Com doces africanos, ela resgatou ancestralidade e criou negócio de sucesso
Qual é o seu doce preferido? Se as primeiras opções que vêm à sua cabeça são sobremesas de chocolate, preparos com a dupla mais amada do Brasil, Leite Ninho e Nutella, ou qualquer prato que leve leite condensado, talvez seja porque seu paladar nunca tenha colocado à prova outra contribuição rica à confeitaria brasileira: a dos doces africanos.
A confeiteira Thais Alves, dona do Qumbe Doces Africanos (@qumbedocesafricanos), quer mudar esse cenário. Mulher negra, aos 45 anos, e com uma filha, Laura, de 5, ela criou uma marca própria para valorizar os sabores africanos neste segmento. Já havia tentado com biscoitos decorados, mas foi por meio de uma consultoria com afroempreendedores que decidiu retomar as próprias raízes para explorar a confeitaria africana e afro-brasileira, nem sempre valorizadas por aqui.
Thais chama o que faz de "gastronomia cultural" e acredita que, por meio dela, consegue contar a história dos preparos feitos pelas mulheres escravizadas no Brasil do passado, gerar renda e ainda apresentar os doces, como o brigadeiro de dendê, para um novo público. "Não tem muita mulher vendendo trufa para ganhar dinheiro? Eu resolvi fazer doces africanos."
Dos biscoitos decorados à marca Qumbe
A história profissional da empresária e confeiteira da Qumbe é cheia de descobertas. Formada em Turismo, fez carreira em uma multinacional de telefonia, no setor de contas corporativas, até 2015, quando foi demitida. Oito meses depois, descobriu que esperava Laura. Resolveu ficar por um ano sem trabalhar fora de casa, mas sentiu vontade de voltar ao mercado de trabalho aos 40. "A mulher tem que ter o próprio dinheiro. Quando a minha filha foi para a creche, em 2017, fiquei com muito tempo livre e resolvi fazer biscoitos decorados."
A escolha pelo doce foi estratégica: para passar o dia produzindo as encomendas, precisava que fosse uma tarefa em que pudesse ficar olhando Laura e não colocasse a menina em risco. "Eu também gostava de fazer artesanato, mas aí tinha agulha, cola quente e ela poderia se machucar", argumenta.
A virada profissional contou com apoio do Sebrae, que a orientou sobre a criação da empresa e ofereceu oportunidades de curso para ela entrar no mundo dos doces de vez.
"Disse que queria trabalhar com confeitaria, mas não sabia por onde começar. Naquele momento, eles estavam dando cursos gratuitos com o Senac. Fiz vários: de padaria, bolos decorados, dos biscoitos. Me apaixonei pela área", relembra.
Empreendedoras negras e Feira Preta: as oportunidades
Em 2019, Thais ofereceu o bufê para um evento de mulheres negras no espaço de coworking administrado pela irmã, Joyce, na Vila Granada, zona leste de São Paulo (SP). Foi quando teve mais uma confirmação de que o sonho de trabalhar com confeitaria poderia se concretizar.
"Neste evento, estavam muitas mulheres que despontam no empreendedorismo negro, como Ana Minuto, Caroline Moreira, do Negras Plurais e a Adriana Barbosa, da Feira Preta. Foi a Adriana quem falou para que eu me inscrevesse no Afrolab, laboratório para empreendedores negros e indígenas da Feira. E eu cheguei lá com a ideia de biscoiteria", relembra. A experiência também trouxe à tona revelações sobre a própria identidade.
Ali, eu me reconheci uma mulher negra. Entendi muita coisa da minha vida e, em três meses, mudei de ideia e apresentei a proposta dos doces da África, para participar da Feira Preta.
Para o evento, que reúne afroempreendedores de vários segmentos, Thais investiu 1.500 reais para a produção dos quitutes e mão de obra. Teve um retorno de lucro de R$ 300, mas o contato com o público foi mais uma chance de mostrar a marca. "Como tem muitos doces que são veganos, o pessoal da Feira ficou bem feliz", conta.
Thais tem doces originais, mas faz adaptações de clássicos e usa ingredientes conhecidos, como o leite condensado, em alguns dos preparos. Um dos sabores de brigadeiro, por exemplo, leva dendê (a caixinha com seis unidades custa R$ 26). A cocada angolana, "que lembra arroz doce", sai por R$ 22/200 ml.
Aliás, o qumbe, que dá nome à marca, é um quitute feito de coco. "Lembra um mix de quebra-queixo com beijinho", classifica a confeiteira. E é misturando açúcar, coco, leite de coco, amendoim e amêndoas que ela produz o cardápio da marca, por enquanto, atendendo apenas sob encomenda e por delivery.
Thais conta que, até agora, fez um investimento de aproximadamente R$ 5 mil na empresa, com gastos de material, sede e divulgação.
Doçura, ancestralidade e memória
A troca do segmento do negócio, conta Thais, veio depois de muita pesquisa. Por um mês, a empreendedora leu sobre o que se prepara em alguns países da África, como Moçambique, Nigéria, Congo, Gana e África do Sul. Descobriu que, no último país, pela colonização inglesa e holandesa, as preferências são por tortas e pudins. Uma delas é a "Torta do General", escolha dela para a participação no programa "Que Seja Doce" (GNT), inclusive. A especialidade leva damasco, amêndoas e coco.
No Brasil, os sabores trazidos pelo colonizador somaram-se aos preparos tradicionais dos negros escravizados e à valorização das frutas, herança dos indígenas. "A paixão por doce dos brasileiros vem dos portugueses, que trouxeram a marmelada, as geleias e compotas. Na colônia, eles não tinham variedade de frutas e precisavam se atentar à questão de conservação dos preparos. Já para os índios, as frutas predominavam", conta.
Para ela, a confeitaria brasileira é traduzida por essa mistura entre África e Portugal. "As senhoras das casas-grandes tinham os livros de receita, mas eram as negras que cozinhavam e faziam adaptações na falta de todos os ingredientes", explica.
Além da história, os sabores também traduzem as próprias memórias afetivas. "Pé de moleque, cocada, arroz doce ainda hoje são comuns e, para mim, também lembram as sobremesas da casa da minha avó", finaliza Thais.
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