Sueca que contou história da vulva em HQ quer te fazer acreditar no amor
"Achava que no Brasil as pessoas eram mais românticas", diz, surpresa, a quadrinista sueca Liv Strömquist, 42, em entrevista a Universa, ao ouvir que por aqui não faltam reclamações do tipo "ninguém quer nada sério".
O motivo de termos chegado a esse assunto é o novo livro de Liv lançado no país, "A Rosa Mais Vermelha Desabrocha" (Companhia das Letras), em que ela afirma vivermos uma espécie de crise por, justamente, não nos entregarmos ao amor.
A quadrinista ficou famosa no país em 2018 ao publicar o livro "A Origem do Mundo", campeão de vendas na categoria quadrinhos, em que trata da relação da humanidade com a vagina e a vulva ao longo da história.
Na nova obra, usa diversas referências de peso, do filósofo coreano Byung-Chul Han à socióloga marroquina Eva Illouz, passando por ícones pop, como Leonardo Di Caprio e Beyoncé, para mostrar que o problema moderno é tratar pretendentes como produtos, igualmente dispensados no primeiro sinal de defeito, e lidar com nossos afetos de maneira racional até demais.
Também analisa a transposição do poder masculino para as relações amorosas. "Antes, era só o homem que tinha dinheiro, poder, em muitos lugares era o único que votava. Agora não têm mais isso, e ele usa a distância emocional como uma maneira de manter controle sobre as mulheres", afirma.
As consequências recaem sobre nós: na tentativa de se defender desse comportamento, as mulheres acabam reproduzindo a estratégia se mantendo distantes emocionalmente e, muitas vezes, fingindo que é um ato de amor-próprio e autoconfiança. "Sou a favor do empoderamento entre grupos oprimidos. É importante saber quem você é. Por outro lado, dizer o tempo todo que uma mulher precisa se valorizar ou ser poderosa pode ser outro tipo de opressão. É humano ser fraca, se sentir frágil e, às vezes, sofrer por estar infeliz no amor."
Leia mais trechos da entrevista.
UNIVERSA - Você apresenta diversas teorias sobre relacionamentos em seu novo livro. Chegou a alguma conclusão sobre qual a melhor maneira de amar?
LIV STRÖMQUIST - Para mim, a conclusão é de que é um alívio entender que o amor está fora do nosso controle e poder aproveitar o sentimento. Mesmo que seja muito doloroso. Em vez de tentar agir da maneira mais correta ou racional, é melhor se render ao fato de que o amor é incontrolável e há coisas que precisamos apenas aceitar. A razão de eu escrever esse livro é porque vivemos em um momento que somos ensinados a ser muito racionais, a ter controle de tudo. E tenho a sensação de que o amor é visto como algo estranho. A verdade é que ele ocorre de maneiras misteriosas e fora do nosso controle.
Sempre foi romântica?
Não. Há dez anos, lancei um livro aqui na Suécia e a conclusão era de que amor e romance eram construções sociais. Mas mudei. Escrevi o novo livro porque venho pensando sobre o amor em relação a mim mesma. Me casei, tive dois filhos, comecei a morar com outro homem, tive outro filho. Como a gente sai e volta para o amor? Como se mantém apaixonada? São questões que me fazem refletir.
É muito comum ver mulheres que expressam sua paixão sem que seja recíproco serem chamadas de "trouxas". Por quê?
Acho que tem a ver com uma teoria da socióloga Eva Illouz que apresento no livro. Os homens mudaram a maneira de demonstrar poder. Antes, ser poderoso era ter todo o dinheiro, em muitos lugares só os homens podiam votar. Era o velho privilégio patriarcal. Agora não tem mais isso, e ele passou a usar a distância emocional como uma maneira de ter controle e poder sobre as mulheres. Dessa maneira, nós que temos que tomar a iniciativa, dizer que queremos ficar juntos e ter filhos.
Ou então se afastar, reproduzindo o comportamento masculino?
Sim. As mulheres também agem para ter poder. Igualar a distância e dizer que também não quer é uma maneira de resolver o problema. Posso ter outro como você amanhã. E aí são indivíduos que entram numa competição para ver quem é mais distante. Não estou dizendo que vale para todos. Para algumas pessoas, esse comportamento é ok, é o que elas preferem.
