"Mulher bomba", "véu assusta": brasileiras muçulmanas relatam preconceitos
Na última terça-feira (13), o Instagram lançou stickers em comemoração ao mês do Ramadã, que vai até o dia 12 de maio. O uso exagerado e mal feito das figurinhas na rede social gerou um desconforto e incômodo para a comunidade muçulmana, já que perfis aleatórios usavam as imagens para promover páginas e produtos. Só que a falta de informação e interesse em pesquisar mais sobre a celebração e a religião islã não se limita somente às redes sociais. Diariamente muçulmanos sofrem com estereótipos, além de xenofobia e intolerância religiosa.
Universa conversou com quatro brasileiras muçulmanas sobre as ofensas e termos preconceituosos que já ouviram no país. À reportagem elas também contam como o uso do hijab (véu usado para cobrir os cabelos, orelha e pescoço) sofre ainda estigmas, como a discriminação no mercado de trabalho, e vira, indevidamente, motivo de piadas.
"Olha a mulher bomba"
"Meus pais não nasceram no Brasil. Eles são da Palestina. Desde pequena, fui criada com a religião inserida na minha vida e com a cultura árabe. Eu cresci em Pelotas (RS), cidade de menos de 400 mil habitantes. A comunidade muçulmana não era tão grande, então, não sofria com tantos olhares ou preconceitos.
Como não uso o hijab, eu passava despercebida nos lugares e dificilmente sofria algum olhar. Mas quando íamos para cidade vizinhas, minha mãe sempre recebia olhares por causa do véu. Algumas pessoas não sabem, mas o hijab é uma ordem de Deus e a mulher tem o livre arbítrio de usá-lo ou não. Mesmo não vestindo o lenço, já ouvi coisas horríveis, sim.
Uma vez estava na rua com minha mãe, que usa o hijab, e um pessoal de carro passou e gritou 'olha a mulher bomba'. Foi bem constrangedor. Além disso, eu tenho um nome árabe, então quando vamos para o aeroporto, tenho três vezes mais chance de ser parada do que uma pessoa com nome 'comum'.
Além da intolerância religiosa, o islã sofre com estereótipos de que a mulher é submissa e que a religião é opressão. E não é. O islã trouxe o direito de herança, voto e outros. O problema não é a religião, e sim, o machismo que está na sociedade e isso está em qualquer religião. Eu me sinto mais segura de andar na Palestina à noite, do que no Brasil, por exemplo.
No uso dos stickers, acho que faltou sensibilidade e empatia. Vi marca de sex shop usando figurinhas. O objetivo não foi bem usado". Hyatt Omar, 22 anos e estudante de psicologia, mora atualmente no Canadá @hyattomar
"Você pode tirar isso?"
"Antes eu era cristã e me converti ao islã depois de uma viagem à Nova Zelândia. Comecei a estudar a religião, me identifiquei e faz nove anos que me converti. No começo foi um pouco complicado para minha mãe entender, mas hoje ela super entende. Infelizmente há uma visão deturpada da religião e sempre associam ao terrorismo.
O preconceito existe e já passei por situações ruins na internet e fora dela. Algumas pessoas falam que nós, muçulmanos, não acreditamos em Deus e nos taxam como anticristos, principalmente quando ocorre algum ataque na Europa.
Um dos principais preconceitos que sofri foi a imersão no mercado de trabalho. Sempre preenchia os perfis para a vaga e depois vinham os questionamentos com a minha religião e ainda perguntavam se eu podia tirar o lenço. Algumas pessoas falavam "você pode tirar isso aí'. Só isso já machuca.
Também sofremos com os estigmas e acham que as mulheres não têm direitos. Minha religião já me garantiu direitos e o sistema machista patriarcal existe em todas as sociedades." Fabiola Oliveira, 32 anos, professora e ativista @fabiolaoliver
"O véu vai assustar as crianças"
"Eu nasci brasileira e meu pai é libanês. Nasci aqui e, desde sempre, cresci na comunidade muçulmana. Na infância, estudei em uma escola islâmica e depois mudei para um colégio normal. Como eu sempre tive amigas muçulmanas, não me lembro de ter sofrido baque nesta fase.
Fiz faculdade de Pedagogia no Mackenzie e também foi bem tranquilo. As minhas melhores amigas são desta época. O problema foi quando decidi arranjar um emprego. Na entrevista, me perguntaram se eu podia tirar o hijab porque eu iria assustar as crianças. Eu cheguei até a pensar que elas podiam estranhar, mas não era isso.
Depois de alguns anos, comecei a trabalhar com e-commerce e redes sociais e vi o quanto as pessoas eram preconceituosas atrás de uma tela do celular. Recebo até hoje xingamentos quando algum vídeo viraliza e, às vezes, falam para eu voltar para o meu país, sendo que eu já estou nele.
Um dos fatos que mais me marcou foi quando um motoqueiro passou e me chamou de mulher bomba. Ainda há muitos estigmas relacionados ao terrorismo e muçulmanos, associando uma religião a uma pessoa ou algo isolado.
Se alguém matar aqui no Brasil, ninguém vai falar que é terrorista. E também existe isso de que a mulher não tem voz. No Brasil há muitos casos de feminicídio, machismo e essas pessoas não seguem o islã.
Em relação às figurinhas, obviamente eu preferia que só a gente estivesse usando, mas o ponto positivo é que as pessoas se incomodam ao ver que algumas alguns usavam aquilo para se promover." Carima Orra, 27 anos, empresária e influenciadora digital @camiraorra
"Você não vai dar certo aqui"
"Eu nasci aqui e sou filha de pai libanês e mãe brasileira. Eu estudei em escola muçulmana e depois em escola convencional. Hoje, eu lido muito bem com o preconceito, mas antes ficava bastante estressada. Quando recebo mensagem de hater, eu penso 'mais engajamento'.
Uma vez tinha acabado de entrar numa empresa e o dono veio me cumprimentar, mas na nossa religião a mulher não pode ter contato físico com um homem desconhecido. Eu coloquei a mão no peito e expliquei a situação e logo ele falou: 'Uma pessoa como você não vai dar certo aqui". Nesta hora, meus olhos encheram de lágrimas e comecei a chorar.
Em outra oportunidade, tinha estagiado em um hospital e era recém-formada. Quando tentei a vaga fixa, a dona disse que a oportunidade já era minha e só tinha que passar na sala do RH. Naquele momento, a recrutadora começou perguntar se minha mãe usava lenço, se a minha irmã usava. Naquela hora eu já sabia que a vaga não ia ser minha. Eles nunca mais me responderam.
Mandei e-mail questionando e me falaram que eu era muito séria para a vaga de nutricionista em um hospital.
É muito ruim pensar que isso acontece, porque muitas mulheres precisam de emprego, precisam daquela oportunidade. Algumas acabam tirando o véu, se sentem desconfortáveis, mas tiram só para trabalhar. Também atribuem o islã ao machismo. A religião não é machista, a sociedade que é e isto está enraizado.
Eu tento falar e mostrar nas minhas redes sociais um pouco dessa cultura. Não quero converter ninguém. Mostro como o islã prega o amor e a tolerância" Mariam Chami, 30 anos, empresária e influenciadora digital @mariamchami
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