"Com dívidas na pandemia, passei a oferecer corrida com consultas de tarô"
"Mesmo antes da pandemia, eu já lidava com o desemprego. Eu trabalhava como fotógrafa e também como professora de Filosofia em uma escola particular. As aulas eram minha renda principal, mas sempre fui multifuncional.
Em 2017, quando perdi o emprego na escola, estava buscando meu lugar ao sol com atendimentos de tarô, astrologia, constelações familiares e pedagogia sistêmica, mas esses atendimentos não eram suficientes para cobrir meus gastos. Por isso, trabalhei também na academia de crossfit de uma amiga, que precisou me demitir, por corte de gastos, no começo da pandemia.
Comecei a estudar tarô aos 9 anos e comecei a atender aos 17. Um ano depois, comecei a me interessar por astrologia. Cheguei a cursar Psicologia na faculdade, mas abandonei quando saí de casa, aos 19 anos, e comecei a estudar teatro. Cheguei a fazer algumas figurações, mas larguei tudo quando me casei, aos 25 — meu ex-marido era ex-seminarista e ex-Tradição, Família e Propriedade [organização civil de inspiração católica e bastante conservadora].
Eu me dedicava muito à família e à Igreja, mas nunca deixei de estudar. Aos 34 anos, era mãe de três meninas — duas delas com deficiência cognitiva — e entrei para a faculdade de Filosofia.
Quando me separei, me senti perdida, no limbo, e retomei contato com antigos colegas do tarô e da astrologia. Depois de nove anos afastada, vi nessas áreas uma solução. Com o tempo, conheci a constelação familiar, que respondeu a todos os meus questionamentos. Mergulhei fundo, fiz cursos de formação e uma pós-graduação. Eu adoro todas as minhas profissões.
Um pouco antes da pandemia começar, em setembro de 2019, eu morava numa suíte, em uma pensão. Fui demitida da academia, como falei, e os atendimentos não cobriam todos os meus gastos. Por isso decidi começar a trabalhar como motorista de aplicativos. Foi a minha saída.
"Com a chegada da pandemia, as corridas caíram muito"
Antes, eu fazia umas 35 corridas por dia; hoje, num dia bom, faço 15. Minha renda diminuiu drasticamente, de novo. Entrei no cheque especial e estourei o limite de dois cartões de crédito. A bola de neve ia crescendo, e meu desespero também.
Sem querer, eu acabava aconselhando os passageiros durante as corridas. Sou uma pessoa muito sociável. Claro que eu sou super respeitosa também: se alguém entra no meu carro e deseja ficar em silêncio, eu respeito e fico em silêncio. Mas, se quiser conversar, estou aberta para isso.
No meu perfil da Uber, escrevi sobre mim para que os passageiros saibam quem eu sou além de motorista. Então, muitas vezes, eles entram e começam a conversar comigo falando: "Li que você é taróloga, eu sou do signo tal", e aí a conversa ia longe. A mesma coisa acontecia com outros assuntos: relacionamento, trabalho... Houve muitas corridas em que, conversando com o passageiro, ajudei a aliviar problemas pessoais. Isso me dava muita satisfação.
No final de 2020, apertando as contas, consegui sair da pensão e alugar a casa em que eu moro hoje. Mas a mudança trouxe muitos gastos. E chegamos à segunda onda da pandemia.
"Acumulei dívidas e tive que pensar em novas estratégias"
Um dia, transportei uma professora e, como eu também sou professora, começamos um papo bem legal sobre as dificuldades da profissão. Em 20 minutos de corrida, usando conceitos da pedagogia sistêmica, acabei ajudando ela a resolver algumas dificuldades que ela tinha com um dos alunos.
Isso me deu um clique. Percebi que tinha feito um atendimento, uma consultoria, e lembrei de outras vezes em que tinha feito coisas parecidas. No mesmo dia, um amigo me deu a ideia. 'Chris, você nunca pensou em oferecer atendimentos junto com a corrida?".
A primeira coisa que eu pensei foi na ética: eu nunca ofereço esse serviço enquanto estou em uma corrida no aplicativo, só nas corridas particulares. Imagina só: você chega cansada no Uber, querendo silêncio, e a motorista não para de falar. Depois o passageiro reclama na plataforma e vira um problema. Por isso, anuncio meu trabalho como motorista particular com aconselhamento.
Também sempre faço questão de falar que a consulta no carro não substitui uma consulta completa. Uma conversa com conceitos da pedagogia sistêmica, por exemplo, não substitui uma constelação. Uma dica astrológica não substitui uma análise completa de mapa astral. A mesma coisa com o tarô.
Então, funciona assim: a pessoa entra em contato comigo, me passa os endereços de saída, chegada e que tipo de corrida quer fazer — comum ou com consulta. Cada uma tem um valor diferente, mas tudo é combinado antes.
Uma vez, entraram no meu carro um casal com o filho pequeno. Ela me perguntou o que a constelação diria sobre a mãe sair para trabalhar e deixar o filho em casa e eu respondi que os filhos estão felizes quando os pais estão felizes. Neste momento, o casal ficou em silêncio e eu percebi que tinha tocado em alguma questão pessoal, até que o marido se manifestou: "Ela se sente culpada por querer trabalhar". Conversamos mais um pouco e eles saíram felizes do carro.
Outro dia, peguei um rapaz, que falou: "Estou indo fazer uma besteira". Ele estava indo transar com o ex-namorado que nunca deu valor para ele e me pediu conselhos sobre isso. Tiramos o tarô e ele pegou a carta do Louco. Eu respondi: aproveite muito, mas não se apegue. Essa carta não fala de amor verdadeiro, e sim de viver o momento. Aí ele contou da relação, mostrou fotos e falamos sobre o mapa astral dos dois.
Os assuntos prediletos dos passageiros são amor, família e trabalho, nessa ordem. Às vezes, as pessoas não querem sair do carro quando acaba a corrida, querem continuar conversando.
Eu acordo às 4h e saio às 5h. Ligo o aplicativo e saio pegando passageiro. Quando tenho corridas particulares, mudo a rotina para seguir o horário combinado. Às sextas, dia de rodízio do meu carro, eu agendo os atendimentos comuns.
Eu também faço atendimentos comuns, na minha casa — eles ainda não são suficientes para eu abandonar o trabalho como motorista de aplicativo, mas estão crescendo."
Christiane Forcinito é taróloga, astróloga, fotógrafa, professora de Filosofia e pedagoga sistêmica, tem 48 anos e mora em São Paulo (SP).
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