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Bolsonaro é golpista com política genocida para pandemia, diz Marina Silva

A ex-ministra Marina Silva afirma que Jair Bolsonaro é o pior presidente da história do país e comete crimes de lesa-pátria e humanidade - Lucas Lima/UOL
A ex-ministra Marina Silva afirma que Jair Bolsonaro é o pior presidente da história do país e comete crimes de lesa-pátria e humanidade Imagem: Lucas Lima/UOL

Camila Brandalise

De Universa

01/04/2021 04h00

Marina Silva está sumida?

A mulher que mais concorreu à Presidência do Brasil, em 2010, 2014 e 2018, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, é alvo frequente de críticas por falta de posicionamento. Nas últimas eleições, foi comparada nas redes sociais à Copa do Mundo, "por só aparecer de quatro em quatro anos". É engraçado para você? Para ela, é machismo.

"Essa é uma forma de anular minha existência e é mais fácil fazer isso com uma mulher. Não vejo ninguém dizendo o mesmo do Geraldo Alckmin [PSDB], do José Serra [PSDB] e do Gilberto Kassab [PSD]. Eu me posiciono diariamente", diz Marina, 63, a Universa, por telefone, de seu apartamento em Brasília. "Na campanha passada, fiquei exausta de ter que o tempo todo ficar provando que era capaz. Sofri uma cobrança que não é feita aos homens. Até sobre aspectos físicos."

Na corrida eleitoral de 2018, a ex-ministra teve um confronto sobre direitos das mulheres com o então deputado Jair Bolsonaro no debate da RedeTV. E, entre outras coisas, ouviu do capitão reformado: "Temos aqui uma evangélica que defende o plebiscito para o aborto e para a maconha. Você não sabe o que é uma mulher, Marina, com um filho jogado no mundo das drogas".

Ela, que à época disse não considerar Jair Bolsonaro (sem partido) um inimigo, hoje afirma que o presidente se "revela o pior dos piores de toda a história do Brasil". E que sua política de governo é "autoritária e genocida".

Na entrevista a Universa, a articuladora e coordenadora de formação política de seu partido, a Rede Sustentabilidade,
também conta que a pandemia de coronavírus lhe traz "memórias difíceis".

Nascida em um seringal no Acre, Marina perdeu duas irmãs, um tio e um primo numa epidemia de sarampo e malária no fim dos anos 1960, e a mãe, de 36 anos, por suspeita de meningite, o que impediu a família de se despedir dela. "Hoje, as pessoas ficam doentes e a família também não pode vê-las. São realidades parecidas."

UNIVERSA - Em uma entrevista a Universa em 2018, a senhora disse que não considerava Bolsonaro um inimigo. Após dois anos de governo, qual sua avaliação?

MARINA SILVA - Ele se revela o pior dos piores de toda a história do Brasil para economia, para saúde pública, educação, meio ambiente, tudo. O país está no caos. Em política, não se trata alguém como inimigo.

Para mim, ele é uma pessoa que não serve para representar o povo brasileiro, que está cometendo crimes de lesa-pátria e de lesa-humanidade.

Mudou de postura única e exclusivamente com objetivo eleitoral depois de ter se colocado contra as medidas de saúde, de se recusar a ver o que deu certo em outros países, de desdenhar de esforços de médicos e cientistas. O que ele fez foi na contramão de cuidar da saúde do povo.

Marina Silva - Lucas Lima/UOL - Lucas Lima/UOL
A articuladora da Rede Sustentabilidade diz que atua para construir um projeto de país e que não pensa ainda em uma candidatura em 2022
Imagem: Lucas Lima/UOL

Como avalia a condução da crise sanitária pelos outros Poderes?

O Congresso se colocou muito tardiamente [para cobrar medidas mais duras contra a pandemia], quando as mortes já passaram de 300 mil. Poderia ter reagido muito antes, assim como a elite econômica. Só agora é estão agindo de maneira a desautorizar o presidente a continuar fazendo o que estava fazendo.

O Rodrigo Maia [DEM, ex-presidente da Câmara] poderia ter colocado o impeachment de Bolsonaro na pauta de votações. Ele carregará esse peso nos ombros.

Como a pandemia tem afetado a vida da senhora?

Tenho ficado em casa desde 1º de março do ano passado, combinando atividades on-line com as da minha casa, com a família. Minha família mora no mesmo condomínio, então criamos nossa bolha. Nem em mercado eu fui. Saí uma vez para ir ao médico, porque tenho três hérnias de disco, um problema grave. Para mim, é muito difícil ver o que está acontecendo porque, além de tudo, isso me traz memórias da minha adolescência, de mortes em epidemias [ela perdeu duas irmãs e outros parentes numa epidemia de malária e sarampo]. Minha mãe morreu com suspeita de meningite, não pude vê-la. Hoje, as pessoas estão morrendo sem que as famílias possam vê-las. São realidades parecidas.

