Ela fala de autoestima e culinária: "Gorda aprende a esconder o que come"
De uns anos para cá, são inúmeras as mulheres que estão fazendo as pazes com a palavra gorda. Antes sinônimo de xingamento, o termo agora caracteriza um movimento social marcado por pertencimento, resistência, reflexão sobre padrões estéticos e também sobre saúde.
A criadora de conteúdo Luiza Junqueira, 29 anos, é um dos principais nomes desse movimento no Brasil. Desde 2015 ela se dedica ao canal "Tá Querida" que tem mais de 700 mil seguidores no YouTube. Nele, ela publica vídeos com diversos assuntos e que abordam autoestima, gordofobia, culinária e beleza. Mais recentemente, voltou o foco do canal para a culinária e grava vídeos honestões de receitas - seus vídeos quase 50 milhões de views no YouTube.
Nesse contexto, acabou fazendo o famoso vlog de "o que eu comi em um dia" e ele veio com um desabafo. "Muita gente já me pediu para fazer esse vídeo e eu confesso que ele me dava gatilho. Eu já tentei fazer outra vez e no meio do vídeo me deu uma baita de uma crise de choro, de impostora, de sei lá o que", desabafa, em entrevista a Universa.
"Ninguém precisa ser forte o tempo inteiro"
Com o vídeo, Luiza acabou tocando numa questão que abre um debate, segundo ela, importante: a partir do momento em que você bate no peito para dizer que ama seu corpo do jeito que ele é, isso não significa que as inseguranças ficarão no passado. "Bem no começo do meu trabalho na internet eu tinha uma postura - que muita gente tinha também - que era de você se colocar como 'resolvi essa questão e agora vou te ensinar a resolver'. E era muito comum ver as pessoas vendendo essa fantasia", aponta Luiza.
Ela conta que isso foi mudando com o passar do tempo. "Hoje eu acredito que as minhas vulnerabilidades criam uma ponte com a vulnerabilidade da outra pessoa e eu consigo, de certa forma, comunicar num lugar muito mais afetivo e humano. Aí, as coisas têm um impacto maior". Essa percepção acabou mudando a maneira como ela se comunica com o público.
"As pessoas têm medo de expor vulnerabilidades. Quando eu falo das minhas, incentivo as pessoas a falarem também, a olharem para aquelas questões que não estão sendo faladas, pelo menos não nesse ambiente da internet". Mesmo assim, ela é franca ao dizer que não é uma tarefa simples. "Não é fácil você expor uma vulnerabilidade, é bem difícil na verdade. E é um gatilho. Às vezes eu exponho e aí eu fico 'ai, meu Deus, fiz demais'... tem coisas que eu guardo pra mim".
Luiza acredita que o empoderamento em relação ao corpo pode gerar uma espécie de prisão nas redes sociais, porque existe a pressão para parecer forte o tempo todo.
"Antes você não podia se mostrar e agora você não pode mostrar que é vulnerável. Isso acaba gerando um conflito muito grande".
Para ela, é muito importante compreender que o amor-próprio é uma caminhada diária e não uma maratona com linha de chegada. "A gente sofreu por essas coisas a vida inteira, então não é porque a gente decide que vai se aceitar independentemente dos julgamentos que eles não afetam mais a gente - num lugar inconsciente até. Então é preciso se colocar nesse lugar de eterno aprendiz em relação ao autoconhecimento".
Dez anos de dietas sem resultados
Luiza não esconde que era obcecada por ser magra no passado. Em 2017, compartilhou com seus seguidores trechos de seu primeiro vídeo no YouTube, gravado em 2012. Naquela época ela tinha planos de criar um canal chamado "Emagrecendo com a Tosca". "A ideia desse meu primeiro canal era mostrar tudo o que eu comia em um dia. Tudo mesmo: inclusive as vezes que eu furava a dieta, para que as pessoas controlassem a minha alimentação."
Foram dez anos emendando uma dieta na outra e tendo que lidar com a frustração de nunca conseguir os resultados desejados. O início da mudança de paradigma veio em 2013, durante um intercâmbio à Inglaterra que ela fez pelo programa Ciência Sem Fronteiras.
