Ela cuida dos voos que levam vacinas: "Quando alguém se imuniza, eu ajudei"
Quando o Brasil foi atingido pela pandemia provocada pelo novo coronavírus e precisou buscar na China insumos como máscaras e respiradores, ficou sob a responsabilidade da paulistana Fernanda Godoy o preparo das aeronaves para trazer o material para o Brasil e distribuí-lo aos estados. Agora, ela cuida de toda programação dos voos da Latam que transportam as vacinas pelo país. Até hoje, foram 40 voos coordenados por ela.
Fernanda, que entrou na Latam como estagiária em 2014, foi há pouco promovida para coordenadora de Revenue Management Brasil Doméstico, cargo responsável por cuidar da estratégia de preço dos produtos, e da oferta de voos para atender o mercado de cargas. Comandando uma equipe em que metade são mulheres, tenta incentivar mais vagas para elas. "Procuro acreditar em outras mulheres, trazer para perto e aconselhar, dar um direcionamento. É uma forma de ajudar quem está vindo depois de mim."
Abaixo ela explica a dinâmica do seu trabalho e mais.
UNIVERSA: Como funciona a dinâmica de transportar as vacinas?
Fernanda Godoy: Quando a gente recebe o pedido de transporte, observa a malha aérea, o número de caixas e de quanto espaço preciso no porão do avião. Eventualmente não conseguimos atender a uma demanda, porque não fazemos voo para o local ou não há conexão. E quando recebemos essa vacina, o time operacional toca todo escoamento.
É uma carga muito acompanhada, inclusive pela nossa equipe de segurança e pela Polícia Federal.
Você nunca passou por uma situação parecida como uma pandemia. Como se preparou?
O nosso treinamento foi em Guarulhos (SP), em algumas aeronaves. Pegávamos algumas caixas que a gente sabia que seriam parecidas com as que traríamos da China. Subia no avião e treinava. Colocamos a carga nos assentos, cronometramos [o tempo de carga e descarga], vimos como a caixa ia ficar melhor, e em paralelo passando pela aprovação da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Participei de dois voos para duas cidades na China. Foi uma experiência muito intensa, em que a gente teve que aprender com uma equipe enxuta, e com mão na massa.
Foi a maior responsabilidade da sua carreira?
Sim. Quando a gente tem que voar com essas vacinas é uma grande responsabilidade, e ao mesmo tempo é uma honra pensar que está fazendo parte de tudo isso, que a gente tem conseguido colaborar com esse transporte. Toda vez que vejo alguém se vacinando, penso que de alguma forma colaborei, fiz com que essa vacina chegasse em Recife, Salvador, Fortaleza, para as pessoas poderem se vacinar.
Além do desafio pessoal, o que representa em termos logísticos para a indústria da aviação?
Se não for o maior, é um dos maiores desafios, porque a gente teve que entender como ia funcionar, se adaptar. E não tem margem para erro. Tem que dar certo, então a gente tem um time 100% empenhado em fazer dar certo.
Você teve covid ou perdeu alguém para a doença?
Não tive, mas meu namorado recentemente perdeu uma tia muito próxima, é sempre um baque muito grande para a família. Por outro lado, o avô dele, de 84 anos, acabou de se vacinar, então é um alívio muito grande também.
Você é uma mulher jovem e ocupa cargo de alta responsabilidade. Sentiu preconceito?
Acho que não só na aviação como em qualquer lugar esse desafio existe para a mulher, por um fator histórico. Posso dizer que nunca me senti menosprezada, ninguém nunca desconfiou do meu potencial. Inclusive tive muitos chefes homens que muitas vezes me incentivaram e acreditaram em mim mais do que eu, e ter sido chamada para essa operação na China é prova disso. Foi até engraçado que num dos voos para a China um colega da equipe virou para mim e falou: "Nossa, você põe a mão na massa, né? Carregou caixa para caramba".
Você sente que as pessoas se assustam com uma mulher no comando?
Não sei se assusta, mas chama atenção [uma mulher no comando] porque não é o comum. Mas acho que cada vez mais a gente está ocupando nosso espaço, que no final das contas é onde a gente quiser.
A mulher, às vezes, tem que provar um pouquinho mais, insistir, ser um pouquinho mais dura, mas na hora que te enxergam e acreditam no seu potencial, as coisas ficam mais simples.
Como você chegou ao seu posto?
Entrei na Latam em 2014 por um programa de estágio, e como fazia faculdade no interior (Limeira, São Paulo) entrei pelo aeroporto de Viracopos, em Campinas. Em 2016 fui efetivada, e de lá para cá passei por diversas áreas, como comercial. Quando chegou a pandemia, eu estava como supervisora na área de operações de cargas. Começaram a falar em trazer as máscaras aqui para o Brasil, e a empresa entrou no processo de trazer o material. E fui convidada pelo meu gerente [para assumir o posto].
De que forma você inspira e ajuda outras mulheres a chegarem onde você está?
Sempre tentei ouvir as meninas e mulheres que estão ao meu lado, e plantar essa sementinha, falar coisas do tipo: "você consegue, você é capaz". Procuro estimular, acreditar em outras mulheres, trazer pra perto e aconselhar, dar um direcionamento. É uma forma de ajudar quem está vindo depois de mim. Hoje, na minha equipe de seis pessoas, três são mulheres.
Quais as mulheres te inspiraram?
Eu sempre tive exemplos de mulheres muito fortes como minha avó e minha mãe. Lembro que quando comecei a ter namoradinho, ela falou: "filha, nunca dependa de um homem, vá atrás das suas coisas". Então sempre fui muito estimulada, dentro do meu ambiente, a me impor. Hoje tenho um namorado que sempre me apoia e tem orgulho de mim. Então eu acho que é importante se cercar de pessoas que te colocam pra cima.
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