"Fiz tratamentos para engravidar. Hoje, sou realizada por não ser mãe"
"Quando se é uma menina, tem aquilo de brincar de boneca e ensaiar a maternidade. Em um momento, tive vontade de ter filho e tentei por vias naturais até os 36 anos, apesar de, no fundo, nunca ter gostado da ideia de ficar grávida.
Fiz tratamentos hormonais que começaram com a maior dosagem, fiz cirurgia porque tinha pólipo no útero, fiz um exame medonho para ver se as trompas estavam entupidas. Mas, quando tinha 44, 45, caiu a ficha. Eu não seria mãe e tudo bem. E ainda bem. Porque se eu tivesse um filho, não seria a pessoa que sou hoje.
Aos 48, resolvi terminar um livro de poemas que escrevi esse tempo todo. A terceira parte, "Aquela que não é mãe", veio no começo deste ano. A construção da ideia de que não seria mãe, no entanto, só chegou depois da fase 'vou fazer tudo que posso para me eximir de qualquer culpa'.
Ser mãe era ser aceita em muitos lugares, mas, me lendo, fui me aceitando. E, de repente, esse é o aceite mais importante que podemos nos autorizar. Então, surgiu esse pequeno livro que tomou vida e concretizou.
"Quando digo que não tenho filhos, a pergunta é: por que?"
Não ter filhos foi uma coisa muito boa. Mas a não maternidade é muito julgada. Uma vez, fui fazer uma pesquisa com ciganos, e quando chegava nos acampamentos, me perguntavam se eu tinha filhos e, quando dizia que não, era uma expressão de horror tão grande... Seguida de: "Mas, por que?". Há também a pressão familiar e a cultural. Foi o que me levou a querer ser mãe por alguns momentos, que foram muito menores do que o tempo em que sabia que não queria ter filhos.
A essas pessoas, respondi que não consigo fisicamente, que tentei todos os subterfúgios. E, ainda, que queria que um bebê nascesse dentro de uma família. O livro é um ponto final desse processo. Estou realizada ao não ser mãe.
"Fiz tratamento, mas cheguei tarde"
Sinto que entre os 29 e 31 anos, se eu tivesse engravidado, seria feliz. Mas só fui procurar tratamento quanto tinha 38, imaginando que a Medicina era muito avançada e vendo mulheres de 50 engravidar... Cheguei tarde. Isso e o fato de não querer engravidar já eram indícios de que, no fundo, no fundo, era algo que não queria.
O tratamento foi a última coisa, para dizer: 'Eu tentei de tudo', e ficar em paz comigo mesma.
Dizem que ter um filho faz parte do pacote da felicidade. Achava que só não tinha dado sorte de alguém fazer um 'gol' aqui. Em alguns momentos, claro que me esqueci do tema, porque a vida te leva para outros lugares. Um casamento que acaba, por exemplo. Ainda cheguei a pensar em adoção, mas a sensação de escolher uma pessoa me dava muito nervoso.
Via minhas amigas tendo filhos, a família me dizendo: 'Um dia, você vai ter os seus'. E aí, chega uma idade que você se sente excluída por não tê-los.
A sensação era de ficar na mesa das crianças no jantar, e não dos adultos, sabe? Eu dava aula de artes cênicas para crianças, e às vezes sentia que não podia dar opinião sobre elas, porque não tinha um 'selo' de mãe.
As narrativas dos filmes, das novelas, das propagandas contam como é maravilhoso ter filho, como completa a mulher. Sem contar que a maternidade tem um mito de divindade, Nossa Senhora, as deusas. Então, senti culpa durante um tempo, por não conseguir fazer 'aquilo que toda mulher deve fazer'. Você sente que não realizar essa coisa nobre.
Geralmente, isso traz uma sensação de que temos que compensar por outro lado e fazer um filho de outra maneira. De querer fazer algo grandioso, se realizar no trabalho. Também tive isso, de trabalhar sete dias por semana. Mas isso acontece como se estar vivo não fosse o maior objetivo que a gente tem. Agora, mais do que nunca."
Jaqueline Vargas é roteirista de produções audiovisuais como "Sessão de Terapia" (Globoplay), "Rua Augusta" (TNT) e "Maria Magdalena" (Netflix). É autora do livro "Aquela que não é mãe", da Buzz editora.
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