Na linha de frente do combate à fome, elas arrecadam e distribuem doações
Para além das mais de 400 mil mortes, a pandemia no Brasil também causou impactos negativos em diversos aspectos sociais. A crise econômica colaborou para o aumento do desemprego, da desigualdade social e empurrou milhões de pessoas de volta para a fome. Isso sem falar no crescimento da violência doméstica. Uma pesquisa divulgada pela Rede PenSSAN em dezembro de 2020 mostram que a insegurança alimentar grave (quando não se tem o que comer) afeta 9% da população nacional. Atualmente cerca de 19 milhões de brasileiros passam fome.
Na linha de frente do combate a esses níveis alarmantes, diversas mulheres exercem um papel decisivo na luta contra a fome. Uma delas é Luciana Quintão, economista e criadora do ONG Banco de Alimentos. "Agora, por causa da pandemia, está todo mundo falando da fome, mas esse é um problema que existe há muito tempo no Brasil", adverte.
Só no ano de 2020 o Banco foi responsável por arrecadar mais de 5 milhões de quilos de alimentos para doação. Resultado surpreendente e que impacta milhares de famílias. Em proporções menores, não faltam iniciativas criadas por mulheres para reverter este cenário trágico. Universa conta a história de Adriana, Luciana e Tayane algumas dessas
"Quebrada alimentada" serviu mais de 70 mil marmitas
A historiadora Adriana Salay está fazendo seu papel "de formiguinha" no combate à fome em São Paulo. Ela e o marido Rodrigo Oliveira, chef de cozinha do restaurante Mocotó, criaram o movimento "Quebrada alimentada" no ano passado, mais especificamente em 21 de março de 2020, dia em que o lockdown foi estabelecido na cidade de São Paulo. "Quando chegou a pandemia, já sabíamos o que ia acontecer. O aumento da fome sempre fez parte de períodos caóticos", analisa.
Desde o primeiro dia de pandemia, Adriana e Rodrigo passaram a distribuir marmitas na porta do famosa restaurante paulistano. A comida doada era a mesma que os funcionários do local recebiam, pratos que recebem o nome de "comida de família".
Por causa da influência do casal no meio gastronômico rapidamente importantes chefs de São Paulo se solidarizam com o "Quebrada alimentada" e passaram a ajudar o projeto. "Depois que a ação se popularizou, começamos a receber muita demanda, mas também a ajuda de chefs renomados como Paolla Carosella, o Lucas Fasano
Em um ano, a "Quebrada" já serviu mais de 70 mil refeições na cidade de São Paulo. Paralelo às marmitas, o casal começou a entregar cestas básicas para a população carente. "Para a marmita, não fazemos cadastro, mas para a cesta existe um cadastro prévio. Temos uma parceria com associações comunitárias e, com a ajuda delas, fazemos um mapeamento de quem necessita mais", explica Adriana.
Além das 70 mil marmitas, a iniciativa de Adriana arrecada cerca de 300 cestas básicas por mês. O plano da ativista para o futuro é transformar a "Quebrada" em uma organização com impacto de longo prazo na comunidade, para deixar de servir apenas em campanhas de contenção de crise: "Projetamos isso para o futuro, para quando a assistência alimentar deixar de ser algo tão necessário como é neste momento".
"Lutar contra a fome é um dever social", diz economista
Luciana Quintão, fundadora da ONG Banco de Alimentos, já lutava contra a fome décadas antes da pandemia atravessar a história mundial. A organização, porém, realizou ações cruciais no último ano e foi responsável pela arrecadação de mais de 5 milhões de quilos de alimentos em 2020, impactando um milhão e meio de pessoas.
Fora a arrecadação de alimentos e a doação de cestas básicas, o "Banco" também realizou ações para abastecer com crédito cartões de vale refeição e de vale gás de famílias que vivem à margem da sociedade. "No ano passado, em uma campanha específica na Brasilândia levantamos R$ 1 milhão. Recarregamos 10 mil cartões com R$ 100 cada um", comenta Luciana.
Para a economista, lutar contra a fome é um dever social. Ela reforça, porém, a importância do setor privado para reverter a situação, além de ações públicas no combate à fome. A própria Luciana faz parte de uma frente parlamentar criada recentemente na câmara dos vereadores de São de Paulo para lutar contra a insegurança alimentar.
"Sim, a pandemia só escancarou um problema que já existia e que há anos a política vem ignorando. É preciso passar por uma mudança estrutural para reverter a situação", pontua a ativista.
Ativista que perdeu o pai: "transformei o luto em luta"
A ativista Tayane Alves é fundadora da ONG Onda Solidária. A cearense, que é surfista e vê no esporte um agente de transformação social, criou a iniciativa no começo da pandemia, em março de 2020. "Logo no primeiro lockdown comecei a reparar no aumento de pessoas pedindo comida nas ruas de Fortaleza. Percebi que era um problema que estava afetando pessoas de diferentes classes sociais, até meus colegas de surfe", conta, "foi quando eu decidi criar o projeto".
Com a ajuda de duas amigas, Tayane abriu uma conta bancária para receber doações, fez campanha nas redes sociais, arrecadou alimentos, contatou associações de bairros carentes de Fortaleza e partiu para as entregas. "Na primeira campanha de arrecadação, conseguimos ajudar quase 400 famílias", conta Tayane que, por causa de problemas de saúde, teve que se afastar da iniciativa.
Enquanto a surfista se recuperava fisicamente, teve que lidar com mais um desafio pessoal: o pai morreu em decorrência da Covid-19 em novembro de 2020. Após meses enfrentando a perda sem conseguir sair da cama para trabalhar, em março de 2021 Tayane decidiu reviver o projeto para "vencer o luto com luta".
Em um mês, a ativista conseguiu arrecadar outras 400 cestas básicas. Até agora, a "Onda solidária" já ajudou 800 famílias. "Faço tudo sozinha, compro as coisas, carrego e descarrego o carro, converso com as famílias, com as associações, é um trabalho de formiguinha, mas me motiva. Meu pai sempre ajudava as pessoas, não quero deixar a memória dele se apagar", conta Tayane, que se emociona ao lembrar da história do pai.
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