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"Fazia sexo pra agradar as pessoas": atriz conta como se descobriu assexual

Priscilla Avila é atriz e se descobriu assexual aos 29 anos - Divulgação/Esdras Vieira
Priscilla Avila é atriz e se descobriu assexual aos 29 anos Imagem: Divulgação/Esdras Vieira

Priscilla Avila em depoimento a Nathália Geraldo

Colaboração para Universa

10/04/2021 04h00Atualizada em 12/04/2021 10h15

"Sou uma atriz de 35 anos, assexual e vista como uma mulher sensual. Sou boa em dançar, tenho lábios grandes, tudo que é considerado o estereótipo da sensualidade. Sinto uma força sensual em mim, mas isso não significa uma questão sexual, é pela beleza da vida.

Descobri minha sexualidade em 2017, quando fiz um roteiro sobre as prostitutas do Rio de Janeiro e, depois, resolvi fazer um sobre pessoas assexuais. Até hoje, tenho algumas dúvidas, porque é difícil se conhecer inteiramente. Mas, quando passamos dos 30, as coisas mudam. Antes, você vai mais pela opinião dos outros, de namorado falando coisas que fazem você pensar que é doida. Mas a terapia também ajudou nisso.

A atriz Priscilla Avila - Divulgação/Esdras Vieira - Divulgação/Esdras Vieira
A atriz Priscilla Avila
Imagem: Divulgação/Esdras Vieira

Quando fiz o roteiro dos assexuais, eu já tinha interesse pelo tema, porque me sentia estranha. A maioria dos meus relacionamentos era à distância, por exemplo, principalmente depois de 2008, em que tive um namorado abusivo, o que foi bem traumático. Para mim, esse negócio de tocar, de ficar muito junto... Não gostava.

Desde os 10 anos, eu era abusada. Nasci em Minas Gerais e cresci em Itabuna (BA), onde comecei a fazer teatro. Na escola, os meninos me trancavam numa sala para tocar meus seios e minha vagina por muitas vezes.

No início, achei que a assexualidade era mais um trauma de homens do que sexual. Cheguei a ter desejo por mulheres, mas também não gostava muito. Namorei homens, e eles falavam "Você vai se liberar", achavam que iam me "consertar".

Eu sinto toda a questão física com a estimulação e consigo me masturbar. A pessoa assexual não é frígida. Consigo a estimulação com outras pessoas, mas isso não significa que eu queira. E percebi que fazia isso mais para agradar os outros do que eu mesma. Inclusive, acho até melhor a estimulação sozinha.

A mulher livre, muitas vezes, é vista como aquela que tem que fazer sexo com todo mundo, independentemente do meio que ela está inserida. No meio artístico, não é diferente. Entendo que há mulheres que querem, e sendo o desejo delas, isso é muito válido, mas sabemos que, na realidade, nem sempre é assim.

Na minha vida profissional, vi muitas vezes essa liberdade sendo exposta pelos anseios fetichistas dos próprios homens, diretores, escritores e produtores, e não como uma conquista da mulher independente e isso é que eu considero perigoso. Em 2016, aliás, fui abusada em um banheiro por um ator conhecido, que disse que 'via nos meus olhos que eu queria'.

Priscilla Avila é atriz e se descobriu assexual - Divulgação/Esdras Vieira - Divulgação/Esdras Vieira
Priscilla Avila é atriz e se descobriu assexual
Imagem: Divulgação/Esdras Vieira

Os homens têm essa ideia primitiva ao ver uma mulher com liberdade para conversar com as pessoas de peito aberto. Já ouvi de namorado que era daqueles homens espiritualizados, neomachista, que ia me levar para tomar ayahuasca, porque dizia que sentia minha energia e que eu precisava ser de tal forma.

E eu até tentei seguir o estereótipo de tentar ficar com as pessoas só para fazer sexo, há uns seis anos, mas isso só me machucou. Percebi que fazia para não ser desagradável, enquanto não via a hora de aquilo terminar.

Já fiquei muito tempo sem sexo, a maioria das vezes, por um ano, e não mudou nada na minha vida. Eu achava que nem tinha desejo sexual. Mas, nos Estados Unidos, para onde me mudei para fazer minha carreira, e que consegui visto de trabalho em janeiro do ano passado, eu experimentei maconha. Aí fiquei mais sensível. Pensava: "Então é assim que as pessoas são?".

E, neste momento, me senti uma vítima do meu corpo. Foi engraçado perceber isso, porque acho que muita gente é dominada pelos seus desejos, e nas relações não pensa em falar com as pessoas pela troca, mas por ser escrava deles. Para minha vida, eu acho isso negativo, porque gosto muito de estudar, conhecer pessoas e isso empata tudo. Nos colocamos em um flow na vida que, como alguns gurus falam, tiram o foco do nosso verdadeiro eu.

Nos Estados Unidos tive contato com grupos de pessoas que se reuniam para falar da assexualidade.

Há pelo menos três tipos de assexuais: os que não querem ter parceiros de romance nem sexuais, os que não querem romance nem sexo e os que podem fazer sexo se confiarem muito nas pessoas, dependendo de uma relação intelectual com alguém, os demisexuais [geralmente uma classificação mais próxima dos assexuais do que dos não-assexuais].

É um tabu falar sobre isso. Todo mundo querendo que você seja a 'fodona' e você se sentindo a chata por não fazer sexo. Por isso que escrevi o roteiro sobre o tema, para tentar colocar no audiovisual. Para mim, o mais importante é as pessoas não acharem que ser uma mulher feminina e sensual é entrar na sexonormatização do mundo só para agradar."

Priscilla Avila é atriz brasileira. Atuou em um filme indiano, "Mosagallu", que estreou nos cinemas da Índia e dos Estados Unidos. Esteve na série "171 Negócio de Família" (2017), da Universal Chanel e fez participações em filmes menores.