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Participei de uma "websuruba" de isolamento e vi pegação e nudes ao vivo

Repórter participou de festa on-line de sexo: "Fui voeyur" - Reprodução
Repórter participou de festa on-line de sexo: "Fui voeyur" Imagem: Reprodução

Camila Brandalise

De Universa

30/03/2021 04h00

Era 1h42 da madrugada do sábado (27) e a tela do meu notebook exibia quatro janelas com as seguintes cenas: um casal transando, uma mulher de peruca rosa tocando os seios, um homem se masturbando, uma mulher simulando sexo oral em um vibrador. Tudo acontecendo em tempo real e com as pessoas sem mostrarem os rostos.

Estou acostumada a usar o Zoom para reuniões de trabalho e cursos on-line, assim como vários de nós durante a quarentena. Usar essa mesma ferramenta para participar de uma "websuruba" foi, até agora, o ponto alto do meu isolamento neste pior momento da pandemia em que estou há 20 dias sem botar pé para fora do meu prédio.

Triste, cabisbaixa, lamentando pelo que está acontecendo no Brasil, só queria algo para esquecer os problemas momentaneamente e restaurar uma parcela do meu humor. Achei que uma festa de sexo seria uma boa escolha e deu certo: ver tantas pessoas — à certa altura da madrugada, eram quase 300 — expressando seus desejos com tamanha naturalidade e se divertindo enquanto faziam isso foi revigorante. Percebi que sou mais voyeur do que exibicionista, então fiquei só observando. Aqui, vou contar o que vi.

"Sequência de pênis abriu a minha noite"

Organizada pelo médico e psicanalista Uno Vulpo, dono da conta Sento Mesmo no Instagram, a festa já teve edições no ano passado e foi até mais badalada, chegando a quase mil participantes em uma noite. Uno me contou que teve a ideia de fazer uma festa de "putaria online" e achou algumas que já existiam, mas todas voltadas para o público gay e só com pessoas brancas com corpos musculosos. "Já que eu estava sem muita coisa para fazer, resolvi criar o fervinho", disse.

Quando entrei na sala virtual, às 22h, havia 133 pessoas. Fiz meu drink para fingir que era mesmo uma festa. Confesso que ainda é difícil entrar na onda de dançar sentada no sofá. Mas de cara já vi que ia ser bem mais interessante do que encontros on-line para cantar "Parabéns" para alguém.

As imagens na janela principal, de tamanho maior, eram revezadas entre as câmeras dos participantes. Às vezes era só uma, outras, quatro ao mesmo tempo. As primeiras que me lembro de ter visto formaram uma sequência de pênis sendo acariciados. O frame era só na região do órgão e, a não ser que a pessoa tenha colocado o nome real na identificação do Zoom, não teria como saber quem era.

"Essas festas estão salvando a nossa vida na pandemia", disse um participante no chat enquanto as imagens surgiam nas nossas telas. Apareceu um casal na piscina de um motel — a moça usava óculos escuros para não ser reconhecida — e começou a esquentar a noite. "Queria estar nessa piscina", comentou um. "Que f*** gostosa", escreveu outro.

"Eu era a virgem na suruba"

Não diria que sou uma pessoa tímida, mas virgem em suruba. Ver tantas pessoas peladas, se masturbando e transando despertou meu lado matuta impressionável. A cada novo participante na tela, a cada novo casal se alisando, estava eu lá com a boca aberta de surpresa. E, confesso, admiração pela segurança em se exibir e manifestar livremente a sexualidade.

Minhas caras e bocas eram tantas que duas pessoas me escreveram no chat comentando que estavam se divertindo comigo. O chat, aliás, estava cheio de pessoas espirituosas e engraçadas. No primeiro momento da festa, ou eu estava abismada com algum órgão sexual na minha tela ou rindo de alguma brincadeira feita ali. Mas as conversas servem também para começar a suruba em si: é por ali que rola paquera e que os matches se formam.

Depois de muitos homens e casais aparecerem, começaram a surgir mais mulheres peladas e se tocando. Para mim, foi uma alegria. Menos por tesão e mais por feminismo. Ver mulheres se expressando sexualmente do jeito que quiserem, sendo encorajadas a exibir seus desejos sem ser chamadas de vagabundas, como os mais machistas diriam, é um alento.

Algumas estavam de máscara, na linha do filme "De Olhos Bem Fechados". Outras, com lingeries ao estilo BDSM (prática de dominação e submissão) e sem mostrar a cara. Uma participante, só de calcinha, dançava para a câmera enquanto era elogiada: "Que bunda!", "Gostosa!". Um rapaz assistia às cenas deitado na cama enquanto se amarrava, técnica conhecida como shibari.

