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Ação pelo uso de 'católicas' em nome de ONG feminista vai para STF e STJ

"Católicas pelo Direito de Decidir" e outros movimentos durante manifestação na Av. Paulista, em SP - Reprodução/Católicas pelo Direito de Decidir/Arquivo
"Católicas pelo Direito de Decidir" e outros movimentos durante manifestação na Av. Paulista, em SP Imagem: Reprodução/Católicas pelo Direito de Decidir/Arquivo

Nathália Geraldo

De Universa

13/05/2021 04h00

Está nas mãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) a apreciação de dois recursos para definir se a ONG Católicas pelo Direito de Decidir poderá continuar usando o termo "católicas" no nome.

O grupo, que é feminista, a favor da legalização do aborto legal e luta na defesa dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres, foi alvo de ação judicial da Associação Dom Bosco de Fé e Cultura (ou Centro Dom Bosco, CDB), em 2018, por conta da palavra. E, em outubro do ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que a "Católicas" não poderia mais usá-la, sob pena de multa diária.

No início de abril, no entanto, o próprio TJ-SP aceitou recursos da ONG que, agora, aguarda o julgamento nas instâncias superiores. A informação foi divulgada há quatro dias pela colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo.

Para uma das coordenadoras da ONG, Gisele Cristina Pereira, a tentativa de retirar o termo do nome da ONG reduz o que ela entende como ser católica. "Existe a instituição, que tem seus dogmas, e existe a experiência de ser católica. Além disso, o Católicas pelo Direito de Decidir é calcado na figura de um Cristo histórico, que criou uma comunidade, e que criticava aquilo que não era para o bem de todos", explicou, em entrevista para Universa.

ONG feminista e decisão pelo nome "católicas"

Criado em 1993, o grupo "Católicas pelo Direito de Decidir" foi processado pela Associação Dom Bosco, uma entidade católica conservadora criada em 2016. A entidade é a mesma que tentou tirar do ar o especial de Natal do Porta dos Fundos, em 2019, da Netflix. A empresa de streaming precisou recorrer ao STF para manter a atração no catálogo.

No texto do processo, o relator, desembargador José Carlos Ferreira Alves, diz, em relação à ONG, que "o uso da expressão 'católicas' é ilícito e abusivo no caso concreto, constituindo verdadeira fraude, pois sob o pretexto de defender os 'direitos reprodutivos das mulheres', pratica-se autêntica promoção de conduta que nada mais é que o 'homicídio de bebês no útero materno". Também afirma que a organização segue uma "agenda anticatólica em meio aos católicos".

A "Católicas pelo Direito de Decidir" é uma organização religiosa a favor do aborto nos casos previstos na lei brasileira, ou seja, em condições de estupro, risco de vida para a mãe e anencefalia do feto.

Na opinião de uma das coordenadoras da ONG, Gisele Cristina Pereira, é possível entender o termo "católicas" em uma definição ampla. "Quando penso em católica, como sou, é sobre redes de solidariedade. Mas, digo isso da experiência que vivi na paróquia na periferia de São Paulo em que morei a maior parte da minha vida", explica. "Era uma comunidade, em que fui criada desde pequena indo a eventos, missas, quermesses."

Na nota pública sobre o encaminhamento do recurso para o STJ e para o STF, a ONG defende que "a palavra 'católicas' compõe um significado muito maior do que aquele que se refere apenas à Igreja Católica Romana. Ela não é uma marca registrada que está sujeita a possíveis processos. Sobretudo, não falamos em nome da Igreja, mas de nossa prática religiosa".

Universa entrou em contato com a Associação Dom Bosco, por meio de e-mail ao presidente da entidade, Pedro Affonseca, perguntando sobre a definição do termo "católica" pela instituição, além de pedir posicionamento sobre a ação judicial, mas não obteve retorno.

Pedro, de acordo com matéria do TAB UOL publicada em abril, foi um dos católicos conservadores contrários ao fechamento temporário de igrejas no Brasil — devido às medidas de isolamento social, em março — que foram à frente do Consulado da China para orar.

Os posicionamentos sobre aborto

O "Direito de Decidir", avalia Gisele, centraliza um dos temas em disputa dentro do que chama de grupos neoconservadores, movimentos de pessoas que frequentam tanto a igreja católica quanto as neopentecostais: o aborto.

"No catolicismo, esse grupo é uma área conservadora que não reconhece a mulher como sujeito de direitos, capaz de tomar suas próprias decisões. Há uma tutela do Estado e da própria igreja que induz a sociedade a pensar que as mulheres usarão o aborto como método contraceptivo", argumenta.

"Nós somos a favor da legalização do aborto. Não do aborto em si, mas de uma política que legalize o aborto e que permita que as mulheres com menos recursos e que sofrem sequelas por abortos clandestinos inseguros tenham sua saúde assegurada".

No texto da decisão pela retirada do "católicas", o desembargador também afirmou que "ao defender o direito de decidir pelo aborto, que a Igreja condena clara e severamente, há nítido desvirtuamento e incompatibilidade do nome utilizado em relação às finalidades e atuação concreta da associação".

Recursos precisam ser analisados

Os recursos da ONG Católicas pelo Direito de Decidir foram admitidos como especial, ao STJ, e extraordinário, ao STF. Agora, as partes aguardam o sorteio de ministro ou ministra que será responsável pela relatoria dos processos nos dois tribunais superiores. Não há previsão de quando o processo terá avanço.

A organização também entrou com medida cautelar para suspender a exigência de pagamento da multa indenizatória de R$ 1.000 por dia estipulada na ação e que seria destinada ao Centro Dom Bosco.

De acordo com nota, a ONG também estuda fazer denúncia na ONU e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) sobre o caso.