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"Mercado de tecnologia da informação é machista", diz executiva da Softtek

A psicóloga Ana Dividino é vice-presidente de negócios da multinacional Softtek - Divulgação
A psicóloga Ana Dividino é vice-presidente de negócios da multinacional Softtek Imagem: Divulgação

Deborah Bresser

Colaboração para Universa

29/04/2021 04h00

"A liderança feminina traz uma visão mais abrangente e holística às corporações", acredita Ana Dividino, 50, vice-presidente (VP) de negócios da multinacional de soluções em TI Softtek Brasil, que é psicóloga de formação. "Pela própria essência, a mulher costuma ser multitarefas — ou seja, ter uma visão mais ampla que reúne a garra e o olhar protetor de uma mãe que, ao mesmo tempo, pode ser firme e decisivo."

Para a executiva, este "kit feminino" nato faz com que as líderes mulheres tenham, em geral, uma percepção maior do ambiente no qual atuam, suas dificuldades e desafios, e, desse modo, apresentem-se de maneira mais assertiva nas tomadas de decisão. Com 23 anos de empresa, ela fala a Universa sobre sua experiência no ambiente corporativo da tecnologia da informação e dos desafios enfrentados na pandemia.

UNIVERSA: Você começou como professora primária e migrou para o ramo empresarial. Como se deu essa mudança?

ANA DIVIDINO - O magistério era meu sonho de menina, sempre quis ajudar a formar pessoas. Fiquei por dois, três anos, até me formar em psicologia. Ingressei na área de RH (Recursos Humanos), acreditei que teria uma carreira na área organizacional, mas meu perfil foi me levando para o setor de vendas. Como professora, eu usava mimeógrafo e fui exposta à tecnologia. Uso essa minha bagagem para fazer o que faço hoje.


Quais os principais desafios de uma executiva em uma empresa de TI?

A CEO da Softtek mundial é a mexicana Blanca Treviño, o que dá a dimensão do papel feminino na companhia. A área de tecnologia da informação demanda demais, exige uma disponibilidade maior de tempo e estudo contínuo. Com uns três, quatro anos de empresa fui desafiada a fazer uma apresentação. Meu gestor apoiou e foi um momento em que me superei de diversas formas.

Mas era comum ir a fóruns de TI com 150 homens e 5 mulheres e muitos perguntarem se éramos mulheres dos participantes. Isso revela que é um mundo machista, mas o importante é focar no profissionalismo, no convencimento pela qualidade do conteúdo. Não podemos tentar ser iguais aos homens, temos de ocupar o nosso espaço


Quais os benefícios de uma liderança feminina?

Defendo que a mulher é mais sensitiva, holística, tem o lado racional, mas também tem o lado emocional do "talvez", não fica só no sim ou não. O olhar feminino amplia a visão do que é ou não, o poder de convencimento é mais light. Este papel de liderança e na gestão é algo que tem que aflorar na própria mulher. Ela precisa acreditar que tem esse potencial, pois foi ensinada a "não" tê-lo. E a quebra dos paradigmas internos é o desafio número um de cada uma de nós. Hoje tenho uma equipe direta de seis pessoas, gerencio cinco indústrias que são verticais de trabalho.

O que a atraiu para o segmento de TI?

Mudar de emprego foi o que me jogou na TI. Eu estava iniciando no RH organizacional, mas tinha muita vontade trabalhar numa multinacional. Eu fui pela mudança, pelo desafio e tive a sorte de me sair bem. Houve um treinamento técnico de dois meses. O gestor avisou que se eu passasse nesse treinamento a vaga era minha. Estou lá há 23 anos.

Como lidou com a falta de formação na área?

Em relação à tecnologia, talvez a minha principal dificuldade tenha sido, no início, a formação de conceitos básicos da lógica desse universo para que eu pudesse me tornar uma "representante" de soluções em TI em minhas colocações. Estou longe de ser uma programadora, por sinal, mas a tecnologia como solução para o ambiente de negócios e como catalisadora da transformação digital me encanta muito — e isso certamente me ajuda a cobrir possíveis buracos.

Como foi assumir a diretoria comercial de uma multinacional logo após o nascimento de seu filho?

Fui a única mulher na área de vendas da empresa durante 15 anos. Quando meu chefe me avisou da promoção, eu estava grávida de oito meses. Foi uma convocação, na verdade. Um colega assumiu interinamente por dois meses, e eu tive um afastamento de 50 dias de licença-maternidade. Amamentava às 5h da manhã e à noite. O primeiro ano de vida do Gustavo, hoje com 16, foi um turbilhão. E fiz o mesmo com a Ana Clara, de 11 anos. Não me arrependo, sou mãezona, não senti falta de ficar mais tempo de licença. Não tem certo ou errado.

A oportunidade de crescer na empresa é igual para homens e mulheres?

A Softtek presta serviços de implementação de softwares nos quais nos especializamos, como SAP, Microsoft. São 17 mil pessoas no mundo prestando serviços de TI para verticais de mercado, como manufatura, telecom, bens de consumo, algumas líderes em projetos e soluções. Eu não vejo fronteira nas carreiras. Independentemente de gênero é possível buscar pelo seu espaço. As mulheres precisam se sentir capazes e confiantes. Esse empoderamento é que a gente tem trabalhado. Na minha equipe tenho duas mulheres, contratadas na pandemia.

Como gestora, de que forma está lidando com a pandemia?

Primeiro que estou amando trabalhar em casa. Há uma rotina de reuniões, mas o comercial já tem um horário flexível, de visita a clientes. Nós tivemos de desenvolver habilidades de venda remota, convencendo de outras formas, com treinamento de integração virtual, WhatsApp. Agora já está bem maduro esse modelo, vimos o que funcionou e o que não funcionou no primeiro ano. Todo mundo se adaptou. Aprendemos a nos fazer presente sem estar presente.

Com a consolidação do home office, como equilibrar o lado profissional e o pessoal?

O primeiro mês trabalhando em casa foi confuso, aquela sensação de estar parecendo férias. E a gente achou que ia passar só dois ou três meses, que não iria mudar a rotina. Mas não trabalhei nenhum dia de pijama, isso ajuda no equilíbrio. Em casa, continuamos seguindo a rotina, tomamos café da manhã juntos e depois vai cada um para o seu posto de trabalho. Meus filhos já conseguem gerenciar as atividades sozinhos. Nos reunimos no almoço e no jantar. Ter horários e respeitar o espaço foi a nossa solução.

Que conselhos você dá para mulheres que querem investir na carreira?

Desenvolver autoconfiança. Tirar o paradigma do machismo, escolher onde quer entrar e estudar o tempo. E evitar levar problemas para as pessoas, tirar o lado vítima e ser protagonista.