Por que a ideia de prazer centrado na penetração limita mulheres no sexo?

A associação entre as palavras sexo e satisfação nem sempre faz parte do vocabulário das mulheres. E, quando elas se relacionam com homens, a situação pode ser ainda mais comum. A ideia de que sexo tem a ver apenas com penetração é o que reduz a experiência delas, que diversas vezes se sentem esquisitas ou com algum problema por não conseguirem chegar ao orgasmo quando são penetradas.

Mas na maioria das vezes não há nada de errado com o corpo, ele só não está sendo estimulado da melhor maneira. Não conseguir "chegar lá" pode ser muito mais comum do que se imagina. Um estudo do Projeto de Sexualidade (Prosex) da faculdade de medicina da USP (Universidade de São Paulo) realizado em 2016, apontou que 55,6% das mulheres entrevistadas tinham dificuldade para chegar ao orgasmo. Já uma pesquisa realizada pelo Pleasure Positivity Project, da sex shop britânica Ann Summers, apontou que, em 2019, apenas duas a cada cinco mulheres estavam completamente satisfeitas no sexo praticado com seus parceiros. E ainda tem mais: das 2 mil britânicas entrevistadas, 20% afirmaram que raramente ou nunca conseguiram atingir o orgasmo durante o sexo.

Pelos cálculos feitos nessa última pesquisa, uma mulher deixa de gozar aproximadamente 1.734 vezes durante toda a vida. O que está desalinhado no sexo, afinal de contas? Uma das respostas para as mulheres que se relacionam com homens pode estar na construção do que é sexo: na hora que sexo se torna uma ação muito limitada de penetração, o que a gente está fazendo é privando a mulher de sentir prazer.

Educação para o prazer

Colocar o prazer além da penetração no sexo a dois é também um caminho de autoconhecimento. E, nesse ponto, as mulheres encontram obstáculos: "Quando eu era mais nova, não conseguir gozar com penetração fazia eu sentir que era alguma coisa errada comigo", conta a designer Eduarda*, de 24 anos. "E na minha família, não existia muito esse diálogo de conhecer o nosso corpo. E nem com as minhas amigas essa conversa acontecia."

A troca de experiências e a educação sexual muitas vezes não estão presentes na vida da mulher, o que prejudica a vida sexual e a própria construção de sexualidade. Algumas das origens de queixas sexuais podem vir de um conceito anatômico que ela não entendeu direito — por exemplo, ela não sabe o que é clitóris ou onde ele fica. De outra, pode ser o histórico sexual ou, ainda, a falta de comunicação no sexo.

A falta de conhecimento anatômico e daquilo que realmente dá prazer leva as mulheres a fazerem escolhas ruins na hora do sexo. A importância dada para a penetração pode ser uma delas. Portanto, revisar conceitos anatômicos é uma forma das pessoas entenderem onde conseguem sentir prazer e começar a desencanar dessa questão da vagina e da penetração.

Autoconhecimento como guia

A anatomia do corpo feminino parece direcionar o orgasmo para clitóris, mas nenhuma possibilidade é excluída, já que as formas de sentir prazer são diferentes para cada mulher. Mas como sair desse pensamento automático então? Fortalecer a individualidade e a subjetividade das pessoas pode ser um primeiro passo.

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A designer Eduarda* percebeu que o autoconhecimento tirou da sua cabeça a ideia de que existia algo de errado com ela — e a permitiu gozar com ou sem penetração: "Eu acho que até o fato de você ter vibrador te ajuda a se conhecer melhor, e também depende muito da pessoa com quem você está, se é possível ter um diálogo com ela", diz.

Vale lembrar que algumas mulheres podem ter mais sensibilidade no colo do útero ou gozar com o estímulo da penetração, o que está longe de ser um problema — mas essa é a realidade de uma minoria. É necessário entender que o sexo não é óbvio e a comunicação entre as pessoas é importante.

Sexo é um conceito guarda-chuva: debaixo dele existem diversas práticas sexuais e cada pessoa tem sua preferência. Beijo, sexo oral, masturbação, massagem, um amasso. Tudo isso são práticas sexuais — e a penetração é apenas uma delas.

* A entrevistada pediu para que o nome dela fosse trocado.

Fontes: Mariana Stock, fundadora do Prazerela; e Olívia Oléa, ginecologista

**Com matéria publicada em 27/04/2021

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