"Te amo, paguei boleto": médica conta pedidos de recado a paciente de covid
"Sou pediatra aqui no Hospital Geral Dr. Waldemar de Alcântara, em Fortaleza. No início da pandemia, com a baixa demanda de crianças internadas, alguns pediatras foram remanejados para dar as notícias sobre o estado dos pacientes com covid-19, isolados, a seus familiares. Depois de três meses, quando os casos diminuíram, voltamos para o nosso setor.
Mas agora a demanda aumentou de novo, e o hospital está cuidando apenas de adultos com covid-19. Por isso, a pediatria foi fechada e os pediatras remanejados para o setor de comunicação com familiares. Começamos nessa função novamente no último dia 9 de março. Nesta nova fase da pandemia, o volume de pacientes está maior e vejo uma queda na faixa etária deles. Pela gravidade da segunda onda, acho que vamos ficar mais tempo do que na primeira.
O tempo que passamos ao telefone com as famílias depende do estado de cada paciente: os mais graves requerem mais tempo de conversa com a família. Quando o paciente está evoluindo bem, demora menos. Como não somos nós que estamos acompanhando o paciente, antes de dar o boletim médico para a família, olhamos todo o prontuário, os exames, nos atualizamos do quadro clínico e esclarecemos as dúvidas.
Algumas vezes ficamos sabendo da história de vida dos pacientes com essas conversas. Essa missão tem sido uma experiência difícil, muitas vezes precisamos ligar para dar notícias ruins, tristes. No final do dia estamos esgotados, mas fica um sentimento de gratidão, porque sabemos que é o único meio de contato entre o paciente e o familiar.
"Diga à minha mulher que a amo"
É muito comum as famílias pedirem para levarmos recado aos pacientes. Agora mesmo uma pessoa pediu para dizer ao paciente: "diga que já paguei os boletos". Já pediram para avisar que a casa do paciente estava bem cuidada e que as contas do INSS estavam pagas. Esse tipo de recado é bem comum.
Ano passado, o caso de um casal me marcou muito. O marido sempre pedia: "diga à minha esposa que a amo". Só que ela recebia o recado, mas não acreditava que a mensagem vinha mesmo do marido. Então, um dia, a gente pediu a ele que dissesse uma coisa que só ela sabia, para ela acreditar que existia a equipe de comunicação. E a equipe ficou nessa brincadeira com o casal até que eles tiveram alta. Foi um momento bem emocionante para todos.
Ruim é quando a gente tem que contar que o paciente está piorando. Hoje mesmo falei com a irmã de um paciente, e ela desabafou: 'Todo dia me ligam só para dizer que ele está pior.
Os familiares sabem que na maioria das vezes nosso telefonema é a única forma de comunicação com o paciente. Já me disseram muito: "por mim eu ficaria o tempo todo aqui no telefone com a senhora porque é como se assim eu estivesse mais perto do meu familiar".
Às vezes acontece de um familiar vir até o hospital e querer conversar pessoalmente, eles ficam ansiosos. Isso acaba sendo algo arriscado: se a pessoa está com a mãe com covid e vem falar com a gente, há o risco de transmitir o vírus sem saber. Sempre peço para não virem, que até 19h a gente vai telefonar para dar notícias.
Além daqui, trabalho em uma maternidade escola, onde cuido de pacientes neonatais, e em um hospital privado, onde faço um trabalho de gerenciamento. Já estou vacinada com as duas doses, mas tive covid-19 em março de 2020. Vacinada, eu tenho um pouco mais de tranquilidade. Sei que posso me reinfectar, mas se isso acontecer, espero que não seja grave. Tenho dois filhos: um de um ano e o outro, de três. Tomo sempre todos os cuidados ao chegar em casa: vou logo ao banheiro tomar banho e, aqui no hospital, ando sempre de máscara, uso álcool gel.
Tenho muita esperança de dias melhores pela vacina. A gente só vai conseguir voltar à vida de antes quando a população for vacinada."
* A pediatra Maria Carolina Parente, 37, trabalha no Hospital Geral Waldemar de Alcântara, em Fortaleza (CE); com alta de casos de covid-19, ela agora ajuda na comunicação com familiares de pacientes isolados
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