Muitas bundas, peitos e pirocas depois, recebi uma mensagem privada: "Me deixa ver seus pés?". Sentada no sofá, comecei a exibi-los para a câmera. Achei o pedido divertido. A graça da noite, para mim, era essa: fetiches, desejos, sexo em geral é diversão. Não é imoralidade, não é sujo e nem pecado como tentam, até hoje, nos fazer acreditar.

Depois das 2h, surgiram muitos casais transando. Gays, heteros, lésbicos. Nessa hora, as mensagens eram bem parecidas: "Gatilho!". Para quem está sozinho em casa há tanto tempo, como eu, ver um amor gostoso e real na tela dá vontade. Foi legal de ver, e acredito que, para quem se exibiu, também foi legal ser visto.

"Fisting foi o grande fetiche da noite"

Conversei com o organizador da festa, Uno Vulpo, no dia seguinte, dizendo que tinha me divertido. "Que bom que você gostou, mas não deu muito ibope", me respondeu, tomando por base as festas de 2020 que tinham quase o triplo de pessoas.

Comentei que fiquei até a hora do fisting, um fetiche que consiste em colocar a mão no ânus da outra pessoa, até o pulso. Se já arregalei os olhos vendo dedos em vaginas, imagina nessa hora? O chat todo foi à loucura com o ato ao vivo. Fiquei de olho no casal e, depois de tudo, em uma tela menor, vi eles abraçados, se beijando e rindo.

Na conversa com Uno, ele disse que esse foi o "fetichão" da noite. "Mas já teve cock cage (uma espécie de cinto de castidade para pênis), vampirismo (fetiche em sangue) e estimulação vaginal com cactus", diz, referindo-se a "websurubas" anteriores.

"Pessoas me criticam dizendo que estou incentivando a pornografia"

Vulpo conta que costuma receber os mais variados comentários sobre as festas que organiza. "Muita gente critica dizendo que estou incentivando a pornografia. Mas já vi essas mesmas pessoas inscritas nas festas", diz. "A maioria dos feedbacks são bons, de pessoas dizendo que deu mais ânimo para se manter em casa na pandemia e que tiveram ali a oportunidade de tentar algo diferente."

Os elogios também são sobre o público que ele consegue reunir. O que vi foram pessoas com corpos, fetiches e orientação sexual diferentes, sempre ovacionadas pela audiência. "Me dizem que, por isso, se sentem à vontade para se jogar também. Tem um casal, por exemplo, de mais de 50 anos anos, que sempre participa e ama muito."

Entusiasta da suruba mas não praticante, Uno se limita a controlar as câmeras enquanto come seu mingau da madrugada. "Me deixa muito feliz ver como as pessoas se transformam. Começam tímidas e vestidas e de uma hora para a outra estão gozando ao vivo."

As regras são básicas: só entram maiores de 18, são proibidas manifestações de LGBTfobia, machismo e racismo e a recomendação é que uma pessoa não fique insistindo em mensagens privadas para alguém se não for recíproco. Não seguir isso dá expulsão. Sobre dar print e filmar, "não tem muito como fugir", diz o organizador, que sugere aos "surubeiros" que usem máscara e não mostrem o rosto caso não queiram ser reconhecidos no futuro.

"Todos nós nos masturbamos, por que ter pudor com isso?"

A festa é uma continuação da conta de Instagram "Sento Mesmo", administrada por Uno. "Meu propósito com a página é falar sobre sexo de uma forma real, baseada no que as pessoas realmente fazem e traduzir uma linguagem muitas vezes acadêmica ou pudica para uma conversa cotidiana", afirma ele, que já falou sobre peidar durante a transa, HPV, falta de libido com uso de ansiolíticos e golden shower (tesão em xixi).

"Todos nós nos masturbamos. Por que vou ficar de pudor com isso? O mesmo vale para a nudez nas festas. Se todos transamos e gozamos e se todo mundo está ali na sua frente fazendo o mesmo, as pessoas se inclinam a se soltar mais nesse sentido também."

Por isso, não é dele que você vai ouvir sermão sobre usar camisinha em sexo oral, por exemplo, nem qualquer outro tipo de discurso que vá te botar medo. "Lido com a realidade. A ideia é reduzir danos. Meu propósito sempre foi abrir o verbo e falar de coisas que todo mundo faz, pensa e questiona mas tem medo ou vergonha de falar."

Imagino que muita gente, ao ler sobre essa festa e dar uma olhada no perfil de Uno no Instagram, pense que é pouca vergonha e safadeza. E é mesmo. Que bom.

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