, consegui o emprego de volta"
Lara, 36, trabalhava na logística de uma empresa que prestava serviços para uma montadora de carros, em Campinas (SP), quando foi demitida há quase um ano, com mais 30 pessoas, como contou a Universa na época. "Graças a Deus meu marido continuou trabalhando, então conseguimos nos manter. Em agosto, eu fui recontratada como temporária, voltei e agora fui efetivada."
Lara tem filhos de 11 e 4 anos e o tempo em que ficou em casa ajudou as crianças nas aulas online. Quando ela voltou ao mercado de trabalho dividiu os cuidados com o marido, que trabalha à noite. Lara tentou, mas não conseguiu receber o auxílio emergencial. "Foi negado, mas me sinto muito privilegiada de ter conseguido o emprego de volta", diz.
Do outro lado do balcão, a auxiliar de RH Lidiane Oliveira, 35, teve de dispensar boa parte do staff no restaurante onde trabalha, no Morumbi, em São Paulo. Em março de 2020, ela disse a Universa que o corte tinha chegado a 50 pessoas. "Acabou sendo uns 67 funcionários, ficamos em 15 no total", conta. A ideia era recontratar os demitidos, mas só um recuperou o posto.
"O restaurante se manteve com delivery, mas foi um ano bem difícil, assustador, com números muito negativos. Muitas lojas e restaurantes em volta faliram", constata Lidiane. Hoje a equipe está com 48 pessoas, mas a expectativa é de novas demissões.
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