Indicado a cinco Oscar, "Bela Vingança" é grito coletivo de raiva feminina
Quantas vezes nos filmes vimos garotas embebedadas para serem levadas para a cama? Rapazes recorrendo a todos os métodos para perder a virgindade a qualquer custo? Ou espiando enquanto seus amigos "se dão bem"? E mulheres acordando ao lado de alguém sem lembrarem o que aconteceu na noite anterior?
Essas cenas "engraçadas" do cinema incomodavam Emerald Fennell, de 35 anos, que você pode conhecer como a Camilla Parker Bowles de "The Crown", mas também foi "showrunner" da segunda temporada de "Killing Eve". E foi por isso que ela resolveu escrever e dirigir seu primeiro longa, "Bela Vingança", que concorre a cinco Oscar nesse domingo (25), incluindo melhor filme, reção, roteiro original, edição e atriz (Carey Mulligan). No Brasil, a estreia ficou para maio.
Fennell é apenas a sétima mulher a concorrer ao Oscar de direção, uma categoria que em 2021, pela primeira vez na história, tem duas cineastas disputando a estatueta - a outra é a favorita Chloé Zhao ("Nomadland").
"Somos todos cúmplices no abafamento de algo horrível e abusivo", disse Fennell numa das entrevistas da campanha da temporada de premiação.
Ao pensar no desenvolvimento de "Bela Vingança", ela imaginou uma mulher sendo despida numa cama e perguntando, num torpor alcoólico, o que o cara estava fazendo. De repente, ela se senta e, completamente consciente e sóbria, vira para o sujeito e pergunta firmemente: "O que você está fazendo?".
A imagem virou cena do filme. Cassandra (Carey Mulligan) está quase desmaiando num bar cheio de rapazes do mercado financeiro - ou algo assim. Até que um "cara legal" (Adam Brody) resolve ajudá-la, levando-a para casa. Os dois vão parar, claro, no apartamento dele. E, no meio do abuso, Cassie se revela totalmente sóbria e pergunta, séria, que diabos ele acha que está fazendo.
"Bela Vingança" é cheia de caras legais. Aquele homem que não vai abusar da mulher num bar cheio e pode até dar uma bronca no amigo que faz isso. Ou aquele outro que só vai ver tudo como uma grande piada. Esses são os alvos de Cassandra, que está numa missão para dar a eles apenas um pouco do medo e do trauma que sua amiga Nina sofreu numa festa anos atrás na universidade, que fez com que Nina nunca mais fosse a mesma, e a protagonista abandonasse o curso de medicina.
Fennell, que concluiu as filmagens três semanas antes de dar à luz, comparou "Bela Vingança" a uma parábola bíblica ou um conto moral grego. "Ela quer dar uma lição nas pessoas. Deseja que percebam as consequências de seus atos, que admitam quando erraram. Exige um pedido de desculpas. Ela quer perdoá-los. Mas isso só é possível se confessarem", explicou a diretora e roteirista.
O filme praticamente diz: chega das desculpas fracas, do tipo "sinto muito que você tenha se sentido ofendido". E isso vale para o abuso sexual, para o machismo, para o racismo.
Mas não são só os homens. Há as mulheres que também aceitam esses comportamentos e passam pano para esses eternos pobres garotos - como a reitora da universidade (interpretada por Connie Britton), que tem uma cena com Cassie em que repete todos os chavões possíveis sobre abuso sexual.
A grande sacada de "Bela Vingança" é que, apesar de tratar de abuso sexual e machismo, tem um tom leve, cômico, colorido, pop. Mas é também ferino, desconcertante, indefinível. "Eu digo que é um doce lindamente empacotado e, quando você come, percebe que é venenoso", disse Mulligan à revista "Variety".
Fennell afirmou que não é um filme para quem entende bem desse assunto. Mas para quem, por razões geracionais ou outras, nunca pensou muito profundamente sobre o tema. Ele foi feito para ser acessível a essas pessoas. "Bela Vingança" é para provocar reações e emoções, não necessariamente para responder a nenhuma pergunta. Mas certamente vai fazer repensar certas atitudes.
E para mulheres, que conhecem bem o assunto ou viram de perto o abuso, é como um berro antes abafado no travesseiro solto agora no mundo.
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