Ativista, ela é a 1ª mulher negra diretora em órgão de ciências criminais
"A oportunidade venceu a meritocracia". Ester Rufino crava a frase ao explicar para Universa o que representa ser a primeira mulher negra a ocupar a diretoria do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o IBCCRIM. O órgão foi criado em 1992, após o episódio do Massacre do Carandiru, em que 111 presos foram mortos em uma ação da polícia de São Paulo.
Ativista antirracista, Ester se formou em advocacia por bolsa de estudo na Faculdade Zumbi dos Palmares em 2014. Além do diploma, tem vivência: mora no extremo leste de São Paulo (prefere não identificar o bairro) e milita desde 2004 na Educafro, que luta pela inclusão de pessoas negras no Ensino Superior.
Mãe de três filhos, era empregada doméstica até conseguir frequentar a universidade. Concluiu o curso oito anos depois, por ter se engajado na luta pela defesa das cotas raciais e sociais em uma época em que a medida ainda era bastante questionada.
Na diretoria do IBCCRIM, quer colocar lente sobre as políticas públicas do Estado para a população negra, relacionando também as questões de gênero. "Sou uma ativista da sociedade civil que agora está dentro de uma gestão estatutária para pensar sobre a violência contra a mulher negra, os encarcerados. É algo histórico para o Instituto".
Visibilidade a mulheres negras e ações no Instituto
Eleita por unanimidade pelos associados da entidade, Ester faz parte da diretoria de Segurança Pública do Instituto, no biênio 2021/2022. Na prática, seu trabalho será pensar e promover ações relacionadas ao encarceramento em massa, à prisão de inocentes por falta de julgamento correto, às prisões femininas e à violação das mulheres encarceradas, pretas e pobres.
"Temos também discussões agendadas com governadores sobre letalidade policial, por exemplo. Há planos de convênio para letramento racial [o entendimento de como a raça é um fator social e a necessidade de ações antirracistas] dos guardas municipais de São Paulo", adianta Ester.
O IBCCRIM promove cursos nas áreas de direitos humanos, segurança pública e políticas relacionadas à realidade criminal e penitenciária, além de atuar no campo político, monitorando, por exemplo, projetos de lei ligados aos temas. Faz ainda a publicação de estudos de Ciências Criminais.
O ineditismo da ativista negra dentro do IBCCRIM vem na esteira de outra mudança interna: sob a presidência de Marina Coelho Araújo, o Instituto determinou em março deste ano uma cota mínima de 20% de membros autodeclarados negros e negras para composição da Diretoria e do Conselho Consultivo.
"Isso foi a virada de chave. Havia mulheres negras chefes de departamento, como a advogada Juliana Souza, eu mesma era coordenadora adjunta do Departamento de Concessão de Bolsas de Estudos e Desenvolvimento Acadêmico. E tinha o professor Silvio Almeida", explica. "Mas se não tivesse uma mudança, já que para diretoria teria que ter pelo menos 10 anos de casa, as mulheres negras não seriam contempladas tão cedo."
Para Ester, o desafio para o Brasil é olhar com urgência para o racismo estrutural e o institucional que estão entranhados na sociedade. A visibilidade a mulheres negras e o combate às violências que elas e homens negros são expostos no dia a dia também faz parte desse processo.
"Isso de ver as mulheres negras lutarem pelas questões do encarceramento, nos movimentos negros ainda é novo no Brasil. A Débora [Maria da Silva, criadora do movimento Mães de Maio], no entanto, é minha professora. É que isso aprofundou com a morte de Marielle Franco. As instituições começam a entender que mulheres negras existem", pondera.
Porém, temos essa visibilidade devido ao sangue de negras e negros que tombaram. Ela vem a troco de sangue e de dor. Mas o Brasil tem a obrigação de lutar contra o racismo estrutural e institucional, inclusive colocando a questão de gênero, que é gritante.
"Qual é a vacina para esse sangramento?"
Preocupada com o efeito da pandemia de coronavírus sobre as pessoas negras, que tem aprofundado as desigualdades raciais no Brasil, Ester cita o conceito de necropolítica, do filósofo camaronês Achille Mbembe, para a forma com que o Estado tem lidado com a situação.
"A necropolítica é algo que nos marca para morrer. Aquele 'eles combinaram de nos matar', da escritora Conceição Evaristo, e esse conceito só se amplia na pandemia. Morremos de covid, no feminicídio, no genocídio dos jovens negros, em conflito policial. Que vacina vamos ter para parar esse sangramento? Eu preciso gritar, como mãe, periférica, negra, para que o país entenda de uma vez por todas. Senão, não vão enxergar nossos filhos morrendo".
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