"No Brasil, grávida só pode contar com a sorte na pandemia", diz deputada
"É tarde, o Brasil está atrasado e morreram muitas mulheres, mas nós ainda podemos salvar a vida de muitas outras grávidas e de seus bebês.". Quem afirma isso é a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), autora da lei que obriga empresas a afastar gestantes do trabalho presencial durante a pandemia. A proposta foi apresentada nos primeiros meses de pandemia, em 2020, mas só virou lei na semana passada, quando foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Agora, toda gestante deve permanecer à disposição do empregador apenas em trabalho remoto até o fim do estado de emergência em saúde pública. Em entrevista a Universa, Perpétua conta que teve medo do texto nem chegar a ser votado no Senado, onde ficou parado durante seis meses.
Essa demora, diz, poderia ter evitado a perda de muitas vidas, já que o Brasil é o país com maior índice de morte materna durante a pandemia no mundo — segundo uma pesquisa do "International Journal of Gynecology and Obstetrics", 77% das gestantes que morreram de covid-19 são brasileiras.
A deputada celebra a nova lei que passou a valer na última quarta-feira (12), mas mostra preocupação com outros fatores de risco a que gestantes e puérperas continuarão submetidas — além do vírus, o desemprego e a fome, que o auxílio emergencial no valor de R$ 150, não ajuda a matar.
As grávidas estão à mercê da sorte, de que Deus cuide delas, porque o governo não tem feito isso
Universa: O Brasil é o país com maior índice de morte materna por covid-19 no mundo. O que isso diz sobre a condução da pandemia no país e, especialmente, sobre como tratamos a saúde das mulheres?
Perpétua Almeida: O Brasil ficou muito atrasado no tratamento correto à covid-19. Não cuidou da vacinação, não fez campanha incentivando o uso de máscaras e não estabeleceu o afastamento das grávidas do trabalho presencial. Quando apresentei o projeto de lei, ainda nos primeiros meses da pandemia, um dado mostrava que, até aquele momento, 77% de todas as grávidas que haviam morrido no mundo eram brasileiras. Isso é muito grave. Não precisava esperar aprovar uma lei para o governo perceber que as grávidas são mais vulneráveis. Nós temos centenas de histórias de mães que foram operadas enquanto estavam intubadas para poder tirar seus filhos — em alguns casos foi possível salvar os dois, graças a Deus, mas há muitos episódios em que a mãe morreu.
Considerando a forma como o governo tem lidado com a pandemia, teve medo que a proposta não fosse sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro?
Olha, eu tive medo que o projeto não fosse nem votado no Senado. Na Câmara, a gente votou logo e foi aprovado por unanimidade. No Senado, a proposta ficou parada por pelo menos seis meses, e eu soube que houve pressão do governo federal para que não fosse votada.
Quando o número de mortes aumentou e foi divulgada uma pesquisa mostrando que em 2021 o número de óbitos cresceu 150% em relação a 2020, o Senado foi pressionado e acabou votando a proposta, inclusive com o compromisso do líder do governo [o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE)] de que o texto seria sancionado pelo presidente.
É tarde, o Brasil está atrasado, morreram muitas mulheres, mas nós ainda podemos salvar a vida de muitas outras grávidas e de seus bebês.
A senhora apresentou esse projeto em julho de 2020, quando ainda eram poucas as informações precisas sobre a covid-19. O que acendeu o sinal de alerta naquele momento de que seria necessário isolar as gestantes?
O primeiro sinal de alerta foi com certeza essa pesquisa sobre 77% das mortes de gestantes no mundo terem ocorrido no Brasil. Mas houve também um segundo alerta, que foi o que fez o Senado colocar a proposta em pauta, quando o número de mortos cresceu 150% em 2021. Naquela mesma semana, saiu uma orientação do Ministério da Saúde sugerindo que as mulheres adiassem os planos de gravidez. Achei aquilo um absurdo sem tamanho, tendo em vista que até aquele momento o governo não tinha tomado nenhuma iniciativa em relação à saúde das gestantes.
E por que, mesmo com esses dados sobre mortes de gestantes, foi preciso aprovar um projeto de lei para garantir que elas possam ficar em casa durante a pandemia?
Quando apresentei o PL, eu mesma alertei que o governo não precisava esperar o Parlamento agir para tomar essa decisão. O governo federal,por meio dos ministérios da Saúde, do Trabalho e da Mulher, Família e Direitos Humanos, deveria ter afastado as grávidas do trabalho presencial imediatamente tão logo saíram as primeiras pesquisas.
Mas infelizmente nós sabemos e estamos vendo há mais de um ano o tratamento que o governo tem dado para a pandemia. Tenho dito que o Brasil infelizmente será o último país a sair da pandemia e a recuperar sua economia, porque o governo federal não tem agido como têm se comportado outros chefes de nações, como Joe Biden, Angela Merkel, o Emmanuel Macron.
