"Após ter um câncer e quase morrer, fundei grupo pra mulheres com a doença"
Em 2016, eu tinha 35 anos e trabalhava em uma rede de lojas de tecidos como operadora de caixa na zona norte do Rio de Janeiro. Minha vida se resumia em ir para o trabalho e voltar para casa, não tinha tempo para me cuidar e cuidar da minha casa onde morava com meu companheiro e sua família. De repente, vi minha vida mudar radicalmente ao descobrir o câncer de mama já em fase avançada. Em um curto espaço de tempo, depois de um tratamento delicado, perdi os cabelos, dentes e emagreci 27 quilos.
O primeiro nódulo, que em 2016 eu descobriria ser um câncer de mama, apareceu em 2009, e quem descobriu foi o meu marido, Bruno. Ao me tocar, percebeu um caroço nos seios que o deixou preocupado. Em sua família, onze mulheres, uma delas sua mãe, tiveram câncer de mama e por isso o imediato estranhamento. Fui ao médico, e mesmo depois da ultrassonografia acusar o nódulo, ele disse que o cisto sumiria com o tempo.
Passados cinco anos, o nódulo aumentou, e o médico continuou despreocupado. Decidimos então procurar outro especialista. Já na primeira consulta, a médica pediu com urgência um exame detalhado, pois não estava otimista como o colega. Na biópsia, a avaliação era preocupante, e o resultado acusou um tumor de grau três [câncer mais provável de se disseminar], que nos fez correr para conseguir uma vaga no INCA [Instituto Nacional de Câncer].
Entre a quimioterapia, a cirurgia para retirar a mama e a radioterapia, o momento que mais me marcou foi perder os cabelos. Eu me desesperei quando percebi que, catorze dias depois da primeira quimio, eles começaram a cair. Para disfarçar as falhas, eu colava-os com super bonder quando uma grande quantidade caia e pintava o couro cabeludo com sombra de olhos preta.
Diante dessa pirotecnia, tive muitas dores de cabeça, não consegui dormir deitada devido à infecção que se desenvolveu e me isolei. Até que um dia, para acabar com aquele sofrimento, meu marido decidiu raspar de uma vez. Eu fiquei careca, e a ficha realmente caiu ao ver a nova imagem no espelho. Foi como viver a cena da personagem com câncer da atriz Carolina Dieckmann [em Laços de Família, 2001]. Gritei e chorei muito.
Mas o pior estava por vir: o tratamento durou em média um ano e três meses, e, além do cabelo, perdi sete dentes. Uma vez, internada com infecção generalizada no corpo, os médicos afirmaram ao meu marido que eu tinha poucas chances de sobreviver, e recomendaram que ele encomendasse o meu velório e enterro.
Em dezembro de 2016 fiz a última quimioterapia e três meses depois a cirurgia de retirada de mama.
Em dezembro de 2017, ainda em tratamento da hemoterapia no INCA, que dura em média dez anos após a cirurgia, tive complicações no útero e no ovário que acarretaram uma suspeita de um novo câncer. Para prevenir algo mais grave, precisei tirá-los em uma histerectomia radical laparoscópica vertical. Assim, perdi a chance de realizar mais um sonho: engravidar.
Apesar de outras complicações durante a radiografia que me fizeram perder 27 quilos, Deus me deu mais uma chance. Sobrevivi.
O objetivo do 'Unidas para sempre' é celebrar a vida
A maternidade tinha acabado para mim, e aquilo mexeu muito comigo. Decidi então que deveria fazer algo por outras mulheres que também sofrem de câncer. Assim nasceu o "Unidas para Sempre" , em meio a muita dor e com o objetivo de aliviá-la. um grupo criado para acolher as mulheres com câncer de mama, a primeira pessoa que ele ajudou foi a mim mesma. Foi o filho que eu gerei.
Durante todo o tratamento me fortaleci nas amizades que fiz com mulheres que viviam o mesmo que eu. Tínhamos um grupo no Facebook e outro para conversarmos no Messenger. Neles reuniam mulheres do Brasil todo com o intuito de compartilhar experiências e não ficarmos sozinha durante esse momento tão difícil.
Ainda no período de tratamento, fiz uma viagem inesquecível e fiquei na casa de uma dessas amigas em Santos [SP] durante cinco dias. Conheci cachoeiras, passeei de barco, e conversamos sobre criar um grupo para que mulheres com câncer de mama pudessem se encontrar presencialmente.
No início de 2019, já recuperada, criei o grupo, e minha amiga, em estado terminal, participou de alguns encontros antes de falecer. O nome, "Unidas para sempre", foi uma homenagem a essa amizade que me fortaleceu nos momentos mais difíceis do tratamento.
Atualmente temos 3 grupos para trocas e acolhimento. No whatsapp são dois grupos com o total de 357 mulheres, e nas atividades presenciais participavam em média de 80 a 100. Já no Facebook é mais amplo, cobre o Brasil todo, e reunimos cerca de 10 mil mulheres.
Antes da pandemia, os encontros mensais eram presenciais e aconteciam em favelas do Complexo do Alemão. As mulheres com câncer de mama acolhidas são em sua maioria de comunidades do Rio de Janeiro e já conseguimos doar pequenos kits com maquiagem, lenços, hidratantes, roupas e sapatos.
Nosso objetivo é celebrar a vida juntas e nos acolher. Com os anos, o grupo cresceu, e atualmente acolhe mulheres de todas as classes sociais, idades e com qualquer tipo de câncer. Pois o tratamento, independente de qual grau ou tipo, acaba com a autoestima de uma mulher.
No início da pandemia, distribuímos cestas básicas, máscaras e álcool em gel àquelas que precisam. E para amenizar as dores do tratamento e evitar o isolamento completo, mantivemos as celebrações mensais de forma online. Neste período, percebi, mais do que nunca, que o 'Unidas para sempre' além de acolher aquelas que chegam, também me ajuda a celebrar cada vez mais essa segunda chance de viver que ganhei.
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