Em livro, ela conta por que escolheu ser mãe solo: "Autonomia emocional"
A carioca Bettina Boklis cresceu em uma família tradicional de classe média: pai, mãe e irmãos. Cursou faculdade, dedicou-se à carreira até assumir a direção de marketing de uma multinacional. Ela imaginava que se casaria aos 27 anos, teria o primeiro filho aos 30 e o segundo aos 33. Mas Bettina escolheu outro caminho para ser mãe: a produção independente (ou "maternidade independente", como ela prefere chamar).
O primeiro passo foi congelar os óvulos, aos 41 anos. A fertilização in vitro, com o sêmen de um doador anônimo, foi feita pouco depois, aos 42. Foram três tentativas até chegar à gestação. Hoje, Bettina é mãe de Catharina, de 8. Da escolha em ser mãe solo à criação da filha, ela conta toda sua jornada no recém-lançado livro "Maternidade Independente: Um jeito diferente de formar uma família" (Editora Jaguatirica).
A Universa, a escritora conta como pretende inspirar outras mulheres.
UNIVERSA: Por que você prefere chamar de 'maternidade independente' em vez de 'produção independente', que é a forma mais conhecida?
BETTINA BOKLIS: Produção independente é um termo muito industrial. E maternidade é amor, doação. Produção é um nome que aprendemos no passado, depois da revolução sexual dos anos 1970. Com o sexo mais livre, muitas mulheres engravidaram e partiram para essa produção independente. Esse termo ainda é muito usado mas, para mim, está fora de contexto.
No seu livro você diz que é preciso ter autonomia emocional antes de partir para o caminho da maternidade independente. Por quê?
A autonomia emocional é não precisar de outra pessoa para ser feliz. É conseguir absorver, sozinha, os momentos fáceis, difíceis e desafiadores, sem depender de ninguém. Para embarcar na maternidade independente, é preciso ser uma pessoa mais estruturada emocionalmente. Mesmo que a mulher tenha uma comunidade de amigos e família, as pessoas têm a vida delas e você tem a sua. Nesse processo, a terapia é fundamental. A avaliação de um profissional vai ajudar a pessoa a entender se ela está realmente preparada para essa jornada. Mesmo para quem já está superdecidida, é importante fazer terapia para confirmar sua decisão.
Você só contou para a sua família sobre a sua decisão de ser mãe independentemente depois que já estava grávida. Como foi esse processo?
Sim, eu sou muito introspectiva, e acho que, quanto mais você divide, mais a ansiedade aumenta. Eu contei sobre o tratamento só para uma amiga, que foi minha acompanhante na clínica para os procedimentos. Sou muito reservada, não fiquei falando para todo mundo.
Minha mãe foi a última a saber. A gente tem uma diferença de geração, não sabia como ela ia reagir. Ela levou um susto, mas meus irmãos a tranquilizaram. Quando você acredita no que está fazendo, você convence todo mundo.
Depois que acontece, é muito forte a emoção. Mas é um caminho muitas vezes solitário. Não tem quem carregue as compras para você ou saia de madrugada para comprar um remédio.
Você optou por um doador de sêmen anônimo. Por que acha que essa é a melhor opção?
Porque essa história é 100% minha. Então não fazia sentido colocar uma pessoa conhecida nela. Minha primeira opção foi pedir a doação a um ex-namorado, por insegurança. Mas ele desistiu na véspera. Aí, depois que conheci o método do doador anônimo, senti segurança, tem todo um respaldo técnico e ético. Mais tarde, percebi que foi a melhor opção. Com um doador conhecido, no futuro ele pode reivindicar paternidade, reivindicar pensão. Não é fácil trilhar essa história sozinha, mas ela é só sua. Mas, pela minha experiência, entre mulheres com quais converso, a maioria prefere escolher um doador de banco internacional, porque tem foto, currículo, histórico escolar etc. Mas esse método (doador internacional) também é mais caro e o material demora para chegar no Brasil.