Qual seria a melhor resposta feminina para o distanciamento dos homens?
Uma estratégia interessante é você valorizar seus próprios sentimentos. Em vez de dizer que não sente nada, de fingir que não liga para a outra pessoa, fale o que sente, viva isso. Considero isso ter poder. Eu costumava ter muito medo desse clichê horrível da mulher lunática que se recusava a desistir de um homem, para mim era um tabu, era algo muito estigmatizado. Mas o amor pode vir de qualquer lado, pode ser contagioso e eventualmente acontecer.
Muita gente reclama de vivermos em um momento que "ninguém quer nada sério". Por que é tão difícil se relacionar hoje em dia?
Acho que há um lado positivo no momento que estamos vivendo porque você já não é tão dependente do outro como era no passado, principalmente em relação às mulheres. Várias podem se manter sozinhas, se divorciar se for o caso. Mas o paradoxo é que nós usamos muito tempo para pensar no amor, o que nossas mães e avós talvez não fizessem. É muito típico do nosso tempo, temos que interpretar mensagens de texto, adivinhar porque tal pessoa sumiu.
No livro, você aponta alguns perigos do discurso do "empoderamento". Como isso pode prejudicar as mulheres?
Primeiro preciso dizer que sou a favor do empoderamento de mulheres e de grupos oprimidos no sentido de saber quem você é e deixar de sentir mal por isso, que é um efeito da opressão. Mas há também a ideia de dizer para a mulher o tempo todo: 'Seja poderosa', 'se valorize', 'seja uma rainha'. Por outro lado, é outro tipo de opressão. Não é humano ser poderosa e forte o tempo todo. Se sentir triste, fraca, isso é parte da vida. Às vezes, sofrer por estar infeliz no amor, também. É duro dizer para uma mulher que não pode sofrer por amor. Eu defendo um feminino que abarque as mulheres como seres humanos. Talvez você esteja apaixonada por um idiota e pensa: 'Sou uma feminista esperta, deveria lidar com isso melhor'. Fica se punindo. É muito ruim para você. E só para deixar claro, não estou falando de relações com algum tipo de violência.
Acha que é mais difícil para uma mulher feminista ter um relacionamento com um homem?
Acho que sim. Se você está com um homem e o ama, mas ao mesmo tempo o vê como a personificação da opressão, fica complicado. Ele pode ser seu melhor amigo, seu amante, e, ao mesmo tempo, seu inimigo. Pode ser exaustivo.
Seu livro será lançado em países com culturas muito diferentes, como Brasil, Rússia e Japão. Acredita que há algo em comum nesses lugares quando o assunto é relacionamentos?
Não sei dizer. Acho que cada lugar tem sua questão. No Japão, por exemplo, sei que as pessoas não estão se unindo, tendo filhos. Eu pensava que no Brasil as pessoas eram tão românticas, não imaginei que vocês pudessem ter uma experiência tão semelhante quanto a que discuto. Mas acredito que o livro precisa ir para lugares que já tiveram uma mensagem feminista muito forte sobre a mulher sair de relações violentas e agressivas. Que já tiveram dado esse primeiro passo de dizer 'idiotas, caiam fora'. Até de empoderamento, que nesse primeiro momento é importante.
Uma das críticas que você cita no livro é direcionada ao ator Leonardo DiCaprio e sua extensa lista de namoradas, todas muito parecidas. Que conselho amoroso daria a ele?
Ela é um cara que constantemente troca de parceira e usei seu nome porque é engraçado, mas não o julgo e desejo o melhor para ele. Foi um exemplo da pessoa que olha para a outra com um jeito individualista, pela via do consumo, que impõe uma distância e, no momento em que a relação fica chata ou que tem argumento para terminar, troca de par. Diria que é um jeito de não explorar a vida, de não ver quão interessante é ter uma conexão romântica profunda. Se distanciar do sentimento é pagar o preço de não viver essa experiência humana. Se apaixonar é a melhor coisa da vida.
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