Loucas por gatos: como bichanos viraram antídoto para solidão no isolamento
Dormir com o gato ronronando, acordar com ele miando, ter os móveis arranhados e encontrar pelo em todo o canto da casa. Essas são experiências comuns para quem divide a vida com os felinos. Como você pode perceber, a repórter que assina essa reportagem também é gateira. Brigitte chegou na minha casa há dois anos e virou minha maior companheira — principalmente em tempos de pandemia, quando ver amigos humanos ficou bem mais difícil.
Universa ouviu outras três mulheres que, como eu, dividem a casa com os felinos - não foi difícil encontrá-las, já que, segundo uma pesquisa da Royal Canin, o número de gatos adotados durante a pandemia cresceu 30%. Até final do ano passado, o Brasil tinha 30 milhões de gatinhos vivendo em família —60% deles eram cuidados por mulheres, de acordo com a pesquisa Radar Pet, de 2020.
"Apesar dos perrengues, não imagino a vida sem meus gatos"
"Eu cresci com um pinscher que ganhei quando era criança, então estava acostumada a ter animais por perto. Quando fui morar sozinha, queria um bichinho, só que eu estudava, trabalhava, passava pouco tempo em casa. Por isso, meus amigos sugeriram que eu adotasse um gato. Arya e Lannister eram irmãos, e chegaram juntos em casa — ela está comigo até hoje, mas ele tinha uma doença e morreu menos de um mês depois. Foi traumático e a Arya ficou muito carente sozinha, por isso acabei adotando mais dois: o Pudim e a Zooey.
Quando conheci o Neco, meu marido, ele tinha muita alergia aos gatos: chegava na minha casa e já tomava um antialérgico. E os gatos sentiam muito ciúmes dele, ficavam pistola quando o Neco dormia comigo. Hoje tá tudo bem, nós nos casamos, moramos todos juntos, a alergia passou e o Pudim é muito mais apegado a ele do que a mim.
Sinto que, durante a pandemia, a relação se estreitou. A Zooey, que sempre foi a mais quietinha, ficou mais amorosa. Na hora de dormir, o Pudim vai para o quarto e começa a miar, chamando a gente para dormir com ele. Recentemente, nos mudamos para um apartamento maior. Eu queria um lugar que fosse mais amplo e batesse mais sol, pensando na qualidade de vida deles, afinal, eles são parte da família.
O tempo todo eles querem estar junto. Quando não dou atenção, miam muito. Eu gravo três podcasts em casa e já me acostumei a mutar o microfone ou parar de falar na hora, para o editor cortar depois. O pior é o podcast que eu gravo à noite, porque eles não entendem que estou trabalhando no meio da sala na hora de dormir. Às vezes pego no colo para eles se acalmarem — mesmo assim, rola um miado no fundo.
Um dia fui gravar um podcast com transmissão ao vivo em vídeo. Arrumei todo o cenário, mudei uma mesa de lugar, e deixei os painéis de isolamento acústico bem na minha frente. Mas esqueci de fechar a porta.
Durante a gravação, a Arya, querendo chamar atenção, começou a escalar esses painéis, se pendurar lá em cima, mas eu não podia sair da câmera. Se ela caísse, ia derrubar a tela, as luzes e meu microfone — seria um caos, eu ia virar meme. No final deu tudo certo, e esse foi mais um dia normal na vida de quem tem gato.
Apesar desses perrengues, não imagino mais minha vida sem eles. Eles são muito carinhosos, muito grudados, e preenchem a casa. Quando a Arya deita no meu peito e começa a ronronar, é a coisa mais gostosa do mundo. Sinto que minha vida é mais completa com eles." Jeska Grecco, podcaster
"Em dois anos, adotei 10 gatos e virei protetora de animais"
"Eu não gostava de bicho, a verdade é essa. Tinha um misto de medo e nojinho, mas era puro preconceito. Quando eu tinha 23 anos, minha mãe faleceu, e eu fiquei morando com meus dois irmãos mais novos. Meu namorado na época dizia que a casa estava muito triste e que a gente precisava de um animal. Mas eu pensava: 'Deus me livre. Já tenho trabalho e gasto suficientes.'
Até que um dia ele me convidou para almoçar com a família dele, que tinha resgatado uma gatinha prenha. No meio do almoço, ele me chamou para ver os filhotes. Eu não queria, mas não podia falar isso na frente da família. Quando eu bati o olho no Mercvrivs, fiquei encantada. Ele tinha outros irmãozinhos, mas nada me tirava da cabeça que aquele seria o meu gato. Esperei o desmame e trouxe pra casa.
Imagina: aos 25 anos eu nunca tinha tido animal em casa, não tinha nenhuma experiência, mal sabia segurar o gato. Logo na primeira semana, ele teve uma diarreia violenta. Essa foi uma das nossas primeiras cenas juntos: ele sujando tudo, e eu correndo atrás com um pano. Ele foi piorando, levei ao veterinário, e descobri que tinha anemia, infecções e estava desidratado.