A senhora já se candidatou três vezes à Presidência e, em 2018, teve 1% dos votos. Vai tentar de novo em 2022?

Falar em nomes de antemão não é a melhor estratégia. Nesse momento, vamos deixar a realidade falar, o processo acontecer.

Não tenho ansiedade tóxica. Estou à disposição para construir um projeto de país para tirar o Brasil do colapso social, da crise sanitária, ambiental, política e econômica. E, depois, pensamos quem é a melhor pessoa para esse projeto. Faço parte de um debate com outros partidos, como PDT, PSB, PV, e agora o Cidadania, para avaliar isso.

Acha que a política é mais difícil para as mulheres?

Sim. Mesmo com as leis de cotas, que obrigam a ter um número mínimo de mulheres candidatas nas eleições, não houve ainda aumento significativo da nossa presença na política institucional porque, na maioria das vezes, não há estímulos para ampliar influência e base social para conseguir se eleger.

Também tem a questão da violência política de gênero. Há valores, preconceitos e linguagens que são excludentes. Esse muro para nós se ergueu em cima de um espaço em que tudo deve ser operado da lógica masculina.

Por quais situações de violência política de gênero a senhora já passou?

Na campanha presidencial passada, fiquei exausta de ter que o tempo todo ficar provando que era capaz, em todos os sentidos: do ponto de vista técnico, de gestão, cognitivo, intelectual. Muitas perguntas tinham a carga [implícita] de que eu não conseguiria lidar com algo dessa magnitude. Sofri uma cobrança que não é feita aos homens. Até mesmo sobre aspectos físicos havia sobre mim exigências corporais que não eram feitas aos outros.

Falavam que eu chorava. Quantos homens choram e são chamados de sensíveis? A gente é fraca. O homem calmo é ponderado. Se respondo de forma ponderada, não sou incisiva. Tenho 63 anos, precisam virar essa página. Parece que conforme subimos degraus na luta contra a exclusão, as violências vão se sofisticando. Dizer que eu estou 'sumida' tem a ver com isso. Com certeza é muito mais fácil decretar que uma mulher negra não existe. Não vejo ninguém dizendo isso do Gilberto Kassab, do José Serra ou do Geraldo Alckmin.

Nesta semana, a crise política no país se agravou com a demissão dos comandantes das Forças Armadas após atrito com o presidente. A senhora vê risco de um golpe por parte de Bolsonaro?

Bolsonaro deixou claro ao longo da sua vida pública que sempre foi golpista. Ele defende torturadores, sempre quis passar por cima do Congresso, do Poder Judiciário. Desde que assumiu a Presidência tenta criar condições para isso, não é novidade. O que eu acho emblemático é que, às vésperas de se completar 57 anos do golpe militar, um ministro da Defesa e os comandantes das forças de segurança do país deixem seus cargos por discordar da política autoritária e genocida do capitão.

Acredita que a polarização eleitoral de 2018 continuará em 2022?

A história mostra que a polarização não é da última eleição, mas do imaginário brasileiro. Agora estamos no ponto Bolsonaro ou Lula. Espero que as pessoas descubram que isso está emperrando o Brasil. Nem projeto [de país] é. Não há só dois grupos disputando poder, é preciso vislumbrar um horizonte para o país. Reduzir à polarização é desconhecer que tem um campo político com outras possibilidades.

Quais retrocessos a senhora aponta na área do meio ambiente no atual governo?

O prejuízo que os 'antiministros' causam ao Brasil são tamanhos que nem tem como avaliar agora. Ricardo Salles, do Meio Ambiente, deveria ter saído com Ernesto Araújo, que deixou a pasta das Relações Exteriores.

Se descortina no mundo a chamada recuperação verde, um novo modelo de desenvolvimento. E aqui? Com Salles, o Brasil passou a ser um pária internacional na área, virou um problema. A ponto de ter uma declaração dos Estados Unidos para que se mude a política em relação à Amazônia sob pena de sofrer sanções.

Há várias jovens ativistas, como a sueca Greta Thunberg, se mobilizando nessa questão. Elas te dão esperança?

Sim. Fico muito feliz de vê-las atuando mas, ao mesmo tempo, triste. Os jovens estão vivendo a 'depressão do futuro', estão deprimidos com a perspectiva do que virá. Se medidas não forem tomadas na quantidade e no tempo que o problema exige, a gente dificilmente conseguirá virar esse jogo do equilíbrio climático.