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Coach de banqueiro: "Pandemia aumentou a procura pela busca interior'"

Flavia Camanho, coach e criadora do Jornada do Feminino, curso de capacitação emocional de mulheres - Diculgação
Flavia Camanho, coach e criadora do Jornada do Feminino, curso de capacitação emocional de mulheres Imagem: Diculgação

Deborah Bresser

Colaboração para Universa

10/05/2021 04h00

Coach e especialista em desenvolvimento humano, Flavia Camanho aproveitou o ano de 2020 para partir em carreira solo e empreender um trabalho autoral batizado de Jornada do Feminino, voltado para a capacitação emocional de mulheres. A ideia surgiu meses antes, quando ela participou de um seminário nos Estados Unidos chamado "Vision: Your Life in Focus" (Visão: Vida em Foco, em tradução livre), comandado por Oprah Winfrey e com participação de Michelle Obama. A recomendação para participar do encontro veio da organização ISFP (International Society of Female Professionals), da qual ela faz parte nos EUA.

Psicóloga e administradora de formação, Flavia trilhou um caminho pelo RH de diversas empresas e atuou como como diretora de gestão familiar dos acionistas da Itaúsa, holding dona do Itaú Unibanco, antes de buscar um caminho próprio. Passou então a trabalhar diretamente no desenvolvimento humano e seus múltiplos caminhos, sendo mentora de líderes de empresas familiares na implementação de sua governança, fortalecendo as habilidades de grandes executivos para seguirem no caminho de "aprendizado contínuo"(life long learning) e, principalmente, trabalhando o empoderamento das lideranças femininas.

Ela fala a Universa como alguns trabalhos podem ajudar as mulheres a traçar um novo rumo.

UNIVERSA A pandemia de covid-19 afetou a procura por o trabalho de autodesenvolvimento pessoal com "coaches"?
Flávia Camanho A pandemia fez com que gente perdesse as vivências inesperadas. O ser humano é um ser de convívio e há agora uma intensidade virtual. Tô vendo todo mundo e me sinto muito só. Essa solidão levou a um aquecimento pela busca interior.

Fiz a sexta turma de Jornada do Feminino lotada. No curso, levo em conta e proponho aspectos e características do feminino muito poderosas neste novo momento social, como empatia — falo de que quando a mulher constrói relacionamentos interpessoais, ela busca entender o outro, ela prioriza mais a relação do que a materialidade. Também falo de "insight", a conhecida intuição feminina que muitas mulheres ainda não se sentem à vontade para manifestar; de simultaneidade: o homem tem um pensamento sequencial, uma coisa de cada vez, já a mulher executa várias tarefas simultaneamente; e também abordo a questão do cuidado, já que a mulher acolhe, cuida.

Há muita desesperança política, uma realidade dura e uma pulverização de possibilidades de soluções. Eu nunca tinha tido a experiência de atender à distância e isso abre novas formas de se conhecer o outro.

Você se apresenta como diretora de "family office" de algumas das famílias mais ricas do país. Como começou nisso?
Eu estava na Johnson & Johnson quando recebi o convite para trabalhar com a família Setúbal-Villela. Um "family office" (escritório familiar) é um órgão responsável pela criação e organização da governança familiar e tem alguns papéis, como definir as regras de interface entre a família e os negócios, regras para a sucessão, critérios para a gestão do patrimônio das famílias, definir o plano de formação da próxima geração, como disseminar os valores da família para os herdeiros.

O que é esse trabalho?
Meu trabalho era coordenar todas essas frentes, definindo o caminho estratégico, dando andamento aos processos de governança, conduzindo os comitês familiares, propondo as melhores práticas para a família, ministrando programas de formação das próximas gerações, atuando como mentora.

Nos seus cursos você fala da importância do aprendizado contínuo, o "life long learning"'?
Fui muito influenciada pelo empresário Abilio Diniz. Meu pai era ortopedista dele, e ele costumava me dizer que o que tem de melhor na vida é aprender. Eu usava minhas férias para isso, escolhia um assunto do meu interesse e ia aprender com o melhor. É viver a vida aprendendo, criando novos repertórios em cima do que você tem curiosidade, gosta gosta. É sobre isso que deve aprender.

"Life Long Learning" é um conceito de que o aprendizado não tem data para acabar. Mesmo depois dos diplomas, desde o ensino básico, da faculdade ou da especialização, é necessário adotar uma postura aberta ao conhecimento. Temos que assumir a responsabilidade pela constante atualização e renovação de nossos conhecimentos, estando sempre conectados com o ecossistema no qual estamos inseridos.

