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Marina Lima, aos 65: "Quem perde medo da idade vive coisas maravilhosas"

Marina Lima: "Lidei com muito machismo, tinha muita gente que me incomodava, que não me entendia. Mas tinha um lado bom que compensava" - Candé Salles
Marina Lima: "Lidei com muito machismo, tinha muita gente que me incomodava, que não me entendia. Mas tinha um lado bom que compensava" Imagem: Candé Salles

Nina Lemos

Colunista de Universa

08/05/2021 04h00

"Uma notícia boa quando chega faz tudo luzir. O homenzinho do Norte caiu. E já já essezinho daqui vai ruir." Quem dá a boa nova é a cantora Marina Lima na música "Nós", que faz parte do seu EP "Motim", lançado no fim de abril.

Aos 65 anos, Marina é uma otimista. Ou uma "virginiana sonhadora", como diz. Apesar do momento de "horror chegou por aqui, por todos os lados, e nós nesse trem, com um vírus mais matador que eu já vi", como canta na mesma música, Marina está muito bem. Melhor que nunca. Ela vive o seu melhor momento, o "inverno do apogeu", como diz, citando Jane Fonda, de quem é fã.

Marina ensina que a idade traz liberdades maravilhosas. Hoje, mais de 40 anos depois de começar sua carreira, a cantora consegue dizer sem titubear que é uma grande compositora e também se debruçar sobre sua obra de 21 discos, lançando um Songbook, "Música e Letra", que está disponível na internet para quem quiser baixar.

A vontade de lançar o Songbook veio de uma necessidade de finalmente organizar sua obra. "Minha mulher, a Lídice Xavier [com quem está há 8 anos] é advogada e ficou chocada quando viu o quanto eu não cuidava disso. Fiquei até envergonhada. Esse desprendimento pode ser até bonito. Mas uma hora chega, tem que organizar".

Marina nunca foi uma pessoa de viver do passado. Jamais. É curiosa, faz amigos no Twitter, conversa com Mano Brown. Por isso, junto com o Songbook lançou também um EP, Motim, feito em casa com dois amigos. Marina sempre curiosa, aberta. A diferença é que agora ela se sente mais forte. E isso, além de ser motivado pela maturidade, também é graças ao feminismo.

"Fico maravilhada com esse tempo que a gente vive. Esse trabalho feito por essas mulheres de outras gerações, mulheres negras, indígenas". Por isso, ela acredita, sim, que vai passar. E já se prepara para 2022, onde pretende apoiar o candidato que tiver chance de derrotar Bolsonaro. "Só não quero apoiar nada que pregue a divisão. É hora de união", afirma. Leia a seguir trechos da entrevista.

Marina Lima - Candé Salles - Candé Salles
Aos 65, a cantora fala que a idade traz coisas maravilhosas e a chance de se dedicar a coisas especiais
Imagem: Candé Salles

UNIVERSA Você tem mais de 40 anos de carreira e nunca tinha lançado um songbook. O que te fez querer lançar agora?
MARINA LIMA
Durante a minha carreira, volta e meia vinha alguém e falava: "Você não quer fazer um SongBook?" E eu pensava: "Mas, gente, o que é isso, não tenho nem uma obra ainda". Talvez fosse porque tinha muita coisa para fazer, muita coisa para pensar. Mas em 2018, notei que tinha 21 discos e pensei: "Não posso brincar com isso". Lembro que quando fiz 40 anos o Renato Russo foi na minha festa de aniversário e me levou quatro livros chamado "Enciclopédia das mulheres".

Eram só quatro volumes! Olha que loucura, toda a história das mulheres cabia em apenas quatro livros. Então, se temos uma obra, não podemos brincar com isso, temos que deixar registrado! Então, achei que era a hora de fazer. Pensei: vou chamar o Giovanni Bizzotto, que é um amigo e parceiro de que gosto muito para transcrever e fazer tudo direito. Quando faltavam poucos meses para ficar pronto...Chegou a pandemia.

Como você reagiu à chegada da pandemia?
Foi uma coisa muito louca, né? De uma hora para outra chega uma pandemia. A única coisa capaz de mobilizar o mundo todo. O que foi aquele momento? "A Angela Merkel falando: "não vai ter Natal!". O Bolsonaro: "É só uma gripezinha!". Essa loucura (risos)!

E pensa, a pandemia chegou, não podia sair, não podia fazer nada. Na vida artística, fechou absolutamente tudo. Mas eu sou virginiana e gosto de sonhar com a realidade. Aí eu pensei: a melhor coisa que eu posso fazer agora é estudar. Não tinha nada para tirar minha atenção. E quando você começa a estudar?

O meu talento é compor. Sou uma grande compositora. Hoje, sei disso. Isso porque foram anos estudando. Então comecei a compor feito uma louca, no violão, no computador, dentro de casa, tipo uma cientista louca. E uma hora pensei: preciso organizar isso. Aí, montei meu motim...

Como você conseguiu fazer esses dois trabalhos no meio da pandemia?

marina lima - Divulgação - Divulgação
Cantora fez songbook e lançou EP "Motim" no final de abril
Imagem: Divulgação

Como o mundo mudou, o mundo hoje é audiovisual, pensei que tinha que ter essa parte também. Por isso, chamei o Candé Salles, meu grande amigo e cineasta para registrar. Chamei também o Giovani e o Renato Gonçalves, um amigo que conheci aqui em São Paulo pelo Twitter. Ficamos aqui na minha casa, onde fizemos tudo. Não queria só o songbook. Queria também o meu EP. Tipo, essa sou eu. E aqui é para onde eu estou indo.

