Ela avalia mentes assassinas: "como soltar preso que pode voltar a matar?"
Há um mês, a psiquiatra paulistana Alessandra Sodelli Teodoro, 43, foi convocada para a avaliação psicológica de um jovem infrator que, aos 15 anos, cometeu feminicídio. Perto de completar 18 anos, ele tenta uma transferência da UES (Unidade Experimental de Saúde), local que abriga jovens infratores da Fundação Casa diagnosticados com distúrbios psicológicos graves, para um manicômio. Mas como ele foi diagnosticado com TPA (Transtorno de Personalidade Antissocial), a Justiça deve optar pela sua manutenção no local.
A UES onde esse jovem infrator está é a mesma onde vive Roberto Aparecido Alves Cardoso, conhecido como Champinha, e que em 2003 matou com requintes de crueldade o casal de namorados Liana Friedenbach, 16, e Felipe Caffé, 21, na zona rural de Embu-Guaçu, em São Paulo. Ele também foi diagnosticado com TPA. O espaço abriga hoje seis jovens infratores diagnosticados com o mesmo transtorno.
Em fevereiro, a Justiça negou a progressão para o regime semiaberto de Lindemberg Alves Fernandes, condenado a 39 anos de prisão por assassinar a ex-namorada Eloá Pimentel, em 2008, quando ainda inexistia o crime de feminicídio. Na sua decisão, o desembargador Guilherme de Souza Nucci usou o relatório psiquiátrico de Lindemberg, de transtorno de personalidade do tipo misto F61 (CID-10), o que corresponde à presença de traços narcísicos e antissociais, para negar o pedido da defesa do criminoso.
"O transtorno de personalidade antissocial é bem difícil de tratar, porque é um transtorno de caráter, e não tem medicação específica para isso", Alessandra explica. "Como soltar uma pessoa que tem tanta chance de voltar a cometer o crime?"
Desde 2014 atuando no Imesc (Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo), do governo do estado, Alessandra contabiliza já ter avaliado cerca de 30 mentes criminosas. Em entrevista a Universa sobre seu trabalho, decreta: nem todos criminosos têm mesmo condições mesmo de voltar às ruas.
O Imesc tem hoje mais de 150 peritos em 37 modalidades. Destes, 12 são da área de psiquiatria, dos quais quatro atendem perícias criminais. Alessandra é a única mulher nessa função.
Alessandra, que iniciou a carreira há dez anos trabalhando com dependentes químicos e diz jamais ter sido vítima de violência de gênero, frisa que precisa conhecer bastante os próprios sentimentos para estar de frente com assassinos e busca não analisar o processo do criminoso antes de encontrá-lo.
Quando estou na frente dele, a preocupação é tentar entender o que aconteceu, se a pessoa tem alguma doença, o que o levou a cometer o crime, se sente culpa. Você está ali praticamente como investigadora. Depois, quando leio os autos, geralmente vem uma sensação de indignação."
Mas apesar dessa aversão, a psiquiatra fala que não mais se surpreende com os crimes.
Já vi tanta coisa que o ser humano é capaz de fazer que não fico tão surpresa. Gosto de entender o comportamento do assassino para saber se dá para prevenir e reduzir aquele crime. Ponho mais minha energia nisso. Acho que sou mais útil pensando assim do que no crime, que já aconteceu — e isso não posso mudar."
"Nem todo assassino é doente"
Inesperado para ela mesmo é encarar o semblante dos pacientes quando percebem que serão avaliados por uma mulher.
"Na psiquiatria ainda acham que serão atendidos por um homem de barba. No início, entrava na sala e perguntavam: 'Mas você é a psiquiatra?'. Eu deixava passar, mas no final eu questionava qual foi a surpresa. E ouvia: 'Imaginei um homem mais velho, nunca uma mulher nova'. Acho engraçado."
Agora, um ponto importante que Alessandra observa é: nem todo homem que comete um crime dessa magnitude é doente.
É uma junção de coisas. A gente vê pessoas passando pelas mesmas dificuldades e situações e nem todo mundo tem o mesmo comportamento", diz.
"Nossa personalidade é formada com o tempo, temos abertura para as coisas. Não dá para dizer que todos têm uma história, mas a grande maioria tem uma história sofrida, na perspectiva deles."
E ainda que ela consiga diagnosticar uma patologia, o tratamento não fica a cargo de uma perita criminal. "O médico tem uma função de tratar. A perícia faz uma avaliação para o juiz. Quando estou fazendo perícia, estou investigando. Toda minha atenção é para tentar entender como é o pensamento dele. Esse distanciamento te ajuda na investigação."
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