Eu costumo dizer que ser um aprendiz contínuo é uma escolha fundamental para continuar fazendo parte do mercado de trabalho. O que nos trouxe até aqui em termos de conhecimento e formação será uma base sólida para nossa atuação, mas precisaremos sempre buscar a amplitude de repertórios, ter uma visão mais plural, ampla e isso acontece quando estamos encarando o mundo com um olhar de aprendiz

O que é o desenvolvimento humano hoje?
A ampliação da nossa consciência, entender que o passado é certo e o futuro está sendo mudado, saber o que é sonho meu e o que é dos outros. É aprender a ser seu melhor amigo, se apropriar de quem você é.

E como é o seu trabalho de "coach"?
Sou psicóloga e administradora de formação, dava essas consultorias de autodesenvolvimento. Trabalhava com terapia breve e com liderança, falando sobre as dores desse lugar.

Hoje ainda faço trabalhos individuais, tenho fila de espera. Desenvolvi o meu próprio método de atender meus clientes, que incorpora conceitos de autodesenvolvimento, mentoria, neurociência, conceitos de design aplicados ao indivíduo. Tenho um processo que leva oito sessões e que tem uma espécie de teste para que a pessoa entenda qual é sua marca como líder.

O foco é definido com o cliente depois das três primeiras sessões que são um mergulho em sua biografia, seus valores e sua autoimagem. Mas gosto dos processos coletivos.

É muito rico debater o desenvolvimento humano em grupo. Sabe aquela sensação de 'eu não estou louca' que a gente tem ao dividir experiências?

Por que você decidiu focar nesse empoderamento feminino?
Sempre trabalhei em cargos altos, com grandes homens me apoiando, mas sempre houve um olhar de julgamento e um jeito supermasculinizado de se vestir, por exemplo. Se um homem chora em uma reunião, todos se sensibilizam, aceitam o feminino no homem, mas se é uma mulher, vão dizer que está histérica.

Acredito que as mulheres precisam se apropriar do feminino. Quando fui ouvir a Oprah e a Michelle Obama, elas falavam muito sobre o lugar da mulher. Desenhei um programa, uma liderança que convida ao debate sobre diversidade, homofobia. Dor é dor, não tem regra para medir a dor do outro, a gente tem de legitimar

O que é exatamente a Jornada do Feminino?
É um convite para que mulheres questionem: "em que momento da minha construção eu estou"? As mulheres se legitimam a pensar maior, degustar, lembrando de tudo que fizeram. Elas interagem entre elas, saem com uma rede de proteção e fazem um manifesto com o que não vou fazer mais, o que as limita e quais os próximos passos.

Isso ajuda a não dar potência à narrativa de competição feminina em que o pior inimigo da mulher é outra mulher. Sororidade é potência de acolhimento

É um programa de autoconhecimento para mulheres que irão se apropriar cada vez mais de quem são, resgatar sua biografia, seus valores, ampliar sua consciência, aumentar a confiança em expressar sua melhor versão, vencer crenças limitantes e construir uma visão mais ousada para sua vida.

Como funciona o programa?
São quatro encontros online, com aulas ao vivo, conduzidas por mim e com material de apoio enviado para as alunas registrarem seus aprendizados. Um diferencial é o ambiente acolhedor e de muitas trocas entre todas. Temos conteúdos, reflexão individual, debates coletivos.

A partir deste mês teremos também a Flux Box, uma caixa é feita por mulheres, todos os itens foram pensados e produzidos por mulheres maravilhosas, que expressam seus valores e ideias no que fazem. É uma caixa com um convite: embarcar em conjunto de ações com significados pessoais para você, numa verdadeira jornada de autoconhecimento. Selecionamos uma coletanêa de imagens para você experimentar uma colagem, através das texturas, volumes, formas, lembranças de viagens, achados, mapas e adesivos. Nesta parte, seu desafio é fazer uma colagem que represente você.

Você se considera feminista?
Me enquadro num feminismo compromissado com a amplitude dos direitos. Direito de escolha para as mulheres, em primeiro plano mas, mais atuante em todas as causas, antirracismo, contra a homofobia, entendo que são todas interseccionadas.

É um lugar ativo que busca diálogo, entendendo que temos que ter a abertura para trocar com todos, em alguns momentos uma abordagem de "constrangimento educativo", quando nos deparamos com uma postura fora do aceitável e uma abordagem "compreensiva educativa", esclarecendo aos interlocutores que comentem atitudes inadequadas, por falta de compreensão e não intencionalmente.

Acho que o principal papel é legitimar as dores, sem parâmetros de comparação como : 'Eu não me sentiria ofendida com essa fala ou essa brincadeira'. Se dói em alguém, tem que ser legitimado

Acredito no papel do homem como um grande impulsionador quando está ao lado nessa construção, quando é consciente do seu papel. E, por último, acredito em desconstruir conceitos como competição feminina e propondo o caminho da sororidade.