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"A cidade está muda", diz funcionária que socorreu criança em creche de SC

Aline Biazebetti, agente educativa da creche Aquarela, de Saudades (SC). Ela ajudou a socorrer as crianças depois do ataque - Arquivo pessoal
Aline Biazebetti, agente educativa da creche Aquarela, de Saudades (SC). Ela ajudou a socorrer as crianças depois do ataque Imagem: Arquivo pessoal

Aline Biazebetti em depoimento a Nathália Geraldo

De Universa

07/05/2021 12h30Atualizada em 07/05/2021 14h13

"Na manhã que o jovem entrou na creche Aquarela com o facão, eu estava dentro de casa. Moro com meus pais e meu irmão mais novo em frente à escola. Trabalho como agente educativa lá desde o final do ano passado e, antes fui estagiária. São três anos e pouco neste trabalho. Na manhã de terça-feira (4), cuidava de duas crianças, que inclusive frequentam a creche à tarde, quando comecei a ouvir os gritos de socorro. Falei para meu pai que tinha acontecido alguma coisa.

Quando desci para frente de casa, as meninas da limpeza estavam saindo pela portal lateral de cima e pedindo para alguém ligar para a polícia, porque tinha um cara lá dentro matando as crianças. O Ezequiel, que tem uma empresa de motos do lado da creche, foi o primeiro a entrar e pegou duas crianças. Ele me deu um dos meninos, que levei para o hospital e sobreviveu. Ele levou outro, infelizmente, uma das três crianças que morreram.

Peguei o menino no colo e vi que estava bastante cortado. Chamei meu pai, pedi para ele pegar o carro e entrei correndo com o menino no meu colo. Enquanto meu pai dirigia para o hospital, só pensava que queria chegar o mais rápido possível para que pudessem conter o sangramento. Não sabia o tamanho da gravidade dos cortes, porque tentava não olhar para ele. Tinha medo de passar mal e não conseguir chegar até o socorro.

Segurei o menino sentado, no carro. Ele tinha um olhar de dor, de 'socorro, por favor, me ajuda'. Um olhar que nunca vou esquecer.

Fachada do CEI Pró-Infância Aquarela, em Saudades (SC), recebeu flores e cartaz em homenagem às vítimas - Hygino Vasconcellos/Colaboração para o UOL - Hygino Vasconcellos/Colaboração para o UOL
Fachada do CEI Pró-Infância Aquarela, em Saudades (SC), recebeu flores e cartaz em homenagem às vítimas
Imagem: Hygino Vasconcellos/Colaboração para o UOL

Fiquei desesperada. Nunca imaginei que passaria por isso. Ainda voltei para casa, para ajudar as meninas que trabalham na creche. Elas conseguiram pegar outras crianças e levaram para minha casa, até os pais buscarem. Também estavam passando mal, não conseguiam nem ficar em pé.

Está sendo bem difícil, não consigo dormir, comer. Fico lembrando os gritos de socorro, os olhinhos do menino que levei para o hospital. Passa toda hora um filme na cabeça, ainda mais por ver todo dia a fachada da creche, as pessoas levando flores.

A gente precisa tirar de dentro o que a gente está sentindo, não ficar segurando.

Ao mesmo tempo, como dei algumas entrevistas, o mundo inteiro está me mandando mensagem de apoio e a Secretaria de Educação também está nos ajudando. Ontem, tivemos uma reunião com o prefeito, e nos ofereceram apoio psicológico. Vamos fazer algumas rodas de conversa, com as professoras, pessoal da limpeza e da cozinha, agentes educativas.

"Professora que foi morta era exemplo de companheirismo"

Trabalho à tarde com o maternal, minhas crianças têm por volta de um ano e sete meses. Então, conhecia só de vista as crianças que foram vítimas. Já a professora Kelly Adriane Aniecevski [que foi morta do ataque] era um exemplo de companheirismo para mim. A gente se falava todo dia, a sala dela era do lado da minha. Sempre nos ajudávamos. Ela ficava cuidando das outras crianças, quando eu ia trocar uma, por exemplo.

Resolvi fazer pedagogia porque minha irmã também fez. Aliás, me formei na quarta-feira, apresentando meu TCC por videoconferência. Fiz a faculdade a distância e confesso que ainda estava extasiada pelo que aconteceu. Mas, preferi manter a apresentação para aquele dia, porque semana que vem seria pior. Nesta, a ficha ainda não caiu. Ao apresentar meu trabalho, sobre ludicidade na Educação Infantil, senti que passei por cima de um momento de tristeza e de dor. Me ajudou.

Tenho feito bastante oração, pedindo para Deus nos proteger e para conseguirmos seguir. Provavelmente, vou precisar de ajuda psicológica para isso... Temos que levantar a cabeça.

A cidade é pequena e até ontem estava calada. Hoje, as pessoas estão voltando a trabalhar, a viver a vida. Mas sei que as crianças maiores ainda estão com medo de ir para a escola. Sei que a gente nunca vai esquecer o que aconteceu."