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Mulheres Pós 2020

Debates transmitidos por Universa sobre o impacto da pandemia na vida das mulheres


Ex-secretária de Bachelet diz como Chile alcançou Constituição igualitária

Pamela Figueroa integrou o governo de Michelle Bachelet; a cientista política é convidada do evento virtual Mulheres Pós 2020 - Arquivo pessoal
Pamela Figueroa integrou o governo de Michelle Bachelet; a cientista política é convidada do evento virtual Mulheres Pós 2020 Imagem: Arquivo pessoal

Marcelle Souza

Colaboração para Universa

26/04/2021 04h00

Para a cientista política chilena Pamela Figueroa, alcançar a igualdade de gênero demanda incidência dos movimentos sociais e políticas que promovam a igualdade de homens e mulheres nos espaços de poder. Mas não é só isso. "É preciso garantir a não discriminação das mulheres nos sistemas político, econômico e social", diz.

Figueroa foi secretária de governo da ex-presidente chilena Michelle Bachelet e é uma das convidadas do Mulheres Pós 2020, evento idealizado pelas jornalistas Ana Paula Padrão e Lia Rizzo e pelo publicitário Cristiano Diniz, que será transmitido por Universa nesta terça (27), quarta (28) e quinta (29). De um estúdio em São Paulo, a apresentadora Ana Paula conduzirá a programação que contará com mais de 20 debatedoras, entre líderes, ativistas e especialistas em temas considerados mais urgentes como justiça racial, educação, sustentabilidade, saúde mental e mulheres invisibilizadas.

Pamela abre a programação do terceiro dia do Mulheres Pós 2020 e vai falar sobre os detalhes do processo que levou o Chile a aprovar, ineditamente, a revisão de sua Constituinte sob a perspectiva de gênero.

A ex-presidente chilena Michelle Bachelet é hoje alta-comissária da ONU para direitos humanos - Presidência da República do Chile - Presidência da República do Chile
A eleição de Michelle Bachelet como primeira chilena presidente foi avanço pela igualdade gênero no país, diz a cientista política
Imagem: Presidência da República do Chile

Em entrevista a Universa, Figueroa fala sobre os impactos da pandemia para as mulheres no Chile, sobre violência de gênero, trabalho doméstico não remunerado e o impeachment da presidente Dilma Rousseff no Brasil. "Foi muito similar ao que se passou com a presidente Michelle Bachelet no Chile. Muitos dos questionamentos que foram feitos sobre a sua liderança tinham uma visão preconceituosa de gênero", diz.

UNIVERSA: Por que criar uma lei de paridade de gênero para a nova Constituição do Chile?

PAMELA FIGUEROA: A perspectiva de gênero é um elemento transversal para o futuro texto constitucional do Chile. No país, foi tardia a inclusão de mulheres em espaços de representação política. Hoje em dia, nós temos uma representação de 23% das mulheres no Congresso, porque há uma lei de cotas que estabelece que homens não podem ser mais de 60% nas listas que se apresentam nas eleições. Antes, a gente não tinha um mecanismo que permitia que as mulheres chegassem a ser eleitas. Então, as mulheres eram candidatas, mas não eram priorizadas nas estratégias eleitorais. A nova lei determina que entre os eleitos, e não só entre os candidatos, exista uma igualdade de homens e mulheres. Ao existir mais mulheres no debate público, podemos colocar também a agenda de gênero na discussão do texto constitucional. Com isso, não se deseja apenas aumentar a representação delas a nível constitucional, é preciso garantir a não discriminação das mulheres nos sistemas político, econômico e social.

Camila Vallejo - Martin Bernetti/AFP - Martin Bernetti/AFP
Número maior de mulheres no Congresso coloca igualdade de gênero em pauta, segundo Figueroa; na foto, a deputada Camila Vallejo
Imagem: Martin Bernetti/AFP

Qual foi o percurso histórico das mulheres chilenas para chegar à discussão de uma lei de paridade de gênero?

O Chile tem um movimento de mulheres desde a ditadura que se organiza com demandas políticas e sociais. Nessa época, elas falavam da luta pela democracia no país. Durante a transição para o regime democrático, estabelecemos o Serviço Nacional da Mulher, que logo virou um ministério e começou a fazer políticas com perspectiva de gênero. Em 2006, o Chile elege pela primeira vez uma presidente mulher, Michelle Bachelet, que representa, além de um poder político concreto, um poder político simbólico. Ela nomeou, pela primeira vez, um gabinete com a mesma quantidade de homens e de mulheres, com muita resistência dos partidos políticos. No segundo governo de Bachelet, quando se realizaram reformas políticas, pela primeira vez se incluiu uma lei de quotas para uma eleição parlamentar, aplicada em 2017.