Da parte burocrática do planejamento, o que você considera que é mais importante a futura mãe considerar?
O planejamento financeiro. Ter filho gera muitos gastos com educação, com saúde, além do próprio tratamento. É fundamental não depender financeiramente de ninguém e fazer um seguro de vida para o filho.
Você fala no livro sobre a importância de ter uma comunidade em volta da mãe solo. Quais são as suas dicas para formar essa comunidade, especialmente no caso da mãe independente?
Recomendo falar a verdade. Não ter medo de se abrir e ser vulnerável.
Está tudo bem pedir e aceitar ajuda. É importante ter proatividade, criar relacionamento com as pessoas, com os vizinhos. Sempre falei, conversei com a escola, com as outras mães. Não esconda a verdade sobre o seu filho, porque não é algo vergonhoso, você não fez nada errado.
As outras mães me ajudam muito, acham o máximo, costumam achar a maternidade independente bacana, corajosa. Com os homens, muitas vezes percebo um desconhecimento sobre doação de sêmen, sobre o procedimento, então explico como funciona.
Você também comenta no livro que o relacionamento entre mãe independente e filho pode ser muito intenso, e que é importante ter momentos de separação. Como faz isso?
Sim, essa relação é intensa, mas eu incentivo muito esses momentos de separação. Na maternidade independente, a criança sabe que só tem a mãe, você é tudo na vida dela. Então ela fica muito insegura. Por isso é importante ter um distanciamento saudável, criar outros vínculos.
Quando eu trabalhava na multinacional e viajava a trabalho ou quando tirava férias sozinha, a Catharina ficava com a minha mãe e a babá. Essa separação não é tranquila, muitas vezes ela chorava, pedia para eu voltar. Conforme ela vai ficando mais velha, ela entende mais, mas ainda fica com medo da mãe não voltar. Mas isso não é uma questão exclusiva das mães independentes, muitas mães separadas com pais ausentes passam por isso também.
Em algum momento faz falta não ter o pai de sua filha presente?
Nos momentos de conflitos ou dúvidas sobre a educação. Na adaptação escolar, por exemplo, ela teve fases de chorar muito. E também nos momentos de conquista, nos aniversários.
Quando minha filha fez um ano, foi um momento muito marcante. Eu gostaria de ter tido uma pessoa para dividir esses momentos. Sinto falta de ter outra visão. Acho que o homem tem um comportamento diferente, costuma ser mais pragmático, traz um equilíbrio.
Às vezes, divido essas questões com meus irmãos. Mas algumas amigas dizem que sou feliz e não sei (risos).
Como contar aos filhos que eles são fruto de uma maternidade independente?
Fui orientada pela minha terapeuta a responder apenas ao que minha filha perguntava, sem enrolar. Quando ela perguntou pela primeira vez onde estava o pai dela, aos três anos, expliquei que na nossa família tinha só a mamãe. Por volta de quatro anos, se algum amiguinho perguntava, ela respondia que o papai tinha morrido. Ela não sabia explicar, então, na cabeça dela, ela mudou a história. Então senti que precisava dar mais informações para ela e produzi um livro bem lúdico contando nossa história. Quando ela ficar mais velha, vai querer saber mais. Mas, por enquanto, o livro a abasteceu de respostas.
Muitas mulheres sentem a pressão de encontrar um companheiro para iniciar uma família conforme vão ficando mais velhas. Como foi passar a se relacionar sem essa pressão, depois de ter a sua filha?
A pressão de encontrar um parceiro para ter filhos é horrorosa. Quantas mulheres não casam para ter filho e acabam se separando depois? Se eu soubesse, teria congelado meus óvulos mais cedo, com trinta e poucos anos. As pessoas não investem em previdência privada? O congelamento de óvulos é uma previdência da maternidade. É muito melhor se relacionar sem essa pressão, você estar com a pessoa porque você quer, não porque precisa. Um alívio total.
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