Ele nasceu com vários probleminhas, e a chance de sobreviver era muito pequena. De repente, me vi chorando por um gato que eu achava que nem gostava tanto. Esse foi o momento de virada.
O Mercvrivs ficou bem, e isso abriu a porteira para que viessem os outros. Em um ano, eu já tinha quatro gatos. Quando a quinta chegou, brinco que levei o golpe da barriga, porque ela estava prenha e teve cinco filhotes. Tentei doar os gatinhos, mas não consegui, acabei me apegando. Aí completou a turma de dez gatos: Mercvrivs, Clara, Simba, Chocolate, Guda, Pimenta, Pipoca, Pufosa, Jujuba e Keka. Em menos de dois anos, fui de uma pessoa que não gostava de bichos para a tutora de dez gatos. Na sequência, nasceu a protetora.
Encontrei uns gatinhos muito magros na rua, na porta de uma casa, e decidi dar ração. Na hora que coloquei a comida, saíram quase 30 gatos da casa. Uma senhora sozinha vivia com todos esses gatos em uma situação de muita pobreza. Eles estavam magros, doentes, não comiam direito. Liguei para uma ONG, que me deu o caminho das pedras e me ajudou a resgatar e encontrar uma família para cada um. A essa altura eu já tinha o Gatoca [blog em que Beatriz escreve sobre cuidados com os gatos] e comecei a usar esse espaço para divulgar ONGs e animais resgatados para adoção.
Os gatos definem a minha rotina há 15 anos. Eu e meu marido nos tornamos veganos por conta deles, e nos mudamos para Sorocaba porque queríamos que tivessem uma casa com jardim, mais espaço e qualidade de vida. Hoje, todos os gatos são idosos, alguns têm problemas renais, uma delas tem carcinoma, doença de pele, então eles tomam remédio na hora certa, bebem água na seringa, e têm uma alimentação bem específica.
Exigem muita dedicação. Por sorte, sempre trabalhei de casa, se não teria que pagar alguém para cuidar deles ou interná-los. Mas mesmo com eles velhinhos, doentes, e gastando uma baita grana, olho pra os meus gatos e penso: 'Como vocês mudaram a minha vida, valeu a pena cada minuto'." Beatriz Levischi é jornalista e ativista pelos direitos dos animais
"Os gatos me fizeram perceber que a vida não é só trabalho"
Esse ano de pandemia foi difícil pra todo mundo, e, depois de uns meses, eu comecei a me sentir muito mal. Por trabalhar em casa, tinha a sensação que minha vida era só trabalho, que eu estava morando dentro do escritório, e foi ficando cada vez mais complicado lidar com isso. No final do ano, meus pais adotaram um gato novo, e me bateu essa vontade de ter um gatinho em casa também.
Eu cresci rodeada de bicho. Meus pais acreditavam que criança tem que crescer com animal porque fica mais feliz, aprende a cuidar e respeitar. Então eu tive cachorro, peixe, hamster e muitos gatos. Quando me casei, há três anos, sempre soube que teria algum bichinho, mas isso muda muito a rotina, e eu tinha medo de me sentir muito presa em casa — por isso, sempre brinquei que só teria bicho quando decidisse ter filhos.
Até que eu e o Simon, meu marido, percebemos que já estamos presos em casa há um ano, e que ainda vamos viver assim por um bom tempo por conta da pandemia. Aí decidimos adotar.
Procurei uma ONG, e quando olhei a carinha deles na foto, falei: 'são eles'. Quando mostrei a foto para o Simon, ele começou a chorar: lembrou que teve dois gatos exatamente iguais quando era criança — um preto e um laranjinha — mas o pai abandonou porque davam muito trabalho. Ele sempre amou bichos, e sofreu muito com essa separação. Foi uma baita coincidência, porque eles eram iguais à Ana Clara e ao Zé Nomias, nossos gatos.
Adotar eles em janeiro foi a melhor decisão que tomei durante a pandemia — além de fazer terapia, claro. O astral da casa é outro. Os dois fazem a gente sair dessa rotina de dormir, comer e trabalhar, e fizeram a gente enxergar que a vida não é só trabalho. Eles transformaram a nossa vida. Só de ter um compromisso diferente, acordar todo dia mais cedo pra colocar comida, limpar a areia, faz muita diferença. E, no final do dia, é uma delícia parar de trabalhar, sentar no sofá e brincar com eles, dar e receber carinho.
Tudo isso fez a gente ressignificar a nossa casa. As coisas não ficam mais arrumadas, eles adoram pegar caixa de papelão, jogar de um lado para o outro, arranhar o que não deve. Hoje mesmo, o Zé Nomias pisou numa lata de tinta e saiu deixando marca na casa inteira, ficou com as patinhas pintadas de rosa! Essas coisas são divertidas, dão vida à casa. Não é só uma construção com dois adultos morando nela. Agora a casa voltou a ter cara de lar." Íris Abrantes, analista de marketing
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