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Estupro e luta com passageiro: mulheres motoristas de app relatam assédios

A motorista de app Ana Paula Aparecida de Oliveira, que foi assediada durante corrida - divulgação
A motorista de app Ana Paula Aparecida de Oliveira, que foi assediada durante corrida Imagem: divulgação

Priscila Carvalho

Colaboração para Universa

12/04/2021 04h00

Relatos de assédio a passageiras nos meios de transporte por aplicativo são inúmeros. Mas pouco se fala sobre as violências a que estão sujeitas as motoristas que trabalham nesse mercado. "O passageiro colocou a mão na minha coxa, falou que eu era gostosa e que não ia resistir", conta a motorista Valéria Silva, 37 anos, de Barueri (SP), ao relembrar como começou a tentativa de estupro que sofreu três anos atrás enquanto trabalhava para o aplicativo Uber.

Como Valéria, Ana Paula e Ester também encontraram no trabalho extra como motorista de app uma forma de complementar a renda. Mas acabaram passando por situações de assédio e hoje carregam um trauma. A Universa, elas detalham como reagiram.

A motorista de app Valéria Silva - arquivo pessoal - arquivo pessoal
A motorista de app Valéria Silva
Imagem: arquivo pessoal

"Avisei outros motoristas que eu estava em perigo"

"Sou corretora de imóveis e trabalho como motorista de Uber com viagens noturnas para complementar minha renda. Há três anos, peguei um passageiro que, depois de alguns minutos de corrida, pediu para retornar ao local de partida porque havia esquecido algo.

Ele começou a ficar bem agitado, provavelmente estava sob o efeito de drogas. Depois, pediu para parar em um posto de gasolina para fazer xixi. Fiquei desconfiada e compartilhei minha localização com um grupo de amigos, que também eram motoristas, para que eles ficassem em alerta, caso eu precisasse de ajuda.

Ao retornar para o carro, o homem sentou no banco da frente, o que me assustou. Tentei ficar calma, mas depois disso, ele colocou a mão nas minhas coxas e tentou me beijar à força. Dei um empurrão, mas o cara começou a abrir minha blusa. Dei um soco para me defender

Felizmente consegui parar o carro e um amigo motorista, o Felipe, que estava ali perto e havia recebido meu alerta, veio me ajudar. O cara saltou do carro e fugiu.

Relatei o que me aconteceu a Uber e a empresa prestou suporte e disse que o passageiro seria banido da plataforma. Na época, preferi não fazer boletim de ocorrência. O agressor tinha meus dados. Quem me garante que ele não ia pegar a placa do meu carro e fazer algo comigo? Ele estava drogado e fiquei com medo." Valéria Silva, 37 anos, trabalha como motorista de app em Barueri (SP)

"Ele puxou meu rosto e tentou me beijar"

"Tenho mais de 25 mil corridas no currículo, trabalho há quatro anos para as plataformas Uber e 99. Em 2019, passei por uma situação dessas de assédio em uma corrida de madrugada, na zona norte de São Paulo.

Aceitei uma viagem pela 99, com três amigos saindo de um bar sexta-feira à noite. Lembro que era 13 de abril, Dia do Beijo, e os homens fizeram umas gracinhas durante o trajeto. Depois de deixar dois deles no endereço de destino, segui com o terceiro.

Ele estava alcoolizado e começou a me pedir beijo. Pedi educadamente que parasse com aquela conversa umas três vezes. Na última tentativa, ele puxou meu rosto e tentou me beijar. Na hora, parei o carro e o expulsei

E ele ainda me xingou de arrogante. Depois disso, liguei para o setor de segurança do aplicativo para formalizar a reclamação. Eles falaram que eu não ia mais ter contato com o passageiro e que iam agir. Fiquei com medo que cancelassem o meu cadastro na plataforma porque, geralmente, os motoristas são descredenciados e o passageiro é entendido como certo. Mas naquele caso, eu estava certa." Ana Paula Aparecida de Oliveira, 38 anos, trabalha como motorista em São Paulo (SP)

