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Ela é mãe de 4 e só usa rosa: "Fiquei desempregada e virei caminhoneira"

Ruzimelia Basso, 53, de SP, é caminhoneira há 14 anos  - Arquivo pessoal
Ruzimelia Basso, 53, de SP, é caminhoneira há 14 anos Imagem: Arquivo pessoal

André Aram

Colaboração para Universa

26/04/2021 04h00

"Eu nunca tinha pensado em ser motorista de caminhão, entretanto, aos 38 anos, fiquei desempregada; na verdade, eu e meu marido tínhamos uma loja que veio a falir, foi quando eu soube de uma empresa que estava contratando mulheres sem experiência para a vaga de motorista de caminhão, e aquilo me interessou. Fui para a autoescola, tirei a carta de habilitação D e procurei essa firma. Um ano depois, eles me chamaram para trabalhar lá, onde permaneci durante três anos.

Antes de me tornar caminhoneira, trabalhei em algumas áreas: escritórios, lojas de bijuteria etc. Eu já dirigia automóvel havia dez anos, já havia tido três carros velhos quando decidi tirar minha nova habilitação que me permite dirigir ônibus, caminhão-baú, caminhão-caçamba, caminhão-pipa, todos exceto carreta. Nas diversas empresas que já trabalhei, já transportei cargas variadas, desde CDs, peças de automóveis, entulho, água, eletroeletrônicos. Atualmente, dirijo um caminhão baú onde transporto embalagens descartáveis para refeições delivery.

Ruzimelia Basso, a Ruzimel, 53 anos, de SP, é caminhoneira há 14 anos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Há três meses ela realizou o sonho de dirigir também um caminhão rosa e branco
Imagem: Arquivo pessoal

Meu marido nunca gostou de eu ser caminhoneira, mas também nunca me proibiu. Já notei que ele não gosta quando eu comento algo que tenha ocorrido na estrada, mas ele nunca me proibiu de fazer nada que eu quisesse fazer, mas sei que, no fundo, ele não gosta.

Às vezes as pessoas me perguntam se eu não tenho medo quando tem que pernoitar em um posto de gasolina. Eu procuro passar a noite em um posto que seja confiável, que nós motoristas já conhecemos e que tenha vários caminhoneiros lá.

Mas também acontece de pernoitar no pátio da empresa que vai fazer a entrega, mas eu não tenho medo. Aliás, meu medo é do caminhão quebrar na beira da estrada à noite, isso eu tenho medo, porque você fica vulnerável, não sabe quem vai parar ali para te ajudar, o que vai acontecer.

Sula Miranda da estrada

Eu sempre gostei de rosa, mas nunca fui apaixonada por essa cor, usava roupas de cores diferentes, mas eu vestia a peça e pensava 'Tá bonita, mas não é aquilo ainda'. Certa vez, usei um vestido rosa e meu marido me disse que eu estava parecendo uma árvore de Natal, respondi que era essa a intenção e que seria assim dali em diante.

Adoro rosa, pode ser liso ou estampado, na minha casa tudo é rosa: liquidificador, batedeira, ventilador, panelas, móveis que eu pintei, cortinas, espelhos: praticamente tudo é rosa, até o meu carro é rosa e preto. Eu uso rosa todos os dias, pelo menos uma peça tem que ser rosa

Eu gosto de ser diferente de todo mundo. Tenho 16 tatuagens, duas de caminhões, uma delas meu filho que desenhou no computador e o tatuador reproduziu. Todas elas têm muito significado para mim: o caminhão, porque eu amo esse veículo e quis eternizá-lo na minha pele, mas tenho tatuagem da Olivia Palito, da Penélope Charmosa...

O preconceito existe. Muitas empresas não contratam mulher motorista, já passei várias vezes por isso quando estive desempregada durante alguns períodos e ligava buscando uma oportunidade. Isso é preconceito, não é?

Preconceito a gente sofre o tempo inteiro, é constante, mas ultimamente o pessoal tem respeitado mais. Houve empresas que eu trabalhei com muitos motoristas que nem falavam comigo, como se quisessem dizer 'O que você está fazendo aqui no meu lugar?'.

Uma vez fiz uma manobra que o motorista ao lado não gostou e berrou mandando eu ir lavar cueca. Eu respondi: 'Já lavo meu filho, piloto fogão, piloto máquina, piloto tudo também'. Quanto a cantadas, de vez em quando alguém fala alguma coisa, mas eu nunca dou liberdade para isso

Meus filhos não pretendem seguir os meus passos, já sugeri a minha filha tirar a carta D para trabalhar com caminhão, mas ela não quer. Meu marido também já teve habilitação D, mas hoje não mais. Mas para as mulheres que gostariam de dirigir um caminhão, eu sempre digo para não desistir, para ir em frente; Eu tirei minha carta de automóvel aos 28 anos, porque eu tinha medo de dirigir carro, mas depois que eu comecei a dirigir, a sair sozinha, eu percebi que era muito bom, a gente se sente livre. Siga e enfrente os seus medos, pois todas as mulheres motoristas são uma inspiração.

Trabalhar dirigindo um caminhão rosa era um sonho, por isso que eu queria ter o meu próprio caminhão, para ser tudo rosa. Há pouco tempo, eu estava retornando de uma entrevista de emprego e aí na rua vi um caminhão pequeno estacionado que era rosa e branco e com o logotipo da empresa. Eu achei aquilo tão legal, porque é difícil ver um caminhão rosa, entrei em contato com eles, perguntando se estavam aceitando currículos para motorista, fiz um teste e fui contratada. Vai fazer três meses que estou trabalhando nessa empresa.

Sonho em ter o meu próprio caminhão, para um dia poder trabalhar para mim. Me sinto muito feliz e realizada nessa profissão, como já disse, já tive várias outras ocupações, mas depois que eu comecei a pegar as estradas e vi como era, foi quando notei ser isso que eu gosto. Viver nas estradas é acima de tudo liberdade, porque eu detesto estar presa e dirigir um caminhão é empoderamento."

* Ruzimelia Basso, 53, de São Paulo, é mãe, dona de casa e caminhoneira há 14 anos