1ª motorista com Down de Alagoas: "Amo dirigir e sentir o vento na cara"
"Sou Laura Simões, tenho 20 anos e moro em Maceió (AL). O que posso dizer é que a vida segue tão depressa que não dá para parar para pensar, lamentar ou perder tempo com este cromossomo [da Síndrome Down] no meio do caminho. Vou conhecendo este danado e me dele esquivando como posso.
Eu sempre soube dele. Meus pais acham que deve se conhecer o inimigo para uma luta, digamos, menos injusta contra ele. Mas não existe fórmula para Síndrome de Down, só o amor. Feliz de quem tem amor, e eu tenho amor, sou feliz — claro que não o tempo todo.
Gostaria de falar mais da infância, mas não tenho tantas lembranças porque viro a página sempre muito rápido. Na minha mente, ficou gravado tudo junto e misturado: a escola, os colegas, a inclusão (e exclusão), as muitas doenças (e internações), as bonecas, as viagens e o estudo com os gritos da mamãe — mas beijos depois. Aliás, muitos beijos! Deus, que mulher estressada, mas a mais dedicada que no mundo já viu. Tenho um irmão que sempre me tratou de igual para igual e um pai super-herói.
Existe sempre uma trilha sonora na minha cabeça: ouço música todos os dias. É como se a música estivesse sempre cochichando no meu ouvido. Às vezes, danço em lugares impróprios, preciso me policiar. É irresistível dançar
A dificuldade é minha parceira. Tudo vem com esforço extra, com demora e parece que não chega. Têm coisas, eu sei, que ficaram para trás — pelo menos nas coisas comuns, eu estou me virando bem. Tem hora que dou um vacilo, tipo esqueço de pentear o cabelo, e assim sigo.
Agora aprendi a palavra resiliente. Sim, tenho vocabulário grande, nem sempre empregado corretamente —o que é motivo de chacota aqui em casa. Morremos de rir. Tenho uma 'caixinha de Pandora' de onde saem coisas terríveis de engraçadas. A mamãe diz: 'Laura, não é para rir, e sim para chorar'; mas ela acaba rindo. Como já disse, preciso de tempo e estratégias para aprender e me familiarizar com coisas novas.
Nesta pandemia tive a oportunidade de iniciar meu processo de habilitação. Meus pais sondaram e souberam que era viável isso com aulas online. Isso facilitou minha concentração. Fiz autoescola com aulas regulares e mais algumas aulas extra. Na véspera da prova, fiz algumas aulas extras também.
Confesso que tive um pouquinho de preguiça. Mas enfim, passei pela etapa teórica e psicológica — claro que não foi de primeira. Veio então a parte prática. Não precisaria dizer que também fiz duas vezes (o que também não me tirou o sabor da vitória!)
A repercussão foi uma loucura. Coloquei [a habilitação] nas minhas redes, mas pegou fogo mesmo quando o meu irmão jogou no Twitter minha história, e ela viralizou. Eu sou assim: curto tudo, e aqui estou contando tudinho — até porque não sou de segredos.
Apesar do ano difícil para todos, eu e minha família tivemos essa conquista. E digo mais: nós todos, da diversidade, abraçamos este merecimento. Nossa, foi como se um trem atravessasse minha vida, todo mundo curioso. Recebi muitas mensagens lindas. Obrigada por todas! Porém, isso está longe de ser uma proeza: a capacidade de dirigir é consequência das habilidades do dia a dia. Venho adquirindo isso passo a passo. Não é magia, embora para mim esteja sendo um momento mágico
Minha carteira demorou a chegar. Ficamos ansiosos. Assim que peguei, fui dirigir para o trabalho. Livre para dirigir, eu gosto de sentir o vento, a música. É muito bom. Como sou principiante, a regra de casa é andar com papai do lado. A gente brinca de que o Código de Trânsito Brasileiro é a nossa Bíblia. É muito massa!
No trabalho, me surpreendo fazendo coisas que antes não fazia sozinha, como cursos e outras tarefas que podem parecer simples para outras pessoas, mas que têm muito valor para mim.
Sigo devagar e sempre."
* Laura Ramos de Oliveira Simões, 20, é youtuber e recepcionista de hotel, de Maceió (AL); ela preferiu dar seu depoimento em uma carta escrita à mão
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