Topo

"Minha empresa quer incluir pessoas com deficiência no mercado de trabalho"

A administradora Amanda Brito - Reprodução/Facebook
A administradora Amanda Brito Imagem: Reprodução/Facebook

Amanda Brito em depoimento a Fernando Barros

Colaboração para Universa

01/05/2021 04h00

"Nasci com uma doença rara chamada osteogênese imperfeita, popularmente conhecida como ossos de vidro. A condição é caracterizada pela fragilidade óssea e provoca diversas fraturas. Por conta do diagnóstico, os médicos me deram uma expectativa de vida de apenas dois meses.

Tive muitas fraturas ao longo da infância, passei por oito cirurgias e o apoio da minha família foi fundamental para superar essa triste previsão. Até os três anos, morei na cidade em que nasci, Feira de Santana, no interior da Bahia. Depois, mudei para Catu, na região metropolitana de Salvador, onde vivi até terminar o Ensino Médio.

Amanda Brito aos 7 anos.  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Amanda Brito aos 7 anos.
Imagem: Arquivo pessoal

Costumo dizer que a educação também contribuiu nesse processo de vencer as adversidades. Foi uma oportunidade que tive para sair da invisibilidade geralmente atribuída a pessoas com deficiência. Na escola onde estudava, apesar de não ter a estrutura física acessível, com rampas ou elevadores, por exemplo, tive todo o apoio de colegas e professores. Esse acolhimento na infância foi muito importante.

Na faculdade, percebi mais os desafios das pessoas com deficiência

Lá, em Catu, para me locomover, eu era carregada pelas outras pessoas de um lado para o outro. Quando completei 18 anos, fui morar em Salvador para cursar Faculdade e comecei a usar cadeira de rodas para ganhar mais autonomia. Passei no vestibular de Economia, mas logo em seguida fiz também vestibular para Administração de Empresas e decidi trocar, por ser uma área que dava mais possibilidades de atuação.

Fiz a minha graduação numa instituição centenária, com um dos melhores cursos de Administração da Bahia, onde fui a primeira aluna cadeirante. Enquanto muitos dos meus colegas estavam mais preocupados em saber onde iriam fazer intercâmbio, minha preocupação era se teria aula numa sala acessível.

Como os prédios de aulas não tinham elevadores, eu acabava passando por alguns transtornos, porque era necessário pedir uma readequação, ajustar daqui e dali e encontrar uma sala disponível no térreo. Sempre me lembro disso para poder lutar e contribuir para que outras pessoas com deficiência encontrem em suas jornadas espaços mais acolhedores e que ofereçam mais oportunidades.

Amanda Brito criou uma consultoria para incluir pessoas com deficiência no mercado de trabalho - Fabiano Orleans - Fabiano Orleans
Além da consultoria, Amanda também é dona do blog Destinos Acessíveis, que era aborda questões de acessibilidade.
Imagem: Fabiano Orleans

Combinada às barreiras arquitetônicas de ocupação dos espaços, no final da graduação, senti também certa dificuldade para me inserir no mercado de trabalho. Embora tivesse excelente desempenho acadêmico, mesmo nível de conhecimento dos meus colegas sem deficiência, participasse dos mesmos fóruns, frequentasse os mesmos Congressos, fui reprovada em todos os processos seletivos de empresas dos quais participei.

Tais recusas me acenderam um alerta e resolvi, como boa administradora, mudar a estratégia. Passei a estudar para concursos públicos e fui aprovada em cinco. Assim, consegui entrar na área como concursada. Trabalhei sete anos numa empresa pública, três anos numa empresa de economia mista e em todos esses lugares me chamava atenção o fato de que eu era a única profissional com ensino superior cadeirante.

Diante disso, eu me questionava o que podia fazer para mudar aquela realidade. Eu pensava que era ok eu ser a primeira, mas que eu não podia ser a única. Nessas organizações por onde passei, pude trabalhar com administração de recursos humanos e busquei, então, utilizar a experiência como analista de RH ao longo da minha trajetória profissional para abraçar esse propósito e ser agente de mudanças.

Quero ajudar a promover mais diversidade no mundo

As organizações por onde passei foram essenciais para eu construir repertório e me preparar para, de fato, contribuir com a luta por mais espaço para as pessoas com deficiência. Durante esse processo, casei e, junto com meu marido Fabiano, comecei a pensar algumas possibilidades. Primeiro, lançamos um projeto chamado Destinos Acessíveis, que era um blog onde abordávamos questões de acessibilidade.

Como eu gostava de escrever e ele de fotografar, unimos as nossas competências e essa foi uma experiência muito bacana que serviu de ponto de partida para pensarmos algo maior. Decidimos, então, montar um negócio social e nasceu no final de março o Instituto AB. O objetivo é promover a empregabilidade das pessoas com deficiência e tornar o mundo do trabalho mais inclusivo e diverso.

Para isso, vamos colocar em prática três frentes de atuação. A principal delas é uma plataforma de vagas de emprego exclusiva para PcDs. Hoje, no Brasil, temos 45 milhões de pessoas com deficiência e apenas 1% delas está no mercado de trabalho. Iremos oferecer aos profissionais um cadastro gratuito de currículos em nosso site e fazer essa ponte com as empresas.

Além dessa frente de recrutamento e seleção, vamos trabalhar também com educação corporativa, desenvolvendo programas de aprendizagem, treinamentos, palestras, workshops e capacitações para promover dentro das empresas competências que ajudem a criar uma cultura organizacional de diversidade e inclusão.

Associado a isso, vamos prestar também serviço de consultoria para empresas com o objetivo de apoiar na construção e implementação desses processos inclusivos. Uma forma de assessorá-las na criação de uma estratégia de negócios e um core business voltados para a diversidade.

Estamos no início ainda, testando, vendo o que precisa de ajustes, mas já fomos procurados por algumas empresas para apoiar nos seus processos de preenchimento de vagas e já temos alguns currículos de profissionais cadastrados. Quero agora ampliar isso e espero, com o projeto, ajudar a incluir as pessoas com deficiência no mercado de trabalho, romper com a invisibilidade e fazer com que, de fato, elas tenham dignidade." Amanda Brito é administradora, tem 34 anos e mora em Salvador-BA.