"Nunca subestime ameaças", diz delegada que sofreu stalking
Em dez anos atuando como delegada de polícia em São Paulo, Raquel Kobashi Gallinati Lombardi conta que nunca havia sofrido qualquer tipo de ameaça. Até janeiro deste ano, quando recebeu inúmeras mensagens com ameaças de morte, estupro e xingamentos impublicáveis.
Desde o dia 1º , quando a lei do stalking entrou em vigor, esse tipo de perseguição agora é crime e pode render de seis meses a dois anos de prisão. O stalking, que significa perseguição em inglês, envolve ameaças na internet e em outros meios, praticadas por pessoa conhecida ou não. A pena para esse tipo de crime pode dobrar se ele for praticado contra criança, adolescente, idoso ou mulher por razões de gênero.
Para a advogada criminalista Camila Lima das Neves, que é vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada OAB/SP e também faz parte da Comissão de Promoção à Igualdade Racial OAB/SP, a lei vem para dar um pouco mais de segurança jurídica às vítimas. "Mesmo que indiretamente, ela faz uma alusão à Lei Maria da Penha ao adotar medidas restritivas de urgência", diz.
"Nunca subestime as ameaças"
A delegada, que desde 2016 é presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de SP, foi à delegacia especializada em crimes cibernéticos para registrar as ameaças e, 24h depois, a polícia conseguiu identificar um suspeito rastreando endereço de um dos autores. As mensagens as quais Universa teve acesso não fazem sentido algum. No boletim de ocorrência, inclusive, consta que o autor, identificado como João Machado, tem problemas psiquiátricos. Mas isso, de forma alguma, minimiza o fato, e Raquel chama atenção exatamente sobre essa questão: não duvidar da maldade alheia."Quando vi as mensagens, fui à delegacia especializada em crimes cibernéticos e, em menos de 24h, localizaram ele por meio do IP. Acredita-se no anonimato de quem comete crime na internet, mas não tem essa", diz Raquel.
Nunca podemos subestimar o criminoso. Temos vários exemplos famosos de stalking, como o assassinato do John Lennon, e a perseguição à apresentadora Ana Hickmann, que poderia ter sido vítima de homicídio."
Justiça demora a dar uma resposta
Esse autor identificado foi conduzido à delegacia, ela conta, e teve seu computador e outros dispositivos eletrônicos apreendidos para a investigação. E em sua casa a polícia também encontrou espingardas usadas como enfeite, além de uma foice. Ele foi apontado como um "stalker" pelo Juizado Especial Criminal e indiciado por ameaça e injúria. Se condenado, a pena é de um a seis meses de detenção ou multa.
Para Raquel, é pouco. "Mesmo com a lei do stalking, é uma pena muito baixa para um ato que antecede crime grave como o feminicídio, lesão corporal gravíssima. E por ser um crime com pena tão fraca, o agressor não se sente intimidado", afirma.
Agora na condição de vítima, a delegada critica a lentidão da Justiça em lhe dar uma resposta. "Vi a fragilizada do sistema Judiciário. A polícia foi rápida na identificação, mas tive que aguardar 45 dias para conseguir o mandado de busca e apreensão. Detectei falhas no sistema criminal, uma morosidade sem justificativa do Judiciário."
Ainda assim, Raquel observa a importância da denúncia. Ela conta, inclusive, que após o episódio foi procurada por algumas mulheres, "incluindo pessoa famosa", que relataram ser vítimas de stalking.
Sugeri que elas denunciassem para desencorajar o criminoso. Muitas mulheres se sentem constrangidas e envergonhadas pelo julgamento que sofremos, porque nos colocam a roupagem da culpa. Tanto que sempre perguntam: 'Você conhecia essa pessoa?', ou 'O que você fez para causar tamanha raiva?'. No meu caso, perguntaram: 'Você prendeu alguém da família dele?'. Existe uma inversão de valores."
Segundo ela, "dá uma ansiedade e angústia saber que não posso baixar a guarda porque você é um alvo ambulante. Isso causa estresse emocional. Imagine mulheres que não têm a possibilidade de defesa. Eu tenho e saí da minha zona de conforto, intensifiquei a prática de artes marciais."
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