Ester Carvalho, motorista de app - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Ester Carvalho, motorista de app
Imagem: arquivo pessoal

"Passageiro perguntou quanto eu cobrava para sair com ele"

"Sempre trabalhei de manhã para não me colocar em situações de risco. Mas, mesmo assim, não teve jeito. Um dia, um passageiro falou no carro para eu não levá-lo a mal e perguntou quanto eu cobrava para ser acompanhante dele. Na hora respondi que ele estava me confundindo, mas abordagem não parou ali. Ele perguntou que perfume eu estava usando.

Olhei pelo retrovisor e percebi que ele tinha soltado o cinto e veio perto do meu pescoço. Pegou o meu rosto e tentou me beijar. Eu joguei o carro em cima de uma ciclofaixa, liguei o pisca alerta e pedi para ele descer imediatamente

O passageiro se recusou a sair do carro e eu precisei chamar a polícia. Falei que quem anda no meu carro tem que me respeitar. Por sorte uma viatura estava passando na hora e como achou estranho o carro em cima da ciclovia, vieram até mim perguntar o que estava acontecendo. Expliquei tudo e os policiais tiraram o homem do meu carro ainda o obrigaram a pagar a corrida. Reportei à plataforma com o termo assédio." Ester Carvalho, 44 anos, trabalha em São Paulo (SP)

O que dizem a Uber e 99?

Natália Falcón, gerente de comunicação para assuntos de segurança da Uber, explica que uma das opções mais seguras caso a motorista ou a passageira se encontrem em uma situação de ameaça, é a gravação de áudio, que pode ser acessada pela central de segurança no próprio aplicativo durante as viagens, caso queiram reportar algum problema ou situação constrangedora. Também há opções de acionar a polícia.

Já a 99, por meio de nota, informou que disponibiliza serviços de segurança, que incluem câmeras de segurança dentro do veículo, gravação de áudios e compartilhamento de rota e ligação para polícia.

Desde o ano passado, a Uber criou a opção U-Elas, na qual permite que motoristas mulheres escolham receber viagens apenas de passageiras. De acordo com a empresa, este é o primeiro passo para aumentar a base de motoristas, mas a opção ainda não está disponível para as passageiras. "Como temos mais mulheres usuárias do que mulheres dirigindo, a experiência seria terrível para ambas: as usuárias mulheres teriam de esperar muito tempo por uma motorista, enquanto a motorista teria de dirigir muito mais para pegar essas usuárias", diz Falcón.

A 99 informou que também disponibiliza desde 2019 a opção de motoristas mulheres transportarem somente usuárias. "A companhia checa as informações por meio de documentação e de verificação facial. Já as passageiras são avisadas que foi enviada uma motorista exclusiva para mulheres."

Há ainda a opção "Ártemis", algoritmo desenvolvido em parceria com a consultoria feminista Think Olga que rastreia automaticamente denúncias de assédios deixadas por passageiras ao fim das corridas. Ambas disseram que, em casos de assédios, o passageiro ou motorista é banido da plataforma.

Dicas de segurança

Para motoristas
-Peça sempre para o passageiro sentar no banco de trás, do lado direito. Assim, é mais fácil perceber qualquer ação ou movimento suspeito;
-Acione o aplicativo da empresa ou a polícia caso perceba algo estranho;
-Denuncie para plataforma e reporte com os dados do passageiro quando se sentir desconfortável;
-Faça boletim de ocorrência.

Passageiras
-Compartilhe sempre a rota com familiares próximos e preste atenção no caminho que o motorista está fazendo;
-Sente sempre atrás do motorista e nunca no banco da frente;
-Em caso de assédio, denuncie à plataforma;
-Faça um boletim de ocorrência. O documento é importante para ajudar na identificação dos criminosos e sem ele não é possível monitorar os casos de violência contra a mulher.