Acredita que a lei pode enfrentar obstáculos para ser aplicada ou fiscalizada?
São três instituições do governo que precisam monitorar e fiscalizar a lei: o Ministério da Saúde, o Ministério do Trabalho e o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Eles têm que fiscalizar e as empresas têm que cumprir. Para as pequenas e médias empresas, existe a opção de recorrer à Medida Provisória 1045, que garante que o governo federal pague em torno de 80% do salário das trabalhadoras afastadas e a empresa arca com os outros 20%. O importante é que, no final do mês, essa mulher grávida ou puérpera tenha o salário integral na conta.
O que mais te chama atenção na realidade das mulheres grávidas no país após mais de um ano de pandemia? Que relatos chegam até você?
Se os jovens sem comorbidades estão morrendo mais por covid, imagine a situação das grávidas. Os relatos são muitos, desde gestantes que morreram por falta de oxigênio ou de leitos de UTI nos hospitais, até de gestantes que tiveram que sair de casa e ir para o trabalho porque sem isso não tinham como sobreviver. Aí entra o maior erro da condução da pandemia: não tratar a economia junto com a saúde. Enquanto o governo reclamava que a economia ia quebrar, o que fez? Nada. Fomos nós, no Parlamento, que aprovamos o auxílio emergencial de R$ 600. Se o auxílio tivesse sido mantido no valor original, teria ajudado a tirar muita gente das ruas, porque com R$ 600 dá para se virar, com R$ 150 [valor pago atualmente], não.
As grávidas estão à mercê da sorte, de que Deus cuide delas, porque o governo não tem feito isso.
A ginecologista e obstetra Melania Amorim disse em entrevista a Universa que a covid deixará uma "legião de órfãos" por conta da alta mortalidade de gestantes e puérperas. Que impactos esse cenário trará a longo prazo para o Brasil?
A doutora Melania foi uma das profissionais que mais apoiou nosso projeto e que mais defendeu a aprovação. Ela sabe do que está falando, sabe quantas mães estão morrendo e deixando seus filhos órfãos. O Brasil vai precisar assumir essas crianças, porque a pandemia pode afetar o desenvolvimento delas. É preciso monitorar a saúde, acompanhar o crescimento, fazer com que elas cresçam e cheguem saudáveis ao mercado de trabalho. Mas, para isso, o governo não pode fechar os olhos, precisa saber onde estão e quem são essas crianças.
Além dos riscos de internação e morte por covid-19, a quais outros efeitos da pandemia as mulheres grávidas têm sido expostas?
Os riscos são muitos: para as que precisam trabalhar, pegar metrô ou outro transporte lotado e o medo do desemprego; para as que estão desempregadas, a fome, a exposição ao vírus ao ir para a rua atrás de comida, já que os R$ 150 reais do auxílio emergencial não dão para nada. Fora a violência dentro de casa, que aumentou na pandemia.
A senhora já foi vacinada e comemorou com uma foto celebrando o SUS nas redes sociais. Qual foi a sensação de ser imunizada?
Muita emoção! Dá vontade de chorar só de lembrar, porque realmente é um sentimento muito forte. É claro que o motivo que me levou a ser vacinada agora, a hipertensão, não é um motivo que me alegra muito, mas para tomar a vacina está valendo. Eu gostaria muito de ver a imunização avançar e chegar a todos os brasileiros e brasileiras, principalmente os jovens, que estão sendo grandes vítimas neste momento.
Equipes de saúde têm relatado dificuldade de levar vacina e atendimento a regiões mais afastadas das capitais, como a em que você nasceu e foi criada, um seringal no Acre. Como a pandemia afeta especialmente essas regiões?
Eu lembro que uma das minhas primeiras ações no início da pandemia foi ir até a Casa Civil pedir uma reunião com o ministro e com o presidente da Caixa para dizer que, por falta de um caixa eletrônico ou de uma agência bancária, uma cidade inteira estava se movimentando, pegando um barco lotado, porque não tem carro e nem estrada, para chegar até outra cidade e sacar esse dinheiro.
O SUS chega, com menos recursos, mas chega. Tem muita gente se vacinando dentro de barcos, por exemplo. Mas é preciso ter muito mais apoio do governo federal. Quando a gente vê que mais de 70% das vacinas estão chegando no braço dos brasileiros porque um governador [João Doria, de São Paulo] tomou essa decisão, isso nos preocupa muito, porque deveria ter sido uma decisão do governo federal.
Nós somos em 15 irmãos e eu lembro dos meus pais colocando a gente na fila da vacina, lá no seringal, quando eu era criança. Era vacina contra febre amarela, sarampo, poliomielite. O brasileiro é acostumado a tomar vacina, o Brasil é o país que mais vacina no mundo, não tem explicação para nós estarmos tão atrás dos outros países em termos de imunização.
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