"É preconceito Bolsonaro achar que multa por salário desigual afeta mulher"
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2017 mostrou que, no ano anterior, os homens recebiam, em média, um salário mensal de R$ 2.380, enquanto as mulheres ganhavam R$ 1.836. Foi por causa de dados como este que o Senado aprovou em março o projeto de lei (PL) que combate desigualdade salarial entre os gêneros, com multa ao empregador caso comprovada a discrepância. No entanto, sem apresentar dados, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse nesta quinta (22) que a proposta prejudicará as mulheres.
Para o mandatário, arranjar emprego pode se tornar "quase impossível" para as mulheres, caso ele sancione o PL porque, nas palavras dele, "pode ser que o pessoal não contrate, ou contrate menos mulheres, vai ter mais dificuldade ainda". E lançou uma "enquete" virtual sobre o tema para seus seguidores, pedindo respostas até segunda-feira (26), quando termina o prazo para sanção ou veto do projeto.
"Fala é preconceituosa"
Mestra em direito do trabalho pela USP (Universidade de São Paulo) e conselheira de política para mulheres da cidade de São Paulo, Tainã Góis acredita que o PL não irá apenas melhorar a condição feminina nas empresas como também vai clarear o que já está na Constituição.
Em conversa com Universa, a advogada primeiro recorre à história do Brasil e lembra que, desde 1917, durante as primeiras greves nos centros industriais, a pauta das mulheres trabalhadoras era salário igual por trabalho igual. E que a Constituição de 1988 proíbe a "diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil".
"Então não é nenhuma inovação essa demanda. A discussão sobre o tema já está superada. O que não tinha até então era uma coerção para as empresas. Estamos falando de uma regulamentação que já existe dentro da Constituição", afirma Tainã.
Sobre o argumento do presidente de que impor multas a empresas faria com que elas tivessem menos interesse em mão de obra feminina, ela diz que o contrário aconteceu mesmo após a garantia da licença-maternidade, também na Constituição, com o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho. "A colocação de Bolsonaro é baseada num preconceito. Precisamos ver se em países que implementaram esse tipo de medida houve redução de mão de obra feminina."
Esse tipo de fala pressupõe que o trabalho da mulher é dispensável, que o empregador pode abrir mão da empregada e só contratar homens, o que não e uma realidade em vários aspectos. É uma visão que coloca a lei subordinada de certa maneira ao interesse das empresas porque a legislação não existe para criar ambiente mais confortável para elas, mas para proteger grupos vulnerabilizados pela estrutura social, diz a advogada
"Outras políticas precisam ser adotadas"
A advogada Anne Caroline Prudêncio, sócia da Page Compliance, corrobora e complementa que as iniciativas legislativas e políticas, públicas e privadas, para a promoção da igualdade salarial entre gêneros promovem um efeito educativo e reflexivo na sociedade, "além de impulsionar mudanças nas políticas internas das organizações, especialmente relativas às contratações e promoções".
Para a especialista, é preciso entender as questões que levam a essa diferença salarial e ainda o porquê de mulheres com o mesmo nível ou até com maior capacitação e escolaridade que homens não alcançarem os mesmos cargos.
"Dessa forma, outras políticas e ações precisam ser adotadas para equalizar as diferenças salariais de gênero, como por exemplo, investir em licenças-maternidade e paternidade estendidas, em indicadores de avaliação de produtividade, em flexibilização de trabalho para a conciliação da vida familiar com a corporativa, em capacitações e mentorias para que as mulheres alcancem cargos liderança entre outras", conclui.
Juliana Oliveira Nascimento, que junto com Anne é uma das fundadoras do Compliance Women Committee (CWC), lembra que o país está indo ao encontro de iniciativas legislativas que já foram realizadas por países europeus. Na Alemanha, ela exemplifica, em 2020, a chanceler Angela Merkel estabeleceu o primeiro plano para redução das desigualdades entre homens e mulheres, além de estratégias para aprimorar as oportunidades de carreira.
"Além disso, no documento com os objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU, o Brasil se comprometeu com o cumprimento dessa agenda global até 2030", fala. "E um dos objetivos é alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas, além de reduzir todas as formas de discriminação."
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