Quem são as cientistas que se tornaram influenciadoras digitais na pandemia
Compartilhar conhecimento científico de qualidade e de forma clara em meio à pandemia de covid-19 virou missão de algumas cientistas, médicas e pesquisadoras que passaram a usar suas redes sociais para levar informação a um maior número de pessoas. Com esse trabalho, elas viram crescer de forma significativa o número de seguidores.
Na Academia Brasileira de Ciências, fundada em 1916, dos 518 membros titulares, apenas 69 são mulheres, e nenhuma, até hoje, foi a presidenta, de acordo com pesquisa feita por pesquisadoras da UFRGS, em 2019. Em estudo realizado pela Unesco há três anos, as mulheres representavam menos de 30% dos cientistas do mundo. Apesar dos números desanimadores que provam que a ciência, assim como muitas outras áreas, é dominada pelos homens, essas pesquisadoras, divulgadoras científicas e cientistas resistem com muita competência em um meio com pouquíssimos recursos e investimentos no Brasil. Conheça, a seguir, quem são elas.
Natália Pasternak, bióloga com pós-doutorado em Microbiologia, na área de Genética Molecular de Bactérias e presidente do Instituto Questão de Ciência
Rede social mais atuante: Twitter
Seguidores antes do início da pandemia: ela não se lembra, mas diz que eram poucos
Atualmente: 150 mil seguidores
Com voz e fala firmes, a paulistana conquistou uma legião de interessados que buscam informações verdadeiras sobre ciência em um mar virtual de notícias falsas. Sem medo de criticar o atual governo e o presidente Jair Bolsonaro, Natália diz já ter sido alvo de fake news e até de um processo criminal. "Já fizeram um vídeo dizendo que eu não era bióloga, mesmo o meu diploma sendo público [ela é formada pela USP], e fui processada por injúria porque falei que o presidente era uma peste (risos). Dei sorte de cair com uma procuradora muito boa, que indeferiu o processo e passou um 'sabão' na pessoa que me processou, mandou ela procurar o que fazer. Quando você é figura pública e não tem medo de falar o que pensa, está sujeito a isso", relembra.
"Mas eu não sou intimidável e tenho bons advogados", brinca Natália. A diferença entre homens e mulheres na ciência, diz, começa já na maneira como é esperado que elas se vistam, falem, e se estende até como ambos são ofendidos. "Os desqualificadores são diferentes. Sou muito xingada de louca, histérica, destemperada, enquanto meus colegas são chamados de fdp. Mas, aos poucos, estamos vencendo essa barreira de que a mulher tem que ser fofa".
Denise Garrett, médica epidemiologista, pesquisadora e divulgadora científica
Redes social mais atuante: Twitter
Seguidores antes do início da pandemia: 200
Atualmente: 38,4 mil seguidores
Tudo começou quando um post criticando a imunidade de rebanho como uma suposta solução para a diminuição do contágio pela covid-19 viralizou. "Falou-se muito sobre isso em algum momento da pandemia, e é uma falácia. Vejo que as redes mudaram muito a maneira como comunicamos a ciência, permitindo que o conhecimento seja compartilhado numa velocidade sem precedentes", diz a epidemiologista e cidadã brasileira e americana.
A mineira que mora nos Estados Unidos há mais de 25 anos, onde fez seu doutorado, é formada em Medicina pela UFMG e vice-presidente da organização sem fins lucrativos Sabin Vaccine Institute, em Washington D.C., além de ser ex-integrante do Centro de Prevenção e Controle de Doenças do Departamento de Saúde do país, em Atlanta. "Recebo mensagens de pessoas agradecidas. Por outro lado, você fica exposta e já fui vítima de fake news, de gente espalhando informações falsas sobre mim e minha carreira. O que me faz prosseguir é saber da importância de compartilhar conteúdo relevante", afirma.
Vaidosa, ela conta que há duas décadas, no ambiente profissional, ou a mulher se cuidava ou mostrava ser uma profissional competente. "Eu me sentia culpada e julgada por me cuidar. Estar arrumada, de unha feita, não condizia com inteligência, era algo fútil. Hoje isso já melhorou muito", explica ela, que prefere não se definir como uma influenciadora da ciência. "Me vejo como uma disseminadora, porque informação é tudo: ela te liberta para você tomar suas próprias decisões".
Laura Marise de Freitas, farmacêutica e bioquímica, é mestra e doutora em Biociências e Biotecnologia Aplicadas à Farmácia e Ana Cláudia Bonassa, bióloga, mestre em ciências e doutora em ciências com ênfase em Fisiologia Humana.
Rede em que são mais atuantes: Youtube, com o canal Nunca vi 1 Cientista
Antes do início da pandemia: 35 mil inscritos
Atualmente: 107 mil inscritos
Aproximar as pessoas da ciência com temas que fazem parte da nossa vida sempre foi o objetivo da dupla, que criou o canal "Nunca vi 1 Cientista" em 2018. "O nome apareceu numa das reuniões que tivemos com outras pessoas da equipe, porque até mesmo quem mora na Cidade Universitária ou está dentro desse ambiente sempre comenta que nunca viu um cientista", fala Ana.
Desde o início, um público pequeno, porém fiel, acompanha assuntos que vão de curiosidades sobre o SUS a explicações de como funciona a quimioterapia, se é perigoso ou não usar o micro-ondas todos os dias e mitos a respeito do aquecimento global. Mas, ao gravarem um vídeo como resposta a um outro vídeo que circulava nas redes, questionando a eficácia do álcool em gel no combate ao coronavírus, Laura, de 33 anos, e Ana, de 32, viram o número de inscritos crescer vertiginosamente. "Começamos a desmentir fake news e também a informar corretamente, e nosso conteúdo foi viralizando. Há muitos comentários positivos, assim como começou a aparecer um público negacionista. Furamos a nossa bolha", diz Laura.
Ambas também enfrentam comentários maldosos por serem mulheres. "Sempre tem alguém questionando a capacidade, a aparência, e isso não acontece com homens da mesma idade", explica a farmacêutica e bioquímica. Atualmente, as duas têm bolsas de pós-doutorado, mas estão desanimadas com a falta de perspectiva e incentivo à ciência no Brasil. Mesmo assim, elas não se arrependem de continuar lutando pelo que acreditam e investindo na carreira que amam. "Não entramos nessa área enganadas. É uma área que adoramos e por isso estamos aqui até hoje", finaliza Laura.
Luiza Caires, jornalista, Editora de Ciências do Jornal da USP e divulgadora científica
Rede social mais atuante: Twitter
Antes do início da pandemia: 5 mil seguidores
Atualmente: 60,5 mil seguidores
Por causa da profissão, a jornalista de 38 anos já consumia muita informação sobre ciência, buscando artigos e matérias para postar em sua rede social pessoal e na da Editoria de Ciências do Jornal da USP (@cienciausp). O que mudou desde o início da pandemia foi que seu perfil cresceu 12 vezes em número de seguidores, ultrapassando, inclusive, o da instituição, que tem 56,2 mil.
"O Twitter começou a destacar meu conteúdo no Moments e muita gente da própria comunidade científica também compartilhava", conta. Informações básicas sobre como o coronavírus age no corpo, quais são as melhores máscaras para usarmos, quais ambientes são mais perigosos e outras atitudes que influenciavam no dia a dia eram as que geravam melhor engajamento.
"Mas eu também dou um respiro e faço conteúdos mais leves. Os que vão muito bem são aqueles em que compartilho curiosidades sobre animais contando uma historinha, os que tem mais fotos e dados de pesquisas que revelam coisas novas", conta ela, que já chegou a ser procurada por empresas para fazer parcerias e posts patrocinados.
Luiza se emociona sempre com as mensagens que recebe de quem tem familiares que morreram por causa da covid-19. "Dá uma baita satisfação ver que consegui ajudar pelo menos um pouquinho. Sempre sofro junto quando algum seguidor interage e vem dizer, por exemplo, que a mãe faleceu. É como se eu conhecesse a pessoa".
Mellanie Fontes-Dutra, biomédica, mestre e doutora em Neurociências e pós-doutoranda em Bioquímica
Rede social mais atuante: Twitter
Antes do início da pandemia: 2 mil seguidores
Atualmente: 40 mil seguidores
A sergipana de 28 anos trabalha na divulgação da ciência desde 2015. No final de fevereiro de 2020, quando a pandemia começou, decidiu se arriscar mais nas redes sociais, aumentando em 20 vezes o número de seguidores no Twitter, sua rede social preferida. Ela também tem contas no TikTok, Instagram e Facebook, nos quais procura sempre escrever em uma linguagem simples e didática. "Quis criar um espaço de discussão para pesquisadores, profissionais de saúde, entre outros, mas a gente acabou ganhando mais visibilidade", diz.
A pouca idade, aliada ao fato de ser mulher, já fizeram com que Mellanie fosse deslegitimada e sofresse com machismo, assédio moral e perseguição na Internet. "A maioria dos perfis eram homens e bots, contas fakes, dava para perceber muito bem. Isso [ser jovem e mulher] incomoda muita gente. Também já percebi comportamentos parecidos vindo de homens dentro da academia, é um reflexo da sociedade. Mas, felizmente, eu tive uma rede de apoio", conta a biomédica.
Ainda assim, diz que já sofreu com a síndrome da impostora e, justamente por isso, Mellanie tem um conselho para as jovens que querem seguir o caminho da ciência. "Assim como qualquer profissão, há um caminho tortuoso, com dificuldades e desafios, mas acreditem em si mesmas. Quando se tornarem as mulheres do amanhã, sejam exatamente aquela pessoa que você admira e que gostaria de ter se inspirado para crescer".
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