"Minha cunhada teve covid grávida de sete meses, deu à luz e morreu aos 30"
"A Taíssa era quase uma irmã para mim. Ela estava na minha vida desde que tinha 14 anos, quando começou a namorar meu irmão Victor. Na última quinta-feira (11), ela morreu com covid-19, aos 30 anos, um mês após apresentar os primeiros sintomas da doença.
Ela já era mãe do Heitor, de 3 anos, e estava grávida de sete meses do segundo filho quando se infectou. Os médicos fizeram uma cesárea de emergência, meu sobrinho nasceu e, logo na sequência, ela foi intubada. Estou perdida e sem saber o que fazer.
O bebê está bem e se chama José. Ele não pegou covid, mas precisou ficar 15 dias em isolamento e nem o pai podia vê-lo. Mas, por ser prematuro, foi intubado e permanece internado para ganhar peso. Esperamos que ele receba alta nos próximos dias.
Taíssa e meu irmão estavam juntos havia 15 anos. Ela era uma pessoa muito alegre, a luz na escuridão. Eu não tenho palavras para descrever nossa relação. Não consigo chamá-la simplesmente de cunhada, porque não éramos só isso.
"Ela teve que trabalhar presencialmente e se infectou"
Eu acredito que cada pessoa tem uma missão na Terra e que nosso ciclo se encerra em um determinado momento. Ao mesmo tempo, também acho que algumas coisas poderiam ter sido evitadas — o trabalho presencial, por exemplo. Sou psicóloga e atendo em postos de saúde, eu vejo o que está acontecendo.
Ela era publicitária e estava cumprindo expediente presencialmente na empresa que trabalhava, aqui em Vila Velha (ES), mesmo estando grávida. Até o dia em que ela foi notificada que um colega do trabalho havia pegado covid e foi afastada. Logo depois, no dia 4 de fevereiro, ela começou a apresentar os sintomas da doença.
A gestação é um fator de risco para quem pega covid. É como se fosse uma comorbidade. Se você adoece, tem um bebê dentro de você. As empresas não ligam para isso. Por que ainda não existe uma lei sancionada dando esse direito à gestante? São duas vidas, não uma só.
No dia 10 de fevereiro, saiu o resultado positivo para o teste de covid. Um pouco antes do diagnóstico, ela tinha descoberto que estava com diabetes gestacional, além de apresentar um quadro severo de anemia.
Mesmo grávida e com diabetes, ela precisou continuar indo à empresa. Imagino que, se ela não tivesse pego covid, ela teria pedido afastamento da companhia, porque estava abalada e com medo. Mas não deu tempo, foi tudo muito rápido.
Fiquei sem saber o que fazer quando, depois de passar oito dias isolada, ela foi internada no sábado de Carnaval. Ela reclamava de um cansaço extremo — este, inclusive, foi o principal sintoma que manifestou.
Logo após a internação, ela precisou de oxigênio e a sua saturação não parava de cair. Fizeram raio-x do pulmão dela e viram que o órgão estava comprometido. Na quarta-feira de cinzas, ela teve que fazer a cesárea de emergência e foi intubada. A partir daí, foi só ladeira a baixo. Cada boletim médico era uma tortura.
Minha família é religiosa e eles tiveram fé durante todo o processo, mas não conseguiam se dar conta da gravidade da situação. Parecia uma negação do adoecimento. "Ah, mas ela deu uma leve melhorada", falavam. E eu dizia: "Gente, a máquina de oxigenação está funcionando a 100% da capacidade, e a Taíssa mantinha a saturação em 90, isso não é melhora".
"Me sinto responsável pelos meus sobrinhos, filhos da Taíssa"
Meu irmão está perdido. Preocupado com o Heitor, o filho mais velho. Ele não consegue voltar para casa, porque ficar no apartamento em que a família morava é difícil, ainda traz muitas memórias.
A Taíssa era madrinha do meu filho. Eu a escolhi pensando que, se por acaso, algum dia algo acontecesse comigo, ela tomaria conta dele. Mas pelo visto não foi assim que aconteceu.
Apesar de eu não ser madrinha do Heitor, era a mim que ela recorria quando precisa de ajuda com ele. Eu brincava com ela e dizia que não queria ser madrinha dele para não ter a responsabilidade de cuidar do menino se algo acontecesse com a mãe. Ninguém espera pelo pior.
Agora me sinto responsável pelos filhos da Taíssa. A mãe dela é idosa e não tem mais pique para cuidar de um recém-nascido. O Heitor já consegue se virar melhor sozinho, mas o José, não. Como um bebê prematuro sem a mãe dentro de casa, a demanda de cuidados vai ser alta. Todos nós vamos ter que nos envolver na criação deles, mas eu sinto um dever maior. Vou precisar de sorte. E de terapia."
(Gabriela Gatto, 35, é psicóloga e mora em Vila Velha - ES)
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