Autoras de fics hot dizem como conto erótico disputa espaço com filme pornô
As fanfics, histórias criadas por fãs, fazem muito sucesso entre o público adolescente. Mas engana-se quem pensa que só o público teen que tem sido atraído por esse tipo de narrativa. Mulheres adultas também fazem parte da febre, tanto como leitoras quanto como escritoras. Atualmente, essas histórias vêm ganhando bastante visibilidade, e algumas viraram até livro - o best-seller "50 Tons de Cinza", por exemplo, nasceu como fic sobre outro campeão de vendas, a saga "Crepúsculo".
Além de muitas histórias sobre bandas, livros, séries e filmes, uma outra tag (forma como os textos são classificados nos sites) chama atenção - e o sucesso da história de Christian Grey já dá a dica: as "fics hot" são populares entre as leitoras com mais de 18 anos. No Spirit, uma das plataformas usadas para publicação e leitura de fics, estão disponíveis quase 10 mil histórias apenas na categoria hot. Na categoria "LGBTs", os números passam de 50 mil.
Não importa se a história foi escrita apenas com a cena de sexo como objetivo principal ou como parte essencial de uma trama mais longa. Esse tipo de narrativa tem-se tornado uma opção para quem busca um conteúdo adulto, mas não quer consumir produtos vinculados à indústria pornográfica que vem sendo questionada por ser ofensiva e nociva, especialmente com as mulheres.
Há várias plataformas gratuitas espalhadas pela web. Além do Spirit, Wattpad, ao3 e Nyah também são populares entre as leitoras. E tem enredo para todos os gostos. Algumas cenas podem ser mais explícitas e detalhar melhor o espaço e as ações dos personagens. Outras apenas criam tensões sexuais entre os personagens. Universa conversou com algumas autoras sobre o assunto.
De Harry Potter a BTS
Bruna Lago tem 27 anos e é estudante de Jornalismo. Começou a ler fanfics sobre Harry Potter quando adolescente. Em 2012, resolveu se arriscar e escrever ela mesmo essas narrativas. Hoje escreve histórias que costumam girar em torno de bandas de k-pop, como o BTS, e j-pop, como a The GazettE, mas... com algo a mais.
"Hot foi uma consequência", comenta. Em um primeiro momento, Bruna conta que estranhou ler um conteúdo mais sexy, pois não estava acostumada a ver isso em livros, mas que, agora, já é algo comum. "Não é um tipo de narrativa que se vê numa livraria sem estar um pouco estigmatizado. É assimilado como um material vulgar ou de baixa qualidade, sendo que ele está inserido no roteiro para ser de uma forma natural ou que faz parte, inclusive, das motivações da história."
Para a Bruna, este tipo de narrativa é uma resposta contra a indústria pornográfica. "Acho que é uma ótima resposta, porque parte de mulheres, com a visão delas". A escritora conta que, como existe um diálogo intenso com o público nas plataformas, a troca com a comunidade é muito ativa e consegue dialogar com pessoas mais jovens do que os usuários mais tradicionais de sites pornô. Além disso, os materiais acabam levantando debates importantes. "Assuntos que antes a gente tratava como tabu, como o interesse feminino por histórias com conteúdo sexual", diz.
Essas plataformas são uma ponte de acesso para autores que não têm condições de tornar isso profissional. Esse é o caso da Bruna, que ainda sonha em escrever um livro de fantasia nacionalmente famoso. A história mais popular de Bruna é um drama chamado "Apenas dessa vez". A fic, que tem como personagens principais os integrantes da banda The GazettE, já alcançou mais de 22 mil visualizações no site em que está publicada.
História com casais gays e lésbicas fazem sucesso
Fabiana Sávio, 32 anos, começou a ler fanfics na adolescência como uma forma de distração e conheceu, através delas, amizades que mantêm até hoje - é com essas amigas, inclusive, que ela escreve a maioria das histórias. "Eu leio fics hot desde que comecei, todas as fics que leio são Yaoi, então é meio inevitável", conta. Fics classificadas como Yaoi são aquelas cuja temática gira em torno de casais gays. As com casais lésbicos são chamadas de Yuri.
Fanfics LGBTQs são as mais populares nas plataformas por contarem histórias que não são encontradas facilmente em livros mais comerciais. Além disso, personagens de boybands são frequentes nas narrativas. Assim, as fics servem para criar histórias que aquele público quer ler, mas não encontra em outros locais, e utiliza de personagens conhecidos por elas. Esse nicho atrai mulheres de todas as orientações sexuais, já que elas se interessam pelas bandas.
"Para mim, uma fic hot é o que a autora, inconscientemente ou não, gostaria que acontecesse com ela, sendo descrito no romance dos personagens e o desenrolar da história", explica a leitora que também é escritora. Fabiana presta atenção nos comentários que recebe. "Eu, particularmente, acho muito útil, pois posso saber o que mudar no meu jeito de escrever. Por exemplo, muitas pessoas dizem que sou objetiva quando escrevo, então procuro colocar detalhes sobre as cenas. Isso é bom pra mim como autora", conta.
Pornô com ou sem enredo?
Ludmila Martins, 27 anos, fez o caminho inverso da Bruna e da Fabiana. Ela começou a escrever fanfic antes de começar a ler. Em 2008, escrevia sobre Harry Potter e, só em 2011, começou a ler fics enquanto ainda morava em Rondônia. Hoje, Ludmila vive em Portugal e tem preferência em escrever sobre drama, suspense, terror, fantasia e, principalmente, "angst" - um gênero que pode ser traduzido como "angústia". Tendo como foco causar desconforto no leitor, o gênero abusa de situações e emoções desagradáveis e fortes, e faz isso usando, normalmente, temas polêmicos.
"Eu acredito que seja quase natural, para quem está nesse universo, em algum momento chegar às fanfics hot. Até porque a maioria das fanfics tem, pelo menos, uma cena mais voltada para o erotismo e, quando bem escritas, incitam a buscar por mais", explica.
Para Ludmila, as fics hot são aquelas histórias cujo plot é voltado para o sexo. "Normalmente elas não têm um enredo muito elaborado, tanto que são conhecidas como 'PWP' ou 'porn without plot', e é normal que tenham apenas um capítulo, onde o clímax é exatamente a cena de sexo", conta.
Ludmila conta que alguns leitores exigem cenas de sexo até em situações onde o enredo não pede por isso e que, em alguns momentos, existe uma hipersexualização dos personagens. Ainda assim, ela acredita que esse tipo de literatura é uma alternativa contra a indústria pornográfica, sim. A escritora não utiliza sexo explícito nas histórias, mas usa muito o erotismo. "De certa forma, satisfaz essa necessidade e essa busca pelo erotismo, pela sexualidade e com o adendo de incentivar a leitura", comenta.
Leitura com crítica
A romantização de assuntos sérios, como o abuso sexual e a pedofilia, também acabam sendo encontrados na tag hot. "Eu acho que esse universo é uma faca de dois gumes. Porque, sim, é uma alternativa excelente para diminuir o mercado pornográfico, mas, ao mesmo tempo, se for usado da maneira errada, pode desencadear uma série de coisas ruins", afirma Ludmila.
Esses assuntos costumam aparecer, em alguns momentos, de forma romantizada. Aqui, mais uma vantagem da comunicação aberta com o público: as leitoras usam a sessão de comentários para pedir um retratamento das autoras, o que geralmente acontece.
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