Você nunca foi uma pessoa nostálgica, né? Está sempre fazendo coisas novas, experimentando novos formatos.
Eu não sou revisionista e nem nostálgica. Não que tenha problema com o meu passado, mas sou curiosa e gosto muito da minha vida. Estou com 65 anos e, mesmo nesse contexto, de uma pandemia, do Bolsonaro, da evangelização do Brasil, dessa desgraça, acho que estou vivendo o período mais sábio da minha vida. É uma libertação. Eu agora penso: é assim que eu sou, você goste ou não, não tento mais agradar.

Não acha que só conseguir falar agora que é uma grande compositora e achar que sua obra merece um songbook tem a ver com a Síndrome de Impostora, que quase todas nós temos?
Sim! Claro! Quando eu era mais jovem, as mulheres tinham que pedir licença. Eu teria até vergonha de falar: "Ai, eu quero um songbook". Mas as coisas estão mudando, e mudando radical.

O Mano Brown me diz: "Minha mulher e minha filha que mandam, eu fico quieto". Ele fala que quando eles começam a discutir, ele sai de perto porque quando tenta participar elas dizem: "Está falando isso, está vendo. É típico de homem hétero." (Risos)

Mas, também, tem muito mais gente legal no mundo do que gente que não é legal. Lidei com muito machismo, tinha muita gente que me incomodava, que não me entendia. Mas tinha um lado bom também, que compensava.

Mas homens com dois discos já acham que podem fazer coletânea e se acham "grandes compositores", não?
Acho que sim. Mas outro motivo para eu ficar na minha é que eu não sou uma pessoa exibida. Não ficava exigindo nada. Até que chega uma hora que você fala: "Ah, não quer me dar valor, foda-se!". É isso, coisas que acontecem depois dos 60.

A Jane Fonda, que é uma mulher que eu admiro muito, fala que a infância vai até os 30 anos. Dos 30 aos 60 é a meia-idade, quando é mais complicado, precisa passar por várias barreiras que te impuseram. E que dos 60 adiante é o inverno, mas que na verdade é o grande apogeu da existência.

Por isso que eu canto na música: "Esse inverno claro como verão", isso pode ser sobre a estação ou o verbo, de "vocês verão". Quem quiser ver, vai ver que esse inverno da existência vai fazer a vida ficar muito melhor. Vai ter trazer uma sabedoria que você nem imagina.

O que faz você ficar tão melhor?
Não sou só eu. O que me deixa mais forte também é a força das outras mulheres, tudo que eu vejo acontecendo ao meu redor. Fico maravilhada e me fortaleço com toda a força que está sendo mostrada pelas mulheres de outras gerações, as mulheres negras, gays, indígenas. Estamos vivendo uma época incrível. Isso faz com que eu me sinta muito menos sozinha.

O que tem para dizer para quem tem medo de envelhecer?
Olha, no meu caso, não sou apegada a nenhuma idade. Quando penso nos meus 20 vejo que foi bom; mas, gente, que coisa dolorosa!

Nos 30, também perdi muito tempo com coisas que não valiam a pena. Nos 40 anos, eu tive grandes amores. Agora, a vida não são só grandes amores, são também grandes amizades, grandes descobertas. A vida é feita de grandes descobertas.

E isso se você não perder a curiosidade e cuidar da saúde o mínimo possível. Não tô falando não fumar, nada disso. Faz o que pode, o que consegue para manter o corpo funcionando. Agora, viva a idade que você tem. Se você conseguir perder o medo da sua idade, vai usufruir de coisas maravilhosas. A pior coisa da vida são os pesos que a gente carrega, culpa, uns pesos que a gente não sabe nem de onde estão vindo. É tão bom conhecer gente, alguém mais novo e pensar, mas que pessoa danada. Aos 60, você fica em paz.

Eu gosto da minha vida, gosto do que faço com o meu tempo. Gosto do meu rosto. De me arrumar porque vou encontrar alguém. Quando você descobre que pode viver do seu jeito e quem não entender que se dane e saia do seu caminho, isso é libertador.

Tenho reparado que desde o impeachment contra a Dilma você tem se posicionado politicamente. Isso é uma novidade?Fui criada em um ambiente politizado, meu pai era politizado, meus irmãos. Na minha casa frequentava a Maria da Conceição Tavares, o Celso Furtado. Eu acho o seguinte. Mais nova, não falava muito porque me achava muito ignorante. E antigamente não tinha rede social. Por isso que gosto de rede social, conheço um monte de gente, você fala sem grande responsabilidade de ser especialista. E, claro, fui ficando mais segura. E no caso da Dilma, eu tinha uma grande simpatia por ela.

Primeiro porque eu gosto de gente que não rouba. Eu achava isso o máximo, poder confiar em uma mulher honesta. E, quando via as entrevistas, gostava muito do jeito dela, como ela enfrentava tanta gente contra ela. Acho ela uma mulher muito digna.

Fui a um jogo do Brasil e estavam xingando ela. Fiquei horrorizada. E pensava: "Será que ninguém vai fazer nada?". Hoje, vejo que tudo isso pesou. E "ai" de quem cometer a bobagem de fazer isso de novo. Não vamos aceitar. Não vai ser aceito. As coisas já melhoraram muito nesses cinco anos, apesar do Bolsonaro.

Falando em Bolsonaro, você tem esperança, acha que ele sai?
Acedito que sim. Acho que o Lula vai ser candidato e tem muita chance de ganhar. Eu não tenho nada contra o Ciro, eu gosto do Boulos. Mas acho que o Lula é quem tem mais chance. Então voto nele. Temos que votar em quem pode tirar esse homem de lá, temos que tirar esse elefante da sala. Apoio quem tiver chance de tirar o Bolsonaro de lá. Agora, não quero apoiar nada que pregue a divisão. É hora de união.