Essa luta social leva muitas décadas e é transversal politicamente, vai desde a direita até a esquerda, das empresárias às líderes sociais. Foi esse trabalho conjunto das líderes políticas e das organizações sociais que permitiu colocar o tema de gênero no debate público

Em 2018, houve um movimento estudantil feminista muito forte no Chile contra a violência de gênero e o assédio sexual. E, quando se discutiu a paridade, muitas das mulheres representadas, algumas feministas desde a década de 1980, estavam no Congresso e cumpriram um papel bem importante.

Como combater a violência política de gênero?

É preciso, primeiro, visualizar o tema da violência política contra as mulheres, depois buscar uma legislação que sancione esse tipo de ação e também fazer reformas que incorporem a mulher no mundo público.

Só com mais mulheres nos âmbitos de poder e de decisão é que ocorrerá a mudança cultural para acabar com a violência. Isso não é fácil, porque os partidos políticos têm estruturas muito masculinas, muito patriarcais e têm dificultado muitas vezes a incorporação das mulheres

Quais têm sido os efeitos da pandemia de covid-19 para as mulheres no Chile?

Manifestante participa de marcha feminista no Chile em 2018 - Xinhua/Jorge Villegas - Xinhua/Jorge Villegas
Manifestante participa de marcha feminista no Chile em 2018
Imagem: Xinhua/Jorge Villegas

As mulheres têm sentido com mais força os efeitos da pandemia, sobretudo pela crise sanitária e econômica. Além disso, estamos agora iniciando uma constituinte, temos eleições para a Convenção Constitucional nos dias 15 e 16 de maio. Então o contexto político, econômico e social já vinha bastante complexo desde 2019 no Chile e, com a pandemia, isso pirou. As medidas têm afetado fundamentalmente as atividades econômicas das mulheres, que estão em contextos mais precários e vulneráveis. Além disso, as quarentenas obrigatórias, a restrição da atividade econômica e o teletrabalho têm feito com que muitas percam suas fontes de renda, mas também que tenham que arcar com o cuidado de crianças, idosos e de suas famílias, um tipo de trabalho pouco visibilizado, que impacta na qualidade de vida das mulheres.

O Chile adotou medidas específicas para ajudar as mulheres na pandemia?

As políticas de recuperação econômica sempre são pensadas em áreas de masculinizadas, como a construção civil, e menos nas de serviços, em que a maior parte das mulheres trabalham

No Chile, também estamos em um momento de ampliação dos direitos civis e políticos, porque no contexto do processo da Constituinte foi aprovada uma lei de paridade na representação Constitucional. Pela primeira vez, vamos ter o mesmo número de homens e mulheres na Convenção Constitucional. Isso tem levantado demandas das mulheres. Uma muito concreta, importante e inovadora é que as candidatas mulheres (que são mais de 50%) solicitaram ao serviço eleitoral que as atividades de cuidado sejam consideradas um gasto eleitoral. Então, no financiamento das campanhas políticas tem sido possível destinar recursos para que as mulheres possam custear os cuidados com filhos, idosos e seus grupos familiares

Como surgiu esse debate que associa política ao trabalho do cuidado?

Esse é um debate muito recente. Existem várias acadêmicas e organizações que têm feito estudos para quantificar o custo das horas que as mulheres destinam ao cuidado, que não é remunerado, não se visibiliza, não tem uma quantificação econômica e não há um reconhecimento. Isso afeta a possibilidade de que a mulheres tenham uma aposentadoria, por exemplo.

Como o movimento feminista do Chile avalia o impeachment da presidente Dilma Rousseff no Brasil?

Foi muito forte para as mulheres no Chile o que se passou com Dilma, porque, vendo o processo agora em retrospectiva, houve muito preconceito de gênero, muito do patriarcado nisso. Foi muito similar ao que se passou com a presidente Michelle Bachelet no Chile. Muitos dos questionamentos que foram feitos sobre a sua liderança tinham uma visão preconceituosa de gênero.

Às mulheres são exigidos certos comportamentos, elas são julgadas por valores que não necessariamente têm a ver com o seu desempenho político, profissional, mas somente pelo fato de serem mulheres

De alguma maneira, isso incomoda o poder que tem sido tradicionalmente masculino e as mulheres se veem muito mais expostas a essa violência política, a essa discriminação. Para as mulheres do Chile foi muito complexo, muito difícil e muito doloroso também, houve muitas manifestações de apoio à ex-presidente Dilma Rousseff, quando ela se viu atacada por distintos setores políticos somente por ser mulher.