Eu estava fazendo uma dieta muito restritiva e eu tive um surto, um rompante de auto-ódio. Aí eu peguei uma câmera e comecei a fotografar as partes do meu corpo que eu mais odiava. Só que as fotos ficaram bonitas, por causa da luz e do efeito que eu passei depois. Aí eu tive um start de que a beleza era uma questão de perspectiva".
Em seguida, veio um outro ponto de virada: "Fiquei por anos dizendo para mim mesma que eu me aceito e me amo e que as pessoas que me criticam é que estão erradas. Mas aí eu passei a olhar para dentro. Lá dentro da minha armadura eu ainda era uma pessoa muito sensível e vulnerável. Eu não estava expondo essas questões, mas elas continuavam ali", desabafa. "Quando eu fui aprendendo que essa armadura não estava me fazendo bem, eu fui tentando tirar ela. Estou aos poucos tentando tirar ela. Aí eu fui, aos poucos, abrindo essas brechas para eu me expor".
O vídeo em que mostra o que comeu em um dia e o desabafo que veio com ele representam uma dessas brechas. "Mas eu não sei se eu banco fazer isso sempre. Muita gente comentou 'ai, faz mais vídeos assim', mas continua sendo difícil". Para ela, há uma diferença muito grande entre fazer receitas pontuais e mostrar como é a sua rotina alimentar. "Porque é um recorte [o vídeo de receita]. A pessoa não sabe o que de fato você comeu. É um programa de entretenimento. Eu sou muito acostumada a ver a Rita Lobo fazer um bolo maravilhoso e nem comer no final. É comum a gente ver isso, então não gera tanto julgamento".
Cadê as mulheres gordas nos programas de culinária?
A representatividade de mulheres gordas em programas e canais de culinária ainda é bem pequena. Luiza cita poucos exemplos como Raiza Costa, do canal Dulce Delight e do programa Rainha da Cocada (GNT), e a Isadora Becker, que comanda o canal Gastronomismo e séries de culinária disponíveis no Amazon Prime Video. Ambas são fontes de inspiração para Luiza.
"Enquanto mulheres gordas, a gente aprende a esconder o que a gente come. Ou a disfarçar, dizendo coisas como 'ai, eu não tô gorda porque minha alimentação é ruim, é por causa da genética'. Então a gente fica com vergonha da nossa alimentação", pontua ela - que diz receber críticas a respeito da quantidade do óleo que usa nas receitas e do jeito como come. "Existe esse aval que a sociedade dá para que todos julguem a alimentação de uma pessoa gorda".
Pode ser uma insegurança das mulheres gordas, mas existe uma coisa de as pessoas de fato preferirem, de acharem mais palatável, consumir um conteúdo culinário calórico sendo apresentado por uma mulher magra. Aí o público se sente menos mal, porque aquilo ali não vai parecer que engorda tanto - porque se a Rita Lobo está comendo, então eu também posso comer que não vou engordar.
Hoje, ela tenta manter uma alimentação equilibrada, mas sabe que não tem uma rotina alimentar sem defeitos. "Minha alimentação não é ruim, mas ela também não é uma alimentação que um nutricionista passaria como dieta. Eu até tento, mas não é todo dia que rola. Eu acabo comendo muito carboidrato, por exemplo, que é um vilão."
De todo jeito, Luiza comemora o fato de que seus vídeos de receitas sempre fizeram sucesso dentro do "Tá Querida". "Quando meu canal começou, culinária sempre foi uma das frentes dentre os outros assuntos que eu abordava. E os meus vídeos de receitas eram os mais assistidos, os que as pessoas mais pediam para eu fazer".
Para além de mostrar receitas criativas, ela acredita que há uma mensagem importante por trás desse conteúdo. "Aos poucos, eu fui percebendo que comida tem tudo a ver com corpo. Tanto o nosso corpo que precisa de alimento para estar vivo, quanto o corpo do planeta - que nos alimenta, mas do qual precisamos cuida, para que essa alimentação seja sustentável por muitas gerações ainda. Enfim... percebi que a alimentação une grande parte dos temas pelos quais eu sou